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Fernando, em 1370, até Simão Vaz de Camões, casado com D Anna de Macedo! Um homem tão illustre, entroncado com as mais nobres familias, chegaria a tanta miseria como a com que morreu, e não teria uma casa, nem uma renda, uma fazenda em Alemquer, ou em Santarem? Seus Pais nada teriam, que lhe deixar, sendo filho unico? O assento que se achou na Casa da India com a conta dos 28000 réis, que lhe deram para embarcar como soldado plebeo, e um dos alistados por aquelle insignificante estipendio, talvez prove a minha lembrança. » O que isto prova é a inexactidão, e a má fé com que José Agostinho escrevia sempre a respeito de Camões. Deste aranzel, parece deduzir-se que Manoel de Faria e Sousa foi quem teceu a geneologia de Luiz de Camões, o que é um erro, porque essa geneologia se encontra já em Manoel Severim de Faria, que publicou os seus Discursos em 1629, e dahi a tirou Manoel de Faria, que só em 1639 deu á luz os Commentarios sobre os Lusiadas.

Além disso Manoel Corrêa, contemporaneo, e amigo do Poeta, affirma mui positivamente nos seus Commentos aos Lusiadas, que elle era nobre, e ninguem dirá, que elle não tinha todas as razões para o saber.

Si não era rico, tambem não era um miseravel, como José Agostinho pertende malignamente insinuar, pois que seus Pais poderam dar-lhe um curso regular de estudos na Universidade; e elle mesmo, na sua resposta a Ruy Dias da Camara affirma, que houve tempo, em que tinha todo o necessario para viver.

Quem disse a José Agostinho, que Luiz de Camões não herdára nada de seus Pais? Que essa herança não sería grande é muito de suppôr, visto que Simão Vaz de Camões não passára de um filho segundo, e de um ramo collateral da casa, e morgado; mas é crivel, que alguma cousa deixasse, e mais probavel ainda, que o filho, que tinha genio prodigo, alienasse, ou vendesse os poucos bens, de que havia ficado herdeiro; mas que prova isso contra a nobreza da sua ascendencia?

Os assentos da Casa da India, que elle arrastra para provar a sua these, provam o contrario do que elle pertende, pois ali se lhe dá a qualificação de Escudeiro, o que mostra, que não era plebeo.

Mas a este respeito deve notar-se aqui a má fé com que José Agostinho diz, que receberà de gratificação 28000 réis, em logar de 2$400 réis, como se lê em ambos os assentos, para com esta differença menoscabar ainda mais a Camões. Nem aquella quantia era insignificante, como elle diz, attento o valor do dinheiro, e o preço dos generos naquelle tempo.

E onde foi elle achar, que só os plebeos recebiam aquella gratificação, ajuda de custo, soldo, ou como lhe queiram chamar? Talvez que si fosse obrigado a apresentar as provas da sua assersão, se visse na impossibilidade de produzi-las.

Não vêjo por tanto razão para rejeitar a genealogia, que os dous Farias nos apresentam como de Luiz de Camões, e que todos tem atégora adoptado; parece-me finalmente, que a fidalguia de Luiz de Camões é um facto, de que não póde duvidar-se á vista do Alvará d'ElRei D. Sebastião, acima citado, porque lhe foi concedida a tença, e que começa assim. «Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará virem, que havendo respeito ao serviço, que Luiz de Camões, Cavalleiro Fidalgo da minha Casa me tem feito nas partes da India por muitos annos, e aos que espero que ao diante me fará. &c. »

E claro, que a qualificação de Cavalleiro Fidalgo se não daria naquelle tempo em documento official a quem não competisse de direito.

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ENSAIO

BIOGRAPHICO-CRITICO.

LIVRO V.

CONTINUAÇÃO DA ESCHOLA ITALIANA.

CAPITULO I.

Rhythmas de Luis de Camões.

Ainda que Luiz de Camões se não houvesse com os

seus Lusiadas collocado na plana dos Epicos de primeira ordem, bastariam as suas composições lyricas para o reconhecermos como o primeiro, e o mais sublime dos nossos Poetas do seculo de ouro da nossa literatura.

Camões enriqueceu, e poliu a lingua, alfaiando-a com muitas palavras, e fórmas de dizer novas; discriminou o dialecto poetico do prosaico até ali confundidos nos escriptos dos seus contemporaneos, e antecessores, elevou a versificação a um grau de apuro tal, que póde sem escrupulo affirmar-se, que foi elle o primeiro que entre nós fez versos, que podem dizer-se perfeitos, foi o primeiro, que conheceu a harmonia imitativa, e soube usar della a proposito; que soube unir a facilidade com a elegancia, a graça com a força, e dar a cada assumpto o estylo particular, que lhe convinha.

Cultivou com esmero a Poesia Italiana, introduzida em Portugal por Miranda, e Ferreira, sem despresar como o ultimo, a antiga Poesia Nacional, que levou ao grau de perfeição, de que era susceptivel, como póde vêr-se nos escriptos, não poucos, que neste genero nos deixou.

Outro merito peculiar deste Poeta, é que a sua linguagem não tem ainda envelhecido; muitas palavras, e phra

ses de Poetas seus contemporaneos, e mesmo do seculo seguinte tem-se tornado baixas, obsoletas, e tem desapparecido do uso, e dos livros, ao passo que será mui difficil deparar nas Obras de Camões vocabulo, ou phrase, ou modo de dizer, que não possa inda hoje ter logar na mais elegante, e pollida escriptura, e esta circumstancia por si só prova, que ninguem como elle soube manejar o idyoma Lusitano, conhecer a sua indole, e os ornatos, que melhor lhe convinham.

Luiz de Camões, que conhecia perfeitamente os Poetas da antiguidade, não deixava por isso de estudar os Poetas Italianos, e com especialidade Francisco Petrarcha, a cuja eschola pertenceu, e a quem procurava imitar, e é sem dúvida a esta imitação, que se deve o estylo ameneisado, as anthiteses, conceitos, e pensamentos rebuscados, que algumas vezes se encontram nos seus escriptos; mas quando solta as cadeias da imitação, quando vôa co'as proprias azas, e se abandona ao impulso do seu genio, então os seus vôos sam mais arrojados, as suas tintas mais vivas, e se mostra Poeta mui superior ao seu modelo, e a todos os discipulos da sua eschola; então os seus Poemas respiram uma força prodigiosa, e a Philosophia inspira, e illumina as suas consepções. Vê-se que o Poeta havia corrido o Mundo, emprehendido grandes cousas; pôsto toda a diligencia em alcançar a fortuna, sem que podesse consegui-lo, que havia luctado com todas as calamidades da vida, e que á borda da sepultura se descartava das illusões, que tanto o haviam encantado.

Entre os seus Sonetos ha muitos, que podem passar por obras primas no genero, bem pensados, bem deduzidos, e sobre tudo bem fechados, no que levam vantagem aos de Petrarcha, cujos tercetos, pela maior parte, não correspondem á belleza dos quartetos, como confessa o erudito Poeta Saverio Bettinelli a quem ninguem de certo disputará a competencia em materias de Poesia, e bom gosto.

Alguns dos Sonetos de Camões respiram a mais profunda melancholia, e mostram que a sua alma começava a vergar com o pezo do infortunio.

SONETO.

Que me quereis, perpetuas saudades ?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo, que se vai, não torna mais,
E, si tornar, não tornam as idades.

Razão he já, oh Annos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros, que passais,
Nem todos para hum gosto sam iguais,
Nem sempre sam conformes ás vontades.

Aquillo, a que já quiz, he tão mudado,
Que quasi he outra cousa, porque os dias
Tem o primeiro gosto já damnado.

Esperanças de novas alegrias

Não me deixa a Fortuna, o Tempo errado,
Que do contentamento sam espias.

O seguinte Soneto parece um grito de desesperação solto contra a desventura, que se enviperava em persegui-lo.

SONETO.

Que poderei do Mundo já querer?

Que naquillo, em que puz tamanho Amor,
Não vi si não desgosto, e desamor,

E morte emfim, que mais não pode ser.

Pois vida me não farto de viver,
Pois já sei que não mata grande dôr,
Si cousa ha que magôa de maior,
Eu a verei, que tudo posso vêr.

A Morte a meu pesar me assegurou
De quanto mal me vinha, já perdi
O que perder o medo me ensinou.

Na vida desamor sómente vi,

Na morte a grande dôr que me ficou,
Parece que para isto só nasci.

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