Esses cabellos louros e escolhidos, Que o ser ao aureo sol estão tirando; Esse ar immenso, adonde naufragando Estão continuamente os meus sentidos; Esses furtados olhos tão fingidos
Que minha vida e morte estão causando; Essa divina graça, que em fallando Finge os meus pensamentos não ser cridos;
Esse compasso certo, essa medida
Que faz dobrar no corpo a gentileza; A divindade em terra, tão subida;
Mostrem ja piedade, e não crueza, Que são laços que Amor tece na vida, Sendo em mi soffrimento, em vós dureza.
Quem pudéra julgar de vós, Senhora, Que huma tal fé pudesse assi perder-vos? Se por amar-vos chego a aborrecer-vos, Deixar não posso o amar-vos algum'hora. Deixais a quem vos ama, ou vos adora, Por ver a quem quiçá não sabe vêr-vos? Mas eu sou quem não soube merecer-vos, E esta minha ignorancia entendo agora. Nunca soube entender vossa vontade,
Nem a minha mostrar-vos verdadeira, Indaque clara estava esta verdade.
Esta, em quanto eu viver, vereis inteira;
E se em vão meu querer vos persuade, Mais vosso não querer faz que vos queira.
Quem, Senhora, presume de louvar-vos Com discurso que baixe de divino, De tanto maior pena será dino, Quanto vós sois maior ao contemplar-vos. Não aspire algum canto a celebrar-vos, Por mais que seja raro, ou peregrino; Pois de vossa belleza eu imagino Que só comvosco o Ceo quiz comparar-vos. Ditosa esta alma vossa, a que quizestes Pôr em posse de prenda tão subida, Qual esta que benigna, em fim, me déstes. Sempre será anteposta á mesma vida: Esta estimar em menos me fizestes, Se antes que ess'outra a quero vêr perdida.
Moradoras gentís e delicadas
Do claro e aureo Tejo, que metidas Estais em suas grutas escondidas, E com doce repouso socegadas; Agora esteis de amores inflammadas, Nos crystallinos paços entretidas; Agora no exercicio embevecidas Das télas de ouro puro matizadas; Movei dos lindos rostos a luz pura
De vossos olhos bellos, consentindo Que lagrimas derramem de tristura. E assi com dôr mais propria ireis ouvindo As queixas que derramo da Ventura, Que com penas de Amor me vai seguindo.
Brandas águas do Tejo que, passando Por estes verdes campos que regais, Plantas, hervas, e flôres, e animais, Pastores, Nymphas, ides alegrando;
Não sei, (ah doces águas!) não sei quando Vos tornarei a vêr; que mágoas tais, Vendo como vos deixo, me causais, Que de tornar ja vou desconfiando. Ordenou o destino, desejoso
De converter meus gostos em pezares, Partida que me vai custando tanto.
Saudosa de vós, delle queixoso,
Encherei de suspiros outros ares,
Turbarei outras águas com meu pranto.
Novos casos de Amor, novos enganos, Envoltos em lisonjas conhecidas;
Do bem promessas falsas e escondidas, Onde do mal se cumprem grandes danos;
Como não tomais ja por desenganos Tantos ais, tantas lagrimas perdidas, Pois que a vida não basta, nem mil vidas, A tantos dias tristes, tantos annos?
Hum novo coração mister havia,
Com outros olhos menos aggravados, Para tornar a crêr o que eu vos cria. Andais comigo, enganos, enganados; E se o quizerdes vêr, cuidai hum dia O que se diz dos bem acutilados.
A causa de que nasce o meu tormento? A qual parte me irei co'o pensamento, Que para descansar parte me seja? Ja sei como se engana quem deseja Em vão amor, fiel contentamento; E que nos gostos seus, que são de vento, Sempre falta seu bem, seu mal sobeja. Mas inda, sobre o claro desengano, Assi me traz esta alma sobjugada, Que delle está pendendo o meu desejo. E vou de dia em dia, de anno em anno, Apoz hum não sei que, apoz hum nada, Que quanto mais me chego, menos vejo.
Ja do Mondego as águas apparecem A meus olhos, não meus, antes alheios, Que de outras differentes vindo cheios, Na sua branda vista inda mais crecem.
Parece que tambem forçadas decem,
Segundo se detem em seus rodeios.
Triste! por quantos modos, quantos meios, As minhas saudades me entristecem !
Vida de tantos males salteada,
Amor a põe em termos, que duvída
De conseguir o fim desta jornada.
Antes se dá de todo por perdida,
Vendo que não vai da alma acompanhada,
Que se deixou ficar onde tee vida.
Que doudo pensamento he o que sigo? Apoz que vão cuidado vou correndo? Sem ventura de mi! que não me entendo; Nem o que callo sei, nem o que digo. Pelejo com quem trata paz comigo;
De quem guerra me faz não me defendo. De falsas esperanças que pertendo? Quem do meu proprio mal me faz amigo? Porque, se nasci livre, me captivo?`
E pois o quero ser, porque o não quero? Como me engano mais com desenganos? Se ja desesperei, que mais espero?
E se inda espero mais, porque não vivo? E se vivo, que accuso mortaes danos?
Hum firme coração posto em ventura; Hum desejar honesto, que se engeite De vossa condição, sem que respeite A meu tão puro amor, a fé tão pura; Hum vêr-vos de piedade e de brandura Sempre inimiga, faz-me que suspeite Se alguma Hyrcana fera vos deo leite, Ou se nascestes de huma pedra dura. Ando buscando causa, que desculpe Crueza tão estranha; porém quanto Nisso trabalho mais, mais mal me trata.
Donde vem, que não ha quem nos não culpe; A vós, porque matais quem vos quer tanto, A mim, por querer tanto a quem me mata.
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