Mas o tu geração daquelle insano, Cujo peccado, e desobediencia
Não somente do reino soberano Te pôz neste desterro, e triste ausencia; Mas inda d'outro estado, mais que humano, Da quieta, e da simples innocencia,
Idade' d'ouro, tanto te privou,
Que na de ferro, e d'armas te deitou:
Já que nesta gostosa vaidade Tanto enlevas a leve phantasia: Já que á bruta crueza, e feridade Pozeste nome, esforço, e valentia: Já que prézas em tanta quantidade O desprezo da vida, que deria De ser sempre estimada; pois que já Temeo tanto perde-la, quem a dá:
Não tens junto comtigo o Ismaelita, Com quem sempre terás guerras sobejas? Não segue elle do Arabio a lei maldita, Se tu pela de Christão só pelejas? Não tem cidades mil, terra infinita, Se terras, e riqueza mais desejas? Não he elle por armas esforçado, Se queres por victorias ser louvado?
Deixas criar ás portas o inimigo, Por ires buscar outro de tão longe, Por quem se despovôe o reino antigo, Se enfraqueça, e se vá deitando a longe! Buscas o incerto, e incognito perigo, Porque a fama te exalte, e te lisonge, Chamando-te senhor, com larga copia, Da India, Persia, Arabia, e da Ethiopia!
Oh maldito o primeiro, que no mundo Nas ondas vela pôz em secco lenho! Digno da eterna pena do Profundo, Se he justa a justa lei, que sigo e tenho: Nunca juizo algum alto e profundo, Nem cithara sonora, ou vivo engenho, Te dê por isso fama, nem memoria; Mas comtigo se acabe o nome, e a gloria!
Trouxe o filho de Jápeto do céo O fogo, que ajuntou ao peito humano, Fogo, que o mundo em armas accendeo, Em mortes, em deshonras: (grande engano!) Quanto melhor nos fora, Prometheo, E quanto para o mundo menos dano, Que a tua estatua illustre não tivera Fogo de altos desejos, que a movera!
Não commettêra o moço miserando O carro alto do pai, nem o ar vazio O grande architectôr, co'o filho, dando Hum, nome ao mar, e o outro fama ao rio: Nenhum commettimento alto, e nefando, Por fogo, ferro, agua, calma, e frio, Deixa intentado a humana geração. Misera sorte! Estranha condição!
Conta o Gama o principio da sua navegação desde a sahida do porto de Lisboa até o golfo de Guiné
Estas sentenças taes o velho honrado Vociferando estava, quando abrimos As azas ao sereno e socegado
Vento, e do porto amado nos partimos: E, como he já no mar costume usado, A vela desfraldando, o ceo ferimos, Dizendo: Boa viagem: logo o vento Nos troncos fez o usado movimento.
Entrava neste tempo o eterno lume No animal Nemeo truculento,
E o mundo, que com tempo se consume, Na sexta idade andava enfermo, e lento: Nella vê, como tinha por costume, Cursos do Sol quatorze vezes cento, Com mais noventa e sete, em que corria, Quando no mar a armada se estendia.
Já a vista pouco e pouco se desterra Daquelles patrios montes, que ficavam: Ficava o charo Tejo, e fresca serra
De Cintra, e nella os olhos se alongavam: Ficava-nos tambem na amada terra O coração, que as magoas lá deixavam: E já, despois que toda se escondeo, Não vimos mais em fim, que mar, e ceo.
Assi fomos abrindo aquelles mares, Que geração alguma não abrio,
As novas ilhas vendo, e os novos ares, Que o generoso Henrique descobrio: De Mauritania os montes, e lugares, Terra, que Anthêo n'hum tempo possuio, Deixando à mão esquerda; que à direita Não ha certeza d'outra, mas suspeita.
Passamos a grande ilha da Madeira, Que do muito arvoredo assi se chama, Das que nós povoámos a primeira, Mais celebre por nome, que por fama; Mas nem, por ser do mundo a derradeira, Se lhe avantajam, quantas Venus ama; Antes, sendo esta sua, se esquecera De Cypro, Gnido, Paphos, e Cythera.
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