Divina Guarda, angelica, celeste, Que os ceos, o mar, e terra senhoreas, Tu, que a todo Israel refugio déste Por metade das aguas Erythreas: Tu, que livraste Paulo, e defendeste. Das syrtes arenosas, e ondas fêas, E guardaste co'os filhos o segundo Povoador do alagado e vacuo mundo:
Se tenho novos medos perigosos D'outro Scylla, e Charybdis já passados, Outras syrtes, e baixos arenosos, Outros Acroceraunios infamados: No fim de tantos casos trabalhosos Porque somos de ti desamparados, Se este nosso trabalho não te offende, Mas antes teu serviço só pretende?
Oh ditosos aquelles, que poderam Entre as agudas lanças Africanas Morrer, em quanto fortes sostiveram A sancta Fé nas terras Mauritanas: De quem feitos illustres se souberam, De quem ficam memorias soberanas, De quem se ganha a vida, com perde-la, Doce fazendo a morte as honras della!
Serenada a tempestade, o piloto Melindano que se achava a bordo da não almirante, declara avistar a terra de Calecut. O Gama, alvoroçado por tão fausta nova, ajoelhando dá graças a Deus
Já a manhãa clara dava nos outeiros, Por onde o Ganges murmurando soa, Quando da celsa gavea os marinheiros Enxergaram terra alta pela proa: Já fóra de tormenta, e dos primeiros. Mares, o temor vão do peito voa: Disse alegre o Piloto Melindano, «Terra he de Calecut,» se não me engano,
Esta he por certo a terra, que buscais, Da verdadeira India, que apparece; E, se do mundo mais não desejais, Vosso trabalho longo aqui fenece. Soffrer aqui não pode o Gama mais, De ledo em vêr, que a terra se conhece, Os giolhos no chão, as mãos ao ceo, A mercê grande a Deos agradeceo:
As graças a Deos dava, e razão tinha; Que não somente a terra lhe mostrava, Que com tanto temor buscando vinha, Por quem tanto trabalho exprimentava; Mas via-se livrado tão asinha
Da morte, que no mar lhe apparelhava O vento duro, férvido, e medonho, Como quem despertou de horrendo sonho.
Remata o poeta o sexto canto do seu poema fazendo excellentes reflexões moraes sobre a necessidade que tem de supportar com fortaleza quaesquer trabalhos, e de arrostar valerosamente os maiores perigos, aquelles que aspiram a immortalizar-se por gloriosas façanhas
Por meio destes horridos perigos,' Destes trabalhos graves, e temores, Alcançam os, que são de fama amigos, As honras immortaes, e gråos maiores: Não encostados sempre nos antigos Troncos nobres de seus antecessores, Não nos leitos dourados entre os finos Animaes de Moscovia zebellinos.
Não co'os manjares novos e exquisitos, Não co'os passeios molles e ociosos, Não co'os varios deleites e infinitos, Que afeminam os peitos generosos: Não co'os nunca vencidos appetitos, Que a fortuna tem sempre tão mimosos, Que não soffre a nenhum, que o passo mude Para alguma obra heroica de virtude:
Mas com buscar co'o seu forçoso braço As honras, que elle chame proprias suas, Vigiando, e vestindo o forjado aço, Soffrendo tempestades, e ondas cruas, Vencendo os torpes frios no regaço Do Sul, e regiões de abrigo nuas, Engolindo o corrupto mantimento, Temperado c'hum arduo soffrimento:
E com forçar o rosto, que se enfia, A parecer seguro, lêdo, inteiro
Para o pelouro ardente, que assovia, E leva a perna ou braço ao companheiro. Desta arte, o peito hum callo honroso cria, Desprezador das honras, e dinheiro, Das honras, e dinheiro, que a ventura Forjou, e não virtude justa, e dura.
Desta arte se esclarce o entendimento, Que experiencias fazem repousado; E fica vendo, como de alto assento, O baixo trato humano embaraçado: Este, onde tiver força o regimento Direito, e não de affeitos occupado, Subirá (como deve) a illustre mando, Contra vontade sua, e não rogando.
O poeta, depois de contar a chegada de Vasco da Gama a Calecut, e de ter deplorado as discordias e desregrada ambição dos varios potentados da Europa, tece hum magnifico elogio ao zelo religioso, e aos patrioticos commettimentos dos Portuguezes
Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes, Que o fraco poder vosso não pezais; Vós, que á custa de vossas varias mortes A Lei da vida eterna dilatais:
Assi do Ceo deitadas são as sortes, Qe vós, por muito poucos que sejais, Muito façais na sancta Christandade: Que tanto, ó Christo, exaltas a humildade!
Vede-los Alemães, soberbo gado, Que por tão largos campos se apascenta, Do successor de Pedro rebellado, Novo pastor, e nova seita inventa: Vede-lo em feas guerras occupado
(Que inda co'o cego error se não contenta!) Não contra o superbissimo Othomano,
Mas por sabir do jugo soberano.
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