Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

CLIV

Que esperais, esperança? Desespéro.
Quem disso a causa foi? Hua mudança.
Vós, vida, como estais? Sem esperança.
Que dizeis, coração? Que muito quero.
Que sentis, alma, vós? Que amor he fero.
E, em fim, como viveis? Sem confiança.
Quem vos sustenta, logo? Huma lembrança.
E só nella esperais? Só nella espero.

Em

que podeis parar? Nisto em que estou. E em que estais vós? Em acabar a vida. E ténde-lo por bem? Amor o quer. Quem vos obriga assi? Saber quem sou. E quem sois? Quem de todo está rendida. A rendida estais? A hum só querer. quem

CLV

Se como em tudo o mais fostes perfeita,
Foreis de condição menos esquiva,
Fôra a minha fortuna mais altiva,
Fôra a sua altiveza mais sujeita.

Mas quando a vida a vossos pés se deita,
Porque não a acceitais, não quer que eu viva:
Ella propria de si ja a mi me priva;
Que, porque me engeitais, tambem me engeita.

Se nisso contradiz vossa vontade,

Mandai-lhe vós, Senhora, que dè fim
Á minha profundissima tristeza.

Pois ella não mo dá, porque piedade

Tenha deste meu mal, mas porque em mim

Possais assi fartar vossa crueza.

CLVI

Se algum'hora essa vista mais suave
Acaso a mi volveis, em hum momento
Me sinto com hum tal contentamento,
Que não temo que damno algum me aggrave.
Mas quando com desdem esquivo e grave
O bello rosto me mostrais isento,

Huma dôr provo tal, hum tal tormento,
Que muito vem a ser que não me acabe.
Assi está minha vida, ou minha morte

No volver de esses olhos; pois podeis
Dar co'huma volta delles morte, ou vida.
Ditoso eu, se o Ceo quer, ou minha sorte,
Que ou vida, para dar-vo-la, me deis,
Ou morte, para haver morte querida!

CLVII

Tanto se forão, Nympha, costumando
Meus olhos a chorar tua dureza,
Que vão passando ja por natureza
0 que por accidente hião passando.
No que ao somno se deve estou velando
E venho a velar só minha tristeza:
O chôro não abranda esta aspereza,
E meus olhos estão sempre chorando.
Assi de dor em dôr, de mágoa em mágoa,
Consumindo-se vão inutilmente,

E esta vida tambem vão consumindo.
Sobre o fogo de amor inutil ágoa!

Pois eu em chôro estou continuamente,
E do que vou chorando te vás rindo.

Assi nova corrente

Levas de chôro em foro;

Porque de vêrte rir, de novo chóro.

CLVIII

Eu me aparto de vós, Nymphas do Tejo,
Quando menos temia esta partida;
E se a minha alma vai entristecida,
Nos olhos o vereis com que vos vejo.
Pequenas esperanças, mal sobejo,
Vontade que razão leva vencida,
Presto verão o fim á triste vida,
Se vos não tórno a ver como desejo.
Nunca a noite entretanto, nunca o dia,
Verão partir de mi vossa lembrança:
Amor, que vai comigo, o certifica.

Por mais que no tornar haja tardança,
Me farão sempre triste companhia
Saudades do bem que em vós me fica.

Vencido está de amor
O mais que pode ser,
Sujeita a vos servir e
Offerecendo tudo
Contente deste bem
Ou hora em que se vio
Mil vezes desejando,
Outras mil renovar
Com esta pretenção
A causa que me guia
Tão sobrenatural,
Jurando não querer
Votando só por vós
Ou ser no vosso amor

CLIX

Meu pensamento
Vencida a vida,
Instituida,

A vosso intento.
Louva o momento,
Tão bem perdida;
Assi ferida,
Seu perdimento.
Está segura
Nesta empreza
Honrosa e alta.
Outra ventura,
Rara firmeza,
Achado em falta.

CLX

Divina companhia, que nos prados

Do claro Eurotas, ou no Olympo monte,
Ou sobre as margens da Castalia fonte
Vossos estudos tendes mais sagrados;

Pois por destino dos immoveis fados
Quereis qu'em vosso número me conte,
No eterno templo de Belorofonte

Ponde em bronze estes versos entalhados:

Soliso (porque em seculos futuros

Se veja da belleza o que merece

Quem de sábia doudice a mente inflama)

Seus escritos, da sorte ja seguros,

A estas aras em hua mão offrece,
E a alma em outra á sua bella dama.

CLXI

Á la margen del Tajo, en claro dia,
Con rayado marfil peinando estaba
Natercia sus cabellos, y quitaba
Con sus ojos la luz al sol que ardia.
Soliso que, cual Clicie, la seguia,
Lejos de sí, mas cerca della estaba:
Al son de su zampoña celebraba
La causa de su ardor, y así decia:
Si tantas, como tú tienes cabellos,
Tuviera vidas yo, me las llevaras
Colgada cada cual del uno dellos.
De no tenerlas tú me consolaras,

Si tantas veces mil, como son ellos,
En ellos la que tengo me enredaras.

CLXII

Por gloria tuve un tiempo el ser perdido;
Perdíame de puro bien ganado;
Gané cuando perdí ser libertado;
Libre agora me veo, mas vencido.

Vencí cuando de Nise fuí rendido;

Rendíme por no ser della dejado:
Dejóme en la memoria el bien pasado;
Paso agora á llorar lo que he servido.

Servia al premio de la luz que amaba:
Amándola esperábale por cierto;
Incierto me salió cuanto esperaba.

La esperanza se queda en desconcierto;
El concierto en el mal que no pensaba;
El pensamiento con un fin incierto.

CLXIII

Revuelvo en la incesable fantasía

Cuando me he visto en mas dichoso estado,

Si

agora que de Amor vivo inflamado,

Si cuando de su ardor libre vivia.

Entonces desta llama solo huia,

Despreciando en mi vida su cuidado;
Agora, con dolor de lo pasado,
Tengo por gloria aquello que temia.

Bien veo que era vida deleitosa
Aquella que lograba sin temores,
Cuando gustos de Amor tuve por viento;
Mas viendo hoy á Natercia tan hermosa,
Hallo en esta prision glorias mayores,
Y en perderlas por libre hallo tormento.

« VorigeDoorgaan »