Cá nesta Babylonia donde mana Materia a quanto mal o mundo cria; Cá donde o puro Amor não tee valia; Que a Mãe, que manda mais, tudo profana; Cá donde o mal se affina, o bem se dana, E póde mais que a honra a tyrannia; Ca donde a errada e cega Monarchia Cuida que hum nome vão a Deos engana; Cá neste labyrintho onde a Nobreza, O Valor e o Saber pedindo vão Ás portas da Cobiça e da Vileza; Cá neste escuro caos de confusão Cumprindo o curso estou da natureza. Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Correm turbas as águas deste rio, Que as rapidas enchentes enturbárão; Os florecidos campos se seccárão; Intratavel se fez o valle e frio.
Passou, como o verão, o ardente estio; Humas cousas por outras se trocárão: Os fementidos fados ja deixárão Do mundo o regimento, ou desvario. Ja o tempo a ordem sua tee sabida;
O mundo não; mas anda tão confuso, Que parece que delle Deos se esquece.
Casos, opiniões, natura, e uso,
Fazem que nos pareça desta vida Que não ha nella mais do que parece.
Vós outros, que buscais repouso certo Na vida, com diversos exercicios; A quem, vendo do mundo os beneficios, O regimento seu fica encoberto;
Dedicae, se quereis, ao Desconcerto
Novas honras e cegos sacrificios;
Que, por castigo igual de antiguos vicios, Quer Deos que andem as cousas por acerto. Não cahio neste modo de castigo
Quem pôz culpa á Fortuna, quem sómente Crê que acontecimentos ha no mundo. A grande experiencia he grão perigo: Mas o que a Deos he justo e evidente Parece injusto aos homens e profundo.
Te fez Deos, sacra Phenix, Virgem pura.
Vêde 'que tal sería esta feitura Que para si o seu Feitor guardou!
No seu alto conceito te formou Primeiro que a primeira criatura, Para que unica fosse a compostura Que de tão longo tempo se estudou. Não sei se digo em tudo quanto baste Para exprimir as raras qualidades Que quiz criar em ti quem tu criaste. És Filha, Mãe, e Esposa: e se alcançaste Huma só, tres tão altas dignidades,
Foi porqu'a Tres de Hum só tanto agradaste.
Desce do Ceo immenso Deos benino Para encarnar na Virgem soberana. Porque desce o divino a cousa humana? Para subir o humano a ser divino.
Pois como vem tão pobre e tão menino, Rendendo-se ao poder da mão tyrana? Porque vem receber morte inhumana Para pagar de Adão o desatino. He possivel que os dous o fructo comem Que de quem lhes deo tanto foi vedado? Si; porque o proprio ser de deoses tomem.
por esta razão foi humanado?
Si; porque foi com causa decretado,
Se quiz o homem ser Deos, que Deos fosse homem.
Dos ceos á terra desce a mór Belleza, Une-se á nossa carne, e a faz nobre; E, sendo a humanidade d'antes pobre, Hoje subida fica á mór riqueza.
Busca o Senhor mais rico a mór pobreza;
Que, como ao mundo o seu amor descobre,
De palhas vis o corpo tenro cobre,
por ellas o mesmo Ceo despreza.
Como? Deos em pobreza á terra dece?
O qu'he mais pobre tanto lhe contenta, Qu'este sómente rico lhe parece.
Pobreza este Presepio representa; Mas tanto por ser pobre ja merece, Que quanto mais o he, mais lhe contenta.
Porque a tamanhas penas se offerece Por o peccado alheio, e êrro insano, O Trino Deos? Porque o sogeito humano Não póde co'o castigo que merece. Quem padecerá as penas que padece? Quem soffrerá deshonra, morte e dano? Quem será, se não fôr o Soberano Que reina, e servos manda, e obedece? Foi a força do homem tão pequena, Que não pôde suster tanta aspereza, Pois não sosteve a Lei que Deos ordena. Mas soffre-a aquella immensa Fortaleza Por amor puro; que a mortal fraqueza Foi para o êrro, e não ja para a pena.
Despois de haver chorado os meus tormentos, Quer Amor que lhe cante as suas glorias. Canto de huma belleza os vencimentos, De hum longo padecer chóro as memorias. Porém, se as minhas penas são victorias, Por a causa, a meus altos pensamentos; Dilatem-se em larguissimas historias Estes meus gloriosos rendimentos.
Mova-se em todo o mundo unico espanto De qu'he, por a belleza qu'eu adoro, que cantado tenho premio o pranto. Contente offreço a Amor tão triste fôro: Que se choro não ha como o meu canto, Não sei canto melhor qu'este meu chôro.
Onde mereci eu tal pensamento
Nunca de ser humano merecido?
Onde mereci eu ficar vencido
De quem tanto me honrou co'o vencimento? Em gloria se converte o meu tormento, Quando vendo-me estou tão bem perdido; Pois não foi tanto mal ser atrevido, Como foi gloria o mesmo atrevimento. Vivo, Senhora, só de contemplar-vos; E pois esta alma tenho tão rendida, Em lagrimas desfeito acabarei. Porque não me farão deixar de amar-vos Receios de perder por vós a vida; Que por vós vezes mil a perderei.
De frescas belvederes rodeadas
Estão as puras águas desta fonte; Formosas Nymphas lhes estão defronte, A vencer e a matar acostumadas.
Andão contra Cupido levantadas
As suas graças, que não ha quem conte: D'outro valle esquecidas, d'outro monte, A vida passão neste socegadas.
O seu poder juntou, sua valia
Amor, ja não soffrendo este desprezo, Sómente por se vêr dellas vingado;
Mas, vendo-as, entendeo que não podia De ser morto livrar-se, ou de ser prèzo, E ficou-se com ellas desarmado.
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