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cia, e foram logo pedir a el-rei que désse ordem a impedir a fuga. Elle, por condescender, commetteu a diligencia ao Catual. Partiu este pera tal effeito a Pandarane, e conduziu outra vez o Gama á sua casa, onde, com mor cautela, o tinha como preso; se bem dissimulava ser um modo de obsequio.

N'este tempo rogava-lhe que mandasse aos Portuguezes da sua guarda se retirassem ás naus, e que estas chegassem mais juncto á terra, e d'ellas lhe entregasse as vélas, e todo o mais apparelho; porque d'esta maneira deixaria livre ao rei de toda a suspeita, que tinha concebido, de que não arribara áquelle porto com o pretexto que publicava. Não consentiu Vasco da Gama em tal proposta. E, per ultimo, concordaram ambos, que mandaria vir a terra a fazenda que trazia, com algumas pessoas que assistissem á sua venda. Isto assim ordenado, foi posto o Gama em liberdade, e retirou-se ás naus.

Mandou logo dous feitores a Calecut com as mercadorias; porém os Mouros impediam sua venda; e, per negociado dos mesmos, passado algum tempo, mandou o Samorim prender os taes feitores, e pôr em custodia a fazenda. Requereu o Gama que lh'a mandasse restituir, e soltar os dous Portuguezes; mas não se differiu a esta supplica.

Em tanto Monçaide, que tinha passo livre pera ir fallar ao Gama, lhe revelou que o intento dos Mouros era esperar chegassem áquelle porto as naus de Meca, que costumavam vir a Calecut cada anno, pera que estas (sendo superiores em número e forças ás nossas) as surprendessem.

O Gama, movido de tal noticia, não tendo outro obstaculo pera partir, que recuperar a fazenda, e os dous feitores, usou pera este effeito de um estratagema; e foi, que mandou levar ancora, e por as naus um pouco ao largo, a tempo que n'ellas se achavam certos mercantes ricos de Calecut, a fim de que, presumindo as mulheres, e filhos dos taes Mouros, que fazia represalia nos mesmos á sua instancia, mandasse el-rei pôr em liberdade os feitores com a fazenda; como succedeu. E enviando-os ás naus per alguns dos seus domesticos Malabares, foram n'ellas retidos alguns d'elles, que vieram ao reino; e os outros com os mercantes deixados ir livremente. Monçaide se offereceu pera vir em companhia dos nossos; o que poz em

execução; e chegando ao reino, se bautizou, e acabou seus dias de bom catholico.

Saiu a armada de Calecut no começo de outubro; e antes de tomar terra em umas pequenas ilhas, que estão contiguas, foi acommettida de vinte navios; sete dos quaes poz em fugida, e um tomou. Era essa frota de um famoso pirata chamado Timoja; o qual tinha posto em terror todos aquelles mares. D'alli passou a Anquidiva, que é uma ilha distante duas leguas d'aquelle continente, onde fez provisão de agua, e mantimento.

Partiu de Anquidiva em cinco de outubro em direitura a Melinde, em cuja viajem gastou quatro mezes; pois em dous de fevereiro avistou a primeira terra, que foi a de Magadaxo, na costa de Ethiopia, 115 leguas abaixo de Melinde : onde tendo o Gama noticia que a tal terra era possuída de Mouros, mandou disparar a artilheria contra os muros, os quaes em boa parte ficaram demolidos. Chegou a Melinde em 7 do mesmo mez; porêm n'esse porto não se dilatou mais que cinco dias, em os quaes, porque a nau de Paulo da Gama fazia muita agua, seu irmão a mandou queimar, e dividiu a gente pelas outras duas, passando á sua o dito Paulo da Gama.

Saindo de Melinde, em 18 do mencionado mez, aos 28 se achou diante da ilha de Zanzibar, a qual jaz cinco leguas desapegada da terra firme da Ethiopia. O governador d' essa ilha, bem que Mouro, tractou humanamente ao Gama.

D'ahi partiu no primeiro de março; e ainda que tomou terra na ilha de San' Jorge, uma das de Moçambique, passou sem fallar ao Xeque, e chegou á aguada de San' Braz, onde se proveu de agua, e lenha.

Aos 20 do dito mez dobrou o cabo de Boa-Esperança com bom tempo; mas despois sobreveio um temporal, que obrigou a separar-se uma nau da outra. A de Nicolau Coelho chegou a Cascaes em direitura em 10 de julho de 1499; e d'elle soube el-rei as primeiras noticias d'esta viajem: a de Vasco da Gama foi abordar á ilha de Sanct' Iago, em 25 de abril. D'aqui, porque seu irmão Paulo da Gama vinha muito enfermo, e a sua nau fazia demasiada agua, foi-lhe forçoso demandar a ilha Terceira, onde se dilatou alguns dias pera assistir a seu irmão, que ahi falleceu. E embarcando em uma caravela,

chegou a Lisboa a 50 de agosto do mesmo anno; havendo ja dous, e outros tantos mezes, que tinha saído d'aquelle porto com 148 homens, dos quaes chegaram vivos ao reino cincoenta e cinco somente. El-rei D. Manuel deu a Vasco da Gama o titulo de Dom pera elle, e seus descendentes; e despois o fez Almirante da India, e conde da Vidigueira de juro. A Nicolau Coelho fez fidalgo da sua casa; e a cadaum dos mais fez varias mercês segundo a calidade de seu serviço, e pessoa.

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OS LUSIADAS.

CANTO PRIMEIRO.

I.

As armas, e os Barões assinalados,
Que da occidental praia lusitana,
Per mares nunca d'antes navegados,
Passaram inda alem da Taprobana,
Em perigos, e guerras esforçados,
Mais do que promettia a força humana;
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram :

II.

E tambem as memorias gloriosas
D'aquelles rêis, que foram dilatando
A fe, o imperio; e as terras viciosas
De Africa, e de Asia andaram devastando:
E aquelles, que per obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei per toda parte,
Se a tanto me ajudar o ingenho, e arte.

III.

Cessem do sabio Grego, e do Troiano
As navegações grandes, que fizeram ;
Cale-se d' Alexandro, e de Trajano
A fama das victorias, que tiveram :
Que eu canto o peito illustre lusitano,
A quem Neptuno, e Marte obedeceram :
Cesse tudo o que a Musa antigua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

IV.

E vós, Tagides minhas, pois creado
Tendes em mi um novo ingenho ardente;
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente;
Dai-me agora um som alto e sublimado;
Um estylo grandiloquo e corrente;
Porque de vossas aguas Phebo ordene
Que não tenham inveja ás de Hippocrene.

V.

Dai-me uma furia grande e sonorosa,
E não de agreste avena, ou frauta ruda;
Mas de tuba canora e bellicosa,

Que o peito accende, e a côr ao gesto muda :
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, a que Marte tanto ajuda;
Que se espalhe, e se cante no universo;
Se tam sublime preço cabe em verso!

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