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CXXXIV

Senhor João Lopes, o meu baixo estado
Hontem vi posto em grão tão excellente,
Que sendo vós inveja a toda a gente,

por mi vos quizereis ver trocado.

O gesto vi suave e delicado,

Que ja vos fez contente e descontente,
Lançar ao vento a voz tão docemente,
Que fez o ar sereno e socegado.

Vi-lhe em poucas palavras dizer quanto
Ninguem diria em muitas: mas eu chego
A espirar só de ouvir a doce fala.
Oh mal o haja a Fortuna, e o moço cego!
Elle, que os corações obriga a tanto;
Ella, porque os estados desiguala.

CXXXV

A Morte, que da vida o nó desata,

Os nós, que
dá o Amor, cortar quizera
Co'a ausencia, que he sôbre elle espada fera,
E co'o tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que huma a outra mata,
A Morte contra Amor junta e altera;
Huma, Razão contra a Fortuna austera;
Outra, contra a Razão Fortuna ingrata.
Mas mostre a sua imperial potencia

A Morte em apartar de hum corpo a alma,
O Amor n'hum corpo duas almas una;

Para

que assi triumphante leve a palma Da Morte Amor a grão pesar da ausencia, Do tempo, da Razão, e da Fortuna.

CXXXVI

Árvore, cujo pomo bello e brando
Natureza de leite e sangue pinta,
Onde a pureza, de vergonha tinta,
Está virgineas faces imitando;
Nunca do vento a ira, que arrancando
Os troncos vai, o teu injúria sinta;
Nem por malicia de ar te seja extinta
A côr que está teu fructo debuxando.
E pois emprestas doce e idoneo abrigo
A meu contentamento, e favoreces
Com teu suave cheiro a minha gloria;
Se eu não te celebrar como mereces,
Cantando-te, se quer farei comtigo
Doce nos casos tristes a memoria.

CXXXVII

O filho de Latona esclarecido,

Que com seu raio alegra a humana gente,
Matar pôde a Phytonica serpente
Que mortes mil havia produzido.

Ferio com arco, e de arco foi ferido,
Com ponta aguda de ouro reluzente:
Nas Thessalicas praias docemente
Por a Nympha Penea andou perdido.
Não lhe pôde valer contra seu dano
Saber, nem diligencias, nem respeito
De quanto era celeste e soberano.

Pois se hum deos nunca vio nem hum engano
De quem era tão pouco em seu respeito,
Eu qu'espero de um ser, qu'he mais que humano?

CXXXVIII

Presença bella, angelica figura,

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Em quem quanto o Ceo tinha nos tee dado, Gesto alegre de rosas semeado,

Entre as quaes se está rindo a Formosura:

Olhos, onde tee feito tal mistura

Em crystal puro o negro marchetado,
Que vemos ja no verde delicado
Não esperança, mas inveja escura:
Brandura, aviso, e graça, que augmentando
A natural belleza co'hum desprêzo,

Com

que mais desprezada mais se augmenta:

São as prizões de hum coração, que prêzo,
Seu mal ao som dos ferros vai cantando,
Como faz a serêa na tormenta.

CXXXIX

Por cima destas águas forte e firme
Irei aonde os Fados o ordenárão,
Pois por cima de quantas derramarão
Aquelles claros olhos pude vir-me.
Ja chegado era o fim de despedir-me;
Ja mil impedimentos se acabárão,
Quando rios de amor se atravessárão
A me impedir o passo de partir-me.
Passei-os eu com ânimo obstinado,

Com que a morte forçada gloriosa
Faz o vencido ja desesperado.

Em qual figura, ou gesto desusado,
Póde ja fazer medo a morte irosa

A

quem tee a seus pés rendido e atado?

CXL

Tal mostra de si dá vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
Que as forças e o poder da natureza
Com sua claridade mais apura.

Quem confiança ha visto tão segura,
Tão singular esmalte da belleza,
Que não padeça mal de mais graveza,
Se resistir a seu amor procura?

Eu, pois, por escusar tal esquivança,
A razão sujeitei ao pensamento,
A quem logo os sentidos se entregárão.

Se vos offende o meu atrevimento,
Inda podeis tomar nova vingança
Nas reliquias da vida

que ficárão.

CXLI

Na desesperação ja repousava

O peito longamente magoado,

E, com seu damno eterno concertado,
Ja não temia, ja não desejava;

Quando huma sombra vãa me assegurava
Que algum bem me podia estar guardado
Em tão formosa imagem, que o traslado
N'alma ficou, que nella se enlevava.
Que credito que dá tão facilmente
O coração áquillo que deseja,
Quando lhe esquece o fero seu destino!

Ah! deixem-me enganar; que eu sou contente;
Pois, postoque maior meu damno seja,
Fica-me a gloria ja do que imagino..

CXLII

possua;

Diversos dões reparte o Ceo benino,
E quer que cada huma alma hum só
Por isso ornou de casto peito a Lua,
Que o primeiro orbe illustra crystallino;
De graça a Mãe formosa do Menino,
Que nessa vista tee perdido a sua;
Pallas de sciencia não maior que a tua:
Tee Juno da nobreza o imperio dino.
Mas junto agora o largo Ceo derrama
Em ti o mais que tinha, e foi o menos
Em respeito do Autor da natureza.
Que a seu pezar te dão, formosa dama,
Seu peito a Lua, sua graça Venus,
Sua sciencia Pallas, Juno sua nobreza.

CXLIII

Gentil Senhora, se a Fortuna imiga,
Que contra mi com todo o Ceo conspira,
Os olhos meus de vêr os vossos tira,
Porque em mais graves casos me persiga;

Comigo levo esta alma, que se obriga
Na mór pressa de mar, de fogo, e d'íra,
A dar-vos a memoria, que suspira
fazer comvosco eterna liga..

por

Nesta alma, onde a fortuna póde pouco,

Tão viva vos terei, que frio e fome,
Vos não possão tirar, nem mais perigos.

Antes, com som de voz trémulo e rouco
Por vós chamando, só com vosso nome
Farei fugir os ventos, e os imigos.

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