CLXXXIV
Sentindo-se alcançada a bella esposa De Céphalo no crime consentido, Para os montes fugia do marido; E não sei se de astuta, ou vergonhosa. Porque elle, em fim, soffrendo a dôr ciosa, Da cegueira obrigado de Cupido, Apoz ella se vai como perdido, Ja perdoando a culpa criminosa. Deita-se aos pés da Nympha endurecida, Que do cioso engano está aggravada; Ja lhe pede perdão, ja pede a vida. Oh força d'affeição desatinada!
Que da culpa contr'elle commettida, Perdão pedia á parte que he culpada!
CLXXXV
Seguia aquelle fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o.vento; Quebravão-lhe ondas o animoso alento, Por mais e mais que Amor lho renovava. Com sentir ja que quasi lhe faltava,
Sem nada esmorecer, no pensamento (Não podendo fallar) de seu intento O fim ao surdo mar encommendava.
Ó
mar, (dizia o moço só comsigo) Ja te não peço a vida; só queria
Que a d'Hero me salvasses: não me veja:
Este defunto corpo lá o desvia
D'aquella torre: sê-me nisto amigo,
Pois no meu maior bem me houveste inveja.
CLXXXVI
Os olhos onde o casto Amor ardia. Ledo de se vêr nelles abrazado; O rosto onde com lustre desusado Purpurea rosa sobre neve ardia; O cabello, que inveja ao sol fazia, Porque fazia o seu menos dourado; A branca mão, o corpo bem talhado, Tudo aqui se reduz a terra fria. Perfeita formosura em tenra idade,
Qual flor, que antecipada foi colhida, Murchada está da mão da morte dura. Como não morre Amor de piedade?
Não della, que se foi á clara vida; Mas de si, que ficou em noute escura.
CLXXXVII
Ditosa penna, como a mão que a guia Com tantas perfeições da subtil arte, Que quando com razão venho a louvar-te, Em teus louvores perco a phantasia.
Porém Amor, que effeitos varios cria, De ti cantar me manda em toda a parte, Não em plectro belligero de Marte, Mas em suave e branda melodia.
Teu nome, Emmanuel, de hum n'outro pólo, Voando se levanta e te pregoa,
Agora que ninguem te levantava.
E
porque immortal sejas, eis Apolo Te offerece de flores a coroa, Que ja de longo tempo te guardava.
CLXXXVIII
Espanta crescer tanto o crocodilo
Só por seu limitado nascimento; Que, se maior nascêra, mais isento Estivera de espanto o patrio Nilo. Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical, novo ornamento; Pois no ventre o immortal merecimento Vo-lo talhou, para despois vesti-lo.
Tardou, mas veio; que a quem mais merece Vir o premio mais tarde he sempre certo, Inda que vez alguma venha cedo.
Os Ceos, que do primeiro estão mais perto, Mais devagar se movem. Quem conhece, Sobre aquelle segredo, este segredo!
CLXXXIX
Ornou sublime esforço ao grande Atlante, Com qu'a celeste máchina sustenta; Honrou a Homero o engenho, com que intenta Grecia do quarto Ceo-passá-lo avante; Coroou claro Amor de amor constante
A Orpheo, na paz firme e na tormenta; Inspirou a Fortuna, em tudo isenta, A Cesar, de quem foi hum tempo amante; Exaltaste tu, Fama, a gloria alta'
De Alcides lá no monte em que resides; Mas Castro, em quem o Ceo seus dões derrama, Mais orna, honra, coroa, inspira, exalta,
Que Atlante, Homero, Orpheo, Cesar e Alcides, Esforço, engenho, Amor, Fortuna e Fama.
CXC
Despois que vio Cibele o corpo humano Do formoso Atys seu verde pinheiro, Em piedade o vão furor primeiro Convertido, chorava o grave dano. E, á sua dôr fazendo illustre engano, A Jupiter pedio, que o verdadeiro Preço da nobre palma e do loureiro Ao seu pinheiro désse, soberano. Mais lhe concede o filho poderoso
Que, crescendo, as estrellas tocar possa, Vendo os segredos lá do Ceo supernổ. Oh ditoso pinheiro! oh mais ditoso
Quem se vir coroar da rama vossa, Cantando á vossa sombra verso eterno!
CXCI
Pois torna por seu Rei e juntamente Por Christo a governar aquella parte Onde se tee mostrado hum Numa, hum Marte O famoso Luis, justo e valente;
O Tejo espere vêr de todo o Oriente, Onde tão raros dões o Ceo reparte, Render a tanto esforço, aviso e arte, Mil palmas, mil tributos novamente. que
Os
bebem no Gange, os que no Indo, A quem pouco valêrão lança e escudo, O render-se terão por bom partido.
O Euphrates temerá, seu nome ouvindo; Que para delle vêr vencido tudo, Ja vio do braço seu tudo vencido.
CXCII
Agora toma a espada, agora a pena,
Estacio nosso, em ambas celebrado, Sendo, ou no salso mar de Marte amado, Ou n'água doce amante da Camena. Cysne sonoro por ribeira amena
De mi para cantar-te he cobiçado; Porque não podes tu ser bem cantado De ruda frauta, nem de agreste avena. Se eu, que a penna tomei, tomei à espada, Para poder jogar licença tenho
Desta alta influïção de dous Planetas;
Com huma e outra luz delles lograda, Tu com pujante braço, ardente engenho, Serás pharo a Soldados e a Poetas.
CXCIII
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente Em minha perdição se conjurárão: Os erros e a Fortuna sobejárão; Que para mi bastava Amor sómente. Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dôr das cousas, que passárão, Que ja as frequencias suas me ensinárão A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse As minhas mal fundadas esperanças. De Amor não vi senão breves enganos. Oh quem tanto pudesse, que fartasse Este meu duro Genio de vinganças!
« VorigeDoorgaan » |