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CLXXIV

Ah Fortuna cruel! ah duros Fados!

Quão asinha em meu damno vos mudastes! Com os vossos cuidados me cansastes, E agora descansais co'os meus cuidados. Fizeste-me provar gostos passados, E vossa condição nelles provastes: Singelos em hum'hora mos levastes, Deixando em seu lugar males dobrados. Quanto melhor me fôra que não víra

Os doces bens de Amor? Ah bens suaves! Quem me deixa sem vós, porque me deixa? De queixar-te, alma minha, te retira:

Alma, de alto cahida em penas graves,

Pois tanto amaste em vão, em vão te queixa.

CLXXV

Quanto tempo, olhos meus, com tal lamento
Vos hei de vêr tão tristes e aggravados?
Não bástão meus suspiros inflammados,
Que sempre em mi renovão seu tormento?
Não basta consentir meu pensamento
Em mágoas, em tristezas e em cuidados,
Senão
que haveis de andar tão maltratados,
Que lagrimas tenhais por mantimento?
Não sei porque tomais esta vingança,

Mostrando-vos na ausencia tão saudosos,
Se sabeis quanto póde huma esperança.
Olhos, não aggraveis outros formosos,
Tornando hum puro amor em esquivança,
Pois ficais por esquivos desdenhosos.

CLXXVI

Lembranças, que lembrais o bem passado
Para que sinta mais o mal presente,
Deixae-me, se quereis, viver contente,
Morrer não me deixeis em tal estado.

Se de todo, comtudo, está do Fado,

Que eu morra de viver tão descontente,
Venha-me todo o bem por accidente,
E todo o mal me venha por cuidado.
Que muito melhor he perder-se a vida,

Perdendo-se as lembranças da memoria,
Pois fazem tanto damno ao pensamento.
Porque, em fim, nada perde quem perdida
A esperança tee ja daquella gloria
Que fazia suave o seu tormento.

CLXXVII

Quando os olhos emprégo no passado,
De quanto passei me acho arrependido;
Vejo que tudo foi tempo perdido,
Que todo emprego foi mal empregado.

Sempre no mais damnoso mais cuidado;
Tudo o que mais cumpria, mal cumprido;
De desenganos menos advertido.

Fui, quando de esperanças mais frustrado.

Os castellos que erguia o pensamento,
No ponto que mais altos os erguia,

Por

esse chão os via em hum momento.

Que erradas contas faz a phantasia!
Pois tudo pára em morte, tudo em vento,
Triste o que espera! triste o que confia!

CLXXVIII

Ja cantei, ja chorei a dura guerra

Por Amor sustentada longos annos;
Vezes mil me vedou dizer seus danos,

Por não ver quem o segue o muito que erra.
Nymphas, por quem Castalia se abre e cerra;
Vós que fazeis á morte mil enganos,
Concedei-me ja alentos soberanos
Para que diga o mal que

Amor encerra:

Para que aquelle, que o seguir ardente,
Veja em meus puros versos hum exemplo
De quanto em glorias promettidas mente.
Qu'inda qu'em triste estado me contemplo,
Se neste assumpto me inspirais, contente
Darei a minha lyra ao vosso templo.

CLXXIX

Os meus alegres, venturosos dias
Passárão, como raio, brevemente;
Movem-se os tristes mais pezadamente
Apoz das fugitivas alegrias.

Ah falsas pretenções! vãas phantasias!
Que me podeis ja dar que me contente?
Ja de meu triste peito a chamma ardente
O tempo reduzio a cinzas frias.

Nellas revolvo agora erros passados;

Que outro fructo não deo a mocidade,
A quem vergonha e dôr minha alma deve.

Revolvo mais de toda a mais idade,

Desejos vãos, vãos choros, vãos cuidados,
Para que leve tudo o tempo leve.

CLXXX

Horas breves de meu contentamento,
Nunca me pareceo, quando vos tinha,
Que vos visse mudadas tão asinha

Em tão compridos annos de tormento.

As altas torres, que fundei no vento,

.

Levou, em fim, o vento que as sostinha:
Do mal, que me ficou, a culpa he minha,
Pois sobre cousas vãas fiz fundamento.

Amor com brandas mostras apparece,
Tudo possivel faz, tudo assegura;
Mas logo no melhor desapparece.

Estranho mal! estranha desventura!
Por hum pequeno bem que desfallece,
Hum bem aventurar, que sempre dura!

CLXXXI

Onde acharei lugar tão apartado,
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?
Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitaria, triste e escura,
Sem fonte clara, ou placida verdura;
Em fim, lugar conforme a meu cuidado?
Porque alli nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente.

Que, pois a minha pena he sem medida,
Alli não serei triste em dias ledos,
E dias tristes me farão contente.

CLXXXII

Aqui de longos damnos breve historia
Verão os que se jactão de amadores:
Reparo póde ser das suas dores
Não apartar as minhas da memoria.
Escrevi, não por fama, nem por gloria,
De que outros versos são merecedores,
Mas por mostrar seus triumphos, seus rigores
A quem de mi logrou tanta victoria.
Crescendo foi a dôr co'o tempo, tanto
Que em número me fez, alheio de arte,
Dizer do cego Amor, que me venceo.

Se ao canto dei a voz, dei a alma ao pranto;
E dando a penna á mão, esta só parte
De minhas tristes penas escreveo.

CLXXXIII

Por sua Nympha Céphalo deixava
A Aurora, que por elle se perdia,
Postoque dá princípio ao claro dia,
Postoque as roxas flores imitava.

Elle, que a bella Procris tanto amava,
Que só por ella tudo engeitaria,
Deseja de tentar se lhe acharia

Tão firme fé, como ella nelle achava.

Mudado o trage, tece hum duro engano;
Outro se finge, preço põe diante;
Quebra-se a fé mudavel, e consente.

Oh subtil invenção para seu dano!
Vêde que manhas busca hum cego amante
Para que sempre seja descontente!

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