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CXXIV

Se com desprezos, Nympha, te parece
Que podes desviar do seu cuidado
Hum coração constante, que se offrece
A ter por gloria o ser atormentado.
Deixa a tua porfia, e reconhece

Que mal sabes de amor desenganado;
Pois não sentes, nem vès que em teu mal crece,
Crescendo em mi de ti mais desamado.

O esquivo desamor, com que me tratas,
Converte em piedade, se não queres
Que cresça o meu querer, e o teu desgosto.
Vencer-me com cruezas nunca esperes:
Bem me podes matar, e bem me matas;
Mas sempre ha de viver meu presupposto.

CXXV

Senhora minha, se eu de vós ausente
Me defendêra de hum penar severo,
Suspeito que offendêra o que vos quero,
Esquecido do bem de estar presente.

Traz este, logo sinto outro accidente,
E he vêr que se da vida desespero,
Perco a gloria que vendo-vos espero;
E assi estou em meus males differente.

E nesta differença meus sentidos
Combatem com tão áspera porfia,
Que julgo este meu mal por déshumano.

Entre si sempre os vejo divididos;
E se acaso concordão algum dia,
He só conjuração para meu dano.

CXXVI

No regaço da mãe Amor estava
Dormindo tão formoso, que movia
O coração que mais isento o via;
E a sua propria mãe de amor matava.
Ella, co'os olhos nelle, contemplava
A quanto estrago o mundo reduzia:
Elle porém, sonhando, lhe dizia
Que todo aquelle mal ella o causava.
Soliso que, graduado em seus amores,
De saber de ambos mais teve a ventura,
Assi soltou a dúvida aos pastores:

Se bem me ferem sempre sem ter cura
Do menino os ardentes passadores,
Mais me fere da mãe a formosura.

CXXVII

Este terreste caos com seus vapores
Não póde condensar as nuvens tanto,
Que o claro sol não rompa o negro manto
Com suas bellas e luzentes côres.

A ingratidão esquiva de rigores

1

Opposta nuvem he, que dura em quanto
Nos não converte o Ceo em triste pranto
Suas vãas esperanças, seus favores.

Póde-se contrapôr ao Ceo a terra,

E estar o sol por horas eclipsado;
Mas não pode ficar escurecido.

Póde prevalecer a vossa guerra;
Mas, a pezar das nuvens, declarado
Ha de ser vosso sol, e obedecido:

CXXVIII

Huma admiravel herva se conhece,

Que vai ao sol seguindo de hora em hora,
Logo que elle do Euphrates se vê fóra,
E quando está mais alto, então florece.

Mas quando ao Oceano o carro dece,
Toda a sua belleza perde Flora,

Porque ella se emmurchece e se descora:
Tanto co'a luz ausente se entristece!

Meu sol, quando alegrais esta alma vossa,
Mostrando-lhe esse rosto que dá vida,
Cria flores em seu contentamento.

Mas logo, em não vos vendo, entristecida
Se murcha e se consume em grão tormento:
Nem ha quem vossa ausencia soffrer possa.

CXXIX

Crescei, desejo meu, pois que a Ventura
Ja vos tee nos seus braços levantado;
Que a bella causa de que sois gerado
O mais ditoso fim vos 'assegura.
Se aspirais por ousado a tanta altura,

Não vos espante haver ao sol chegado;
Porque he de aguia Real vosso cuidado,
Que quanto mais o soffre, mais se apura.

Animo, coração; que o pensamento
Te póde inda fazer mais glorioso,
Sem que respeite a teu merecimento.

Que cresças inda mais he ja forçoso;
Porque se foi de ousado o teu intento,
Agora de atrevido he venturoso.

CXXX

He o gozado bem em água escrito;
Vive no desejar, morre no effeito:
O desejado sempre he mais perfeito,
Porque tee parte alguma de infinito.
Dar a huma alma immortal gôzo prescrito,
Em verdadeiro amor, fôra defeito:
Por modo sup'rior, não imperfeito,
Sois excepção de quanto aqui limito.
De huma esperança nunca conhecida,
Da fé do desejar não alcançada,
Sereis mais desejada, possuida.

Não podeis da esperança ser amada;
Vista podereis ser, e então mais crida;
Porém não, sem aggravo, comparada.

CXXXI

De quantas graças tinha a natureza
Fez hum bello e riquissimo thesouro;
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angelica belleza.

Poz na boca os rubis, e na pureza

Do bello rosto as rosas, por quem mouro;
No cabello o valor do metal louro;

No peito a neve, em que a alma tenho accesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez delles hum sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Em fim, Senhora, em vossa compostura,
Ella a apurar chegou quanto sabía
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

CXXXII

Nunca em amor damnou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida covardia
De pedra serve ao livre pensamento.
Quem se eleva ao sublime Firmamento,

A estrella nelle encontra, que lhe he guia; Que o bem que encerra em si a phantasia São humas illusões que leva o vento. Abrir-se devem passos á ventura:

Sem si proprio ninguem será ditoso:
Os principios sómente a sorte os move.
Atrever-se he valor, e não loucura.
Perderá por covarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove.

CXXXIII

Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apoz si me trouxe cego,

De vós me aparto, si; porém não nego
Que inda a longa memoria, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem poderá a Fortuna este instrumento
Da alma levar por terra nova e estranha,
Offerecido ao mar remoto, ao vento.

Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas azas do ligeiro pensamento

Para vós, águas, vôa, e em vós se banha.

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