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16 dias chegou á vista de uns ilheos chãos; e aos 10 dias de janeiro de 1498, viram andar ao longo da praia muitos homens e mulheres grandes de corpo, e de côr baça. D'esta terra partiu a armada aos 15 dias de janeiro; e aos 25 días chegou á bocca d' um rio grande onde ancorou.

Logo pela manhã viram vir pelo rio abaixo algumas almadias a remo com gente da mesma calidade, que os que atraz tinham visto. Estes homens, em chegando ás naus sem nenhum mèdo, nem receio, subiram pela enxarcia tam seguros como se tiveram conhecimento com os nossos; que vendo a limpeza d'elles, os deixaram entrar nas naus, onde foram bem festejados, tudo per acenos e signaes: por quanto Martin Afonso, nem os outros linguas os poderam intender.

Entre algumas pessoas de calidade, que vieram ver o Gama, veio tambem um mancebo, de quem, per acenos, com algumas palavras que fallava do arabigo, poderam os nossos intender que da terra onde elle era, vinham naus tammanhas como as nossas, e que não era muito longe d'alli. A qual nova foi de grande contentamento a todos; e por isso poz Vasco da Gama nome a este rio dos bons signaes. Ahi mandou dar pendor ás naus, e lhe adoeceram muitos dos nossos de diversas doenças, por a terra ser alagadiça, baixa, e lançar de si vapores grossos e maus.

Despois que as naus foram prestes, partiram d' aquelle logar aos 24 dias de fevereiro; e, ao primeiro de março, surgiram em Moçambique.

O Xeque ou capitão d'esse logar, per nome Çacoeia, mandou um presente de refresco a Vasco da Gama; e este mandoulhe em retorno alguns vestidos, e outras cousas. Cacoeia foi ver Vasco da Gama á nau, acompanhado de muitas almadias, e gente bem adornada com arcos, frechas, e outras armas que usam. Vasco da Gama o veio receber a bordo, e aos que com elle vinham, mandou dar vinho e fruita. N'esta merenda, entre outras practicas, que tiveram, perguntou Çacoeia a Vasco da Gama «se eram Turcos, se Mouros, e d'onde vinham; se traziam livros de sua lei, que lh'os mostrassem, e assi as armas que se mais usavam em sua terra » : ao que lhe respondeu, «que os livros de sua lei lhe mostraria despois; que, quanto ás ar

mas, eram aquellas com que os seus estavam armados. » Isto dito, pediu a Çacoeia pilotos pera o levarem á India; os quaes elle lhe prometteu, e lhe mandou dous. Sabendo porém os Mouros que os nossos eram christãos, cobraram-lhe tal odio, que resolveram matal-os, e tomarem-lhes as naus; o que um dos pilotos descobriu a Vasco da Gama : polo que se fez logo á vela, e chegou a Mombaça; mas como o rei d'esta cidade lhe quiz armar traição, velejou pera a cidade de Melinde, diante da qual surgiu dia de Pascoa de Resurreição.

El-rei de Melinde era muito velho e doente; e, postoque desejasse de ir ver as naus, a má disposição lh'o estorvava: com tudo, seu filho mais velho, herdeiro do reino, que ja regia por elle, as veio ver no mesmo dia, despois de jantar, em uma almadia grande, acompanhado de gente nobre muito bem ataviada. Vasco da Gama, como soube da vinda do principe, mandou toldar e embandeirar o batel; e com doze homens dos mais vistosos, o veio receber antes que chegasse ás naus. O principe como vinha desejoso de ver os nossos de perto, em chegando ao batel, se lançou dentro, e foi logo abraçar Vasco da Gama sem pejo, nem ceremonias, perguntando-lhe, despois que se assentou, muitas cousas como homem prudente; no que despenderam um bom pedaço de tempo. Este principe pediu a Vasco da Gama que quizesse ir ver seu pae que, por ser muito velho e entrevado, não podia fazer o mesmo: e que, pera segurança d'isso, elle se iria com seu filho pera as naus; do que se Vasco da Gama excusou, dizendo « que não trazia licença pera o fazer. »

Todo o tempo que alli esteve a armada, mandou o principe visitar a Vasco da Gama, e os outros capitães com refresco da terra: além do que, lhe deu um bom piloto Mouro Guzarate, per nome Malemocanaqua; e com o muito desejo que tinha de nossa amizade, tomou a fé a Vasco da Gama, que tornasse per alli; porque em sua companhia queria mandar um embaixador a el-rei de Portugal, pera com elle assentar paz, e amizade; com a qual, e muito amor dos da terra, partiram os nossos d'aquella cidade de Melinde uma terça feira 24 dias d'abril; e seguindo sua viajem pelo golpham que se faz da costa de Melinde athé a de Malabar, a uma sexta-feira 17 dias de

maio, viram uma terra alta, a qual o piloto Malemocanaqua não poude bem conhecer, por o tempo andar encoberto com chuveiros; mas ao domingo seguinte pela manhã viu umas serras, que estão juncto da cidade de Calecut; de que logo pediu alviçaras a Vasco da Gama, que lh'as deu boas, e de boa vontade : e no mesmo dia foram surgir duas leguas da cidade de Calecut; d'onde despois alguns barcos os levaram ao surgidouro d'essa mesma cidade.

Um degradado, que Vasco da Gama mandou desembarcar, encontrou casualmente na cidade um Mouro, natural de Tunez, chamado Monçaide, com o qual voltou a bordo. Vasco da Gama, despois de abraçal-o, tomou d'elle largos informes acerca de Calecut, e do seu rei. Despois do que, mandou pedir ao mesmo rei uma audiencia, a qual este lhe concedeu.

Vasco da Gama deixou as naus encommendadas a seu irmão Paulo da Gama, e a Nicolau Coelho, dizendo-lhes « que se algum desastre lhe acontecesse em Calecut, e sentissem que podiam correr risco em esperar por elle, que se fizessem á véla, e tomassem outro porto do Malabar, pera ahi comprarem algumas especiarias, com que, e com as novas do que tinham descoberto, se tornassem ao reino; que elle não podia al fazer senão em pessoa ir ver el-rei de Calecut, e dar-lhe as cartas que trazia del-rei seu senhor; que era o remate do caminho, que tinham feito. >> E, por as naus não ficarem desprovidas de gente, não quiz levar comsigo mais que doze homens.

Na mesma hora que Vasco da Gama desembarcou, o fez o Catual tomar em um andor. D'este modo começaram a caminhar, Vasco da Gama no seu andor, e o Catual em outro; indo os Naires, e os nossos a pe ao redor dos andores, espantados de verem homens de tam longe, e de trajo tam desacostumado em todas aquellas provincias.

Assim chegou Vasco da Gama aos paços do Samorim; o qual o recebeu n' uma sala magnifica. Em Vasco da Gama entrando fez a reverencia requerida em tal logar; e o mesmo fizeram os outros Portuguezes: el-rei lhe acenou que se chegasse pera o catel em que elle estava, e o mandou assentar em um dos degraus do estrado em que tinha o catel, e aos outros mandou que fizessem o mesmo nos assentos que estavam ao redor da

casa e a todos mandou dar agua ás mãos pera as refrescarem : lavadas as mãos, lhes mandou trazer agua, e figos, com outras fruitas da terra, de que todos comeram e beberam. Acabada a merenda, começou el-rei de fallar com Vasco da Gama, pelo seu lingua tam alto que o ouviam todos os que estavam na casa; e nas perguntas que lhe fez, vendo Vasco da Gama que começava d'entrar em negocios, alêm do que lhe ja perguntara, de seu caminho e trabalhos da longa viajem, disse per Fernan' Martins seu lingua, ao lingua del-rei, «que entre os reis christãos se não acostumava tomarem uns dos outros embaixadas senão em particular; e que aquelle costume lhe pedia que quizesse ter n'aquella que lhe trazia del-rei de Portugal seu senhor, tam desejoso de sua amizade, assi elle, como seus antecessores, que havia mais de sessenta annos que trabalhavam no descobrimento d'esta navegação; athé que Deus lhe fizera a elle mercê de vir ao cabo d'ella: do que se tinha polo mais bemaventurado homem de todo o mundo. »

El-rei tomou bem o que lhe Vasco da Gama fez dizer; e logo mandou que elle e Fernan' Martins, se fossem pera outra camara, que estava juncto d'aquella, seguindo logo traz elles. Na camara havia um catel muito mais rico que o de fóra, em que se el-rei lançou; e sem haver n' ella mais gente que o Bramane-mor, e o que dava o betel a el-rei, e um seu veador-da-fazenda, fez dizer pelo seu lingua a Vasco da Gama, «que estava em logar em que livremente podia dar sua embaixada ; que em tudo se lhe manteria bom segredo, polos que estavam presentes serem do seu conselho secreto, e pessoas de que elle confiava todos seus negocios e fazenda.» Vasco da Gama, pelo seu lingua Fernan' Martins, propoz o a que vinha, e de quam longe, e per mandado de quem; e que o fim de sua embaixada era querer el-rei D. Manuel de Portugal, seu senhor, amizade com um tam poderoso e tam nomeado rei como elle era per todas as partes do mundo; e que pera signal d'isso lhe trazia cartas suas de crença, que lhe apresentaria quando o houvesse por bem.

El-rei folgou muito com o que lhe disse Vasco da Gama, offerecendo-se a tudo o que lhe de seu reino cumprisse por serviço d'el-rei de Portugal, a quem elle d'alli per diante queria

ter por irmão: porque não poderia ser amizade fingida a que tanto tempo havia que buscava, e com tantos trabalhos e perigos de seus vassallos e sujeitos, como elle dizia.

Passados tres dias, voltou o Gama (guiado do Catual) á presença d'el-rei. Entregou-lhe as cartas, e um presente, do qual o Samorim mostrou fazer pouco caso. O Gama disse-lhe : « que não estranhasse ser aquella dadiva mui desproporcionada á magestade d'um tal monarcha; porque o motivo de ser tam limitada manava da incerteza, que el-rei D. Manuel tinha do exito feliz d'aquella sua viajem; mas, se esperava mor utilidade, considerasse quanta podia resultar ao seu reino, se a elle viessem de Portugal cada anno muitas naus carregadas de preciosas mercadorias. Per ultimo rogou-lhe não communicasse o segredo das cartas de seu rei com os Mouros, que habitavam em Calecut. Ja n'esse tempo tinha sabido de Monçaide que os taes Mouros maquinavam sua destruição.

Em tanto faziam elles entre si frequentes congressos, em ordem à divertir os nossos navegantes da graça do rei. Corrompiam a este fim com dadivas os familiares do mesmo rei. Publicava que o Gama era um pirata, que em todas as partes d'aquellas regiões onde fôra recebido com pretexto de hospitalidade, deixara vestigios de latrocinios. Que se este pequeno fogo no principio não fosse extincto, poderia despois fazer grandissimo damno a todo aquelle reino.

Fomentavam estas diligencias contra os Portuguezes, não so por causa do odio, que professam ao nome christão; mas porque temiam, que da vinda d'estes aquellas partes, resultasse o seu exterminio; ou, quando inenos, um notavel prejuizo ao seu commercio. El-rei, que d'elle tirava grandes interesses, e era de genio vario e mudavel, tendo noticia das taes maquinações, vacillava na sua resolução. Receiava incorrer na nota de perfidia, se lhe entregava em prisão os nossos; e, se os deixava ir livremente, temia alienar da sua graça os mesmos Mouros. Um d'elles, reputado mais eloquente, fez uma larga oração dos inconvenientes, que podia ter em fiar-se das palavras do Gama. Este, informado de taes operações, e de que n'ellas tinha parte o Catual, resolveu-se a sair de casa um dia de madrugada, e ir em direitura a Pandarane. Presentiram os Mouros esta ausen

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