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XCVIII

Mas o tu geração daquelle insano,
Cujo peccado, e desobediencia

Não somente do reino soberano
Te pôz neste desterro, e triste ausencia;
Mas inda d'outro estado, mais que humano,
Da quieta, e da simples innocencia,

Idade' d'ouro, tanto te privou,

Que na de ferro, e d'armas te deitou:

XCIX

Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve phantasia:
Já que á bruta crueza, e feridade
Pozeste nome, esforço, e valentia:
Já que prézas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que deria
De ser sempre estimada; pois que já
Temeo tanto perde-la, quem a dá:

Não tens junto comtigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue elle do Arabio a lei maldita,
Se tu pela de Christão só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras, e riqueza mais desejas?
Não he elle por armas esforçado,
Se queres por victorias ser louvado?

CI

Deixas criar ás portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovôe o reino antigo,
Se enfraqueça, e se vá deitando a longe!
Buscas o incerto, e incognito perigo,
Porque a fama te exalte, e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga copia,
Da India, Persia, Arabia, e da Ethiopia!

CII

Oh maldito o primeiro, que no mundo
Nas ondas vela pôz em secco lenho!
Digno da eterna pena do Profundo,
Se he justa a justa lei, que sigo e tenho:
Nunca juizo algum alto e profundo,
Nem cithara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama, nem memoria;
Mas comtigo se acabe o nome, e a gloria!

CIII

Trouxe o filho de Jápeto do céo
O fogo, que ajuntou ao peito humano,
Fogo, que o mundo em armas accendeo,
Em mortes, em deshonras: (grande engano!)
Quanto melhor nos fora, Prometheo,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estatua illustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!

CIV

Não commettêra o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande architectôr, co'o filho, dando
Hum, nome ao mar, e o outro fama ao rio:
Nenhum commettimento alto, e nefando,
Por fogo, ferro, agua, calma, e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Misera sorte! Estranha condição!

EXCERPTOS DO CANTO V

Conta o Gama o principio da sua navegação desde a sahida do porto de Lisboa até o golfo de Guiné

Estas sentenças taes o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos
As azas ao sereno e socegado

Vento, e do porto amado nos partimos:
E, como he já no mar costume usado,
A vela desfraldando, o ceo ferimos,
Dizendo: Boa viagem: logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.

II

Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeo truculento,

E o mundo, que com tempo se consume,
Na sexta idade andava enfermo, e lento:
Nella vê, como tinha por costume,
Cursos do Sol quatorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.

III

Já a vista pouco e pouco se desterra
Daquelles patrios montes, que ficavam:
Ficava o charo Tejo, e
fresca serra

De Cintra, e nella os olhos se alongavam:
Ficava-nos tambem na amada terra
O coração, que as magoas lá deixavam:
E já, despois que toda se escondeo,
Não vimos mais em fim, que mar, e ceo.

IV

Assi fomos abrindo aquelles mares,
Que geração alguma não abrio,

As novas ilhas vendo, e os novos ares,
Que o generoso Henrique descobrio:
De Mauritania os montes, e lugares,
Terra, que Anthêo n'hum tempo possuio,
Deixando à mão esquerda; que à direita
Não ha certeza d'outra, mas suspeita.

Passamos a grande ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama,
Das que nós povoámos a primeira,
Mais celebre por nome, que por fama;
Mas nem, por ser do mundo a derradeira,
Se lhe avantajam, quantas Venus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cypro, Gnido, Paphos, e Cythera.

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