CXIV Ar. que de meus suspiros vejo cheio; Terra, cansada ja com meu tormento; Água, que com mil lagrimas sustento; Fogo, que mais accendo no meu seio; Em paz estais em mim; e assi o crcio, Sem esse ser o vosso proprio intento; Pois em dôr onde falta o soffrimento. A vida se sostem por vosso meio. Ai imiga Fortuna! ai vingativo Se me quercis matar, para que vivo? CXV Ja claro vejo bem, ja bem conheço Quanto augmentando vou o meu tormento; Pois sei que fundo em água, escrevo em vento, que o cordeiro manso ao lobo peço; E Que Arachne sou, pois ja com Pallas teço; Busco em luzente Olympo escuridade, E o desejado bem no mal eterno, CXVI De cá, donde sómente o imaginar-vos Nas chammas que por vossa causa sente, Lá ficára comvosco, e vós presente, Aprendera de vós a contentar-vos. Mas, pois que estar ausente lhe he forçado, Por Senhora, de cá, vos reconhece, Aos pés de imagens vossas inclinado. E pois vêdes a fé que vos offrece, Ponde os olhos, de lá, no seu cuidado, CXVII Não ha louvor que arribe á menor parte De bello e de formoso, em vós agora dar-vos CXVIII Não vás ao monte, Nise, com teu gado; Fuge de vêr-te lá nesta aventura, Porque se contra ti o tens iroso, Mas ai! que em vão te advirto temeroso, CXIX A violeta mais bella que amanhece Em ti seu nome, e sua côr mais pura; Oh luminosa flôr! Oh sol mais claro! Oh penetrante setta de Cupido! Que queres? Que te peça por reparo CXX D'essa voz as cadencias deleitosas: Tornai á bella Venus a belleza; A Minerva o saber, o engenho, e a arte; De dões; e ficareis em toda parte CXXI De mil suspeitas vãas se me levantão ᎪᎥ que estes bens de Amor são feiticeiros, Que com hum não sei que toda alma encantão! Como serêas docemente cantão Para enganar os tristes marinheiros: Os meus assi me attrahem lisongeiros, Quando cuido que tomo porto ou terra, Mas eu sou quem me faz a maior guerra, Pois conhecendo os riscos de hum amante CXXII Mil vezes determino não vos ver, Por ver se abranda mais o meu penar: Depois que Amor me pôz em tal lugar; CXXIII A chaga que, Senhora, me fizestes, Não foi para curar-se em hum só dia; Porque crescendo vai com tal porfia, Que bem descobre o intento que tivestes. De causar tanta dôr vos não doestes? Mas a doer-vos, dôr me não sería, Pois ja com esperança me veria Do que VÓS que em mi visse não quizestes. Os olhos com que todo me roubastes Forão causa do mal que vou passando; E vós estais fingindo o não causastes. Mas eu me vingarei. E sabeis quando? Quando vos vir queixar porque deixastes Ir-se a minha alma nelles abrazando. |