Despois que a corporal necessidade Se satisfê do mantimento nobre, E na harmónica, e doce suavidade, Viram os altos feitos, que descobre: Tethys, de graça ornada, e gravidade; Para que com mais alta gloria dobre As festas deste alegre e claro dia, Para o felice Gama assi dizia:
Faz-te mercê, Barão, a Sapiencia Sprema, de co'os olhos corporais Vêres o, que não pode a vãa sciencia Dos errados, e miseros mortais! Sigue-me firme e forte, com prudencia, Por este monte espesso, tu, co’os mais, Assi lhe diz: e o guia por hum mato Arduo, difficil, duro a humano trato.
Não andam muito, que no erguido cume Se acharam, onde hum campo se esmaltava De esmeraldas, rubis taes, que presume. A vista, que divino chão pizava:
Aqui hum globo vêm no ar: que o lume Clarissimo por elle penetrava.
De modo, que o seu centro está evidente, Como a sua superficie claramente.
Qual a materia seja, não se enxerga, Mas enxerga-se bem, que está composto De varios orbes, que a divina verga Compoz, e hum centro a todos só tem posto: Volvendo, ora se abaixe, agora se erga, Nunca s'ergue, ou se abaixa, e hum mesmo rosto Por toda a parte tem, e em toda a parte Começa, e acaba em fim por divina arte:
Uniforme, perfeito, em si sostido, Qual em fim o Archetipo, que o creou. Vendo o Gama este globo, commovido De espanto e de desejo alli ficou.. Diz-lhe a deosa: O transumpto reduzido Em pequeno volume aqui te dou
Do mundo aos olhos teus; para que vejas, Por onde vás, e irás, e o que desejas.
Vês aqui a grande machina do mundo, Etherea, e elemental, que fabricada Assi foi do saber alto, e profundo. Que he sempre principio, e meta limitada. Quem cérca em derredor este rotundo Globo, e sua superficie tão limada,
He Deos: mas o que he Deos, ninguem o entende; Que a tanto o engenho humano não se estende.
Thetis, depois de dar ao Gama, á vista do globo exposto aos seus olhos, huma explicação conforme com o errado systema astronomico de Ptolomeu, então geralmente admittido, aponta-lhe differentes reinos, paizes e ilhas principalmente da Africa e da Asia
Neste centro, pousada dos humanos, Que não somente ousados se contentam De soffrerem da terra firme os danos, Mas inda o mar instabil exprimentam ; Verás as varias partes, que os insanos Mares dividem, onde se apcsentam Varias nações, que mandam varios Reis, Varios costumes seus, e varias leis.
Vês Europa christãa, mais alta e clara, Que as outras em policia e fortaleza: Vês Africa, dos bens do mundo avara, Inculta, e toda chea de bruteza, Co'o cabo, que atéqui se vos negara, Que assentou para o Austro a natureza: Olha essa terra toda, que se habita Dessa gente sem lei, quasi infinita.
Vê do Benomotápa o grande imperio, De selvatica gente, negra e nua, Onde Gonçalo morte e vituperio Padecerá pela Fé sancta sua: Nasce por este incognito hemispherio O metal, por que máis a gente sua: Vê que do lago, donde se derrama O Nilo, tambem vindo está Cuama:
Olha as casas dos negros, como estão Sem portas, confiados em seus ninhos, Na justiça Real, e defensão,
E na fidelidade dos visinhos: Olha, delles a bruta multidão,
Qual bando espesso e negro de estorninhos, Combaterá em Sofala a fortaleza,
Que defenderá Nhaia com destreza:
Olha lá as alagoas, donde o Nilo Nasce, que não souberam os antigos: Ve-lo rega, gerando o crocodilo, Os povos Abassís, de Christo amigos: Olha como sem muros (novo estilo) Se defendem melhor dos inimigos: Vê Méroe, que ilha foi de antigua fama, Que ora dos naturaes Nobá se chama:
Nesta remota terra, bum filho teu Nas armas contra os Turcos será claro, Ha de ser Dom Christovam o nome seu; Mas contra o fim fatal não ha reparo: Vê cá a costa do mar, onde te deu Melinde hospicio gazalhoso, e charo; O Rapto rio nota, que o romance, Da terra chama Obi, entra em Quilmance.
O cabo vê já Aromata chamado, E agora Guardafú, dos moradores, Onde começa a boca do afamado Mr Roxo, que do fondo toma as côres: Este como limite está lançado,
Que divide Asia de Africa: e as melhores Povoações, que a parte Africa tem, Maçuá são, Arquico, e Suanquem.
Vês o extremo Suéz, que antiguamente, Dizem, que foi dos Héroas a cidade, Outras dizem que Arsinoe, e ao presente Tem das frotas do Egypto a potestade: Olha as aguas, nas quaes abrio patente Estrada o gião Moysės na antigua idade: Asia começa aqui, que se apresenta Em terras grande, em reiuos opulenta.
Olha o monte Sinai, que se ennobrece Co'o sepulchro de Sancta Catharina: Olha Toro, e Gidá, que lhe fallece Agua das fontes doce, e crystallina: Olha as portas do estreito, que fenece No reino da secca Ádem, que confina Com a serra de Arzira, pedra viva, Oude chuva dos ceos se uão deriva.
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