regipe, dos Tupinambás que vivem por aquellas partes; e por outra parte os vem saltear os Tupinaês, que vivem da banda do poente: e vigiam se ordinariamente de uns e dos outros; e está povoado d'este gentio por esta banda cincoenta ou sessenta leguas de terra; entre os quaes ha uma serra, onde ha muito salitre e pedras verdes, de que elles fazem as que trazem metidas nos beiços por bizarría. CAPITULO CLXXXV. Em que se declara o sitio em que vivem outros Tapuias, e de parte de seus costumes. Pelo sertão da mesma Bahia, para a banda do poente oitenta leguas do mar, pouco mais ou menos, estão umas serras que se estendem por uma banda e para a outra, e para o sertão mais de duzentas leguas, tudo povoado de Tapuias contrarios d'estes de que até agora tratamos que se dizem os Maracás, mas todos fallam, cantam e bailam de uma mesma feição, e tem os mesmos costumes no proceder da sua vida e gentilidades, com muito pouca differença. Estes Tapuias tem guerra por uma banda com os Tupinaês, que lhe ficam a um lado muito visinhos, e por outra parte a tem com os Amoipiras, que lhe ficam em fronteira da outra banda do rio de S. Francisco, e matam-se uns aos outros cruelmente, dos quaes se vigiam de continuo, contra quem pelejam com arcos e flexas, o que sabem tão bem manejar como todo o gentio do Brazil. São estes Tapuias grandes homens de fazer guerra a seus contrarios, e são mais esforçados que conquistadores, e mais fieis que os Tupinaes. Vivem estes Tapuias em suas aldeas em casas bem tapadas pelas paredes, e armados de páo a pique a seu modo, muito fortes, por amor dos contrarios os não entrarem e tomarem de subito, em as quaes dormem em redes, como os Tupinambás, com fogo á ilharga, como faz todo o gentio d'esta comarca. Não costuma este gentio plantar mandioca, nem fazer lavouras senão de milhos e outros legumes; porque não tem ferramentas com que roçar o mato e cavar a terra, e por falta d'ella quebram o mato pequeno ás mãos, e ás arvores grandes põem fogo ao pé d'onde está lavrando até que as derruba, e cavam a terra com paos agudos, para plantarem suas sementeiras, e o mais do tempo se mantem com frutas silvestres e com caça, a que são inuito afeiçoados. Costume d'este gentio Tapuia é trazerem os machos os cabellos da cabeça tão compridos que lhe dão pela cinta, e ás vezes os trazem entrançados où ennastrados com fitas de fio de algodão, que são como passamanes, mas muito largas; e as femeas andam tosquiadas, e trazem cingidas. de redor de si umas franjas de fio de algodão, que tem os cadilhos tão compridos que bastam para lhe cobrirem suas vergonhas, o que não trazem nenhumas mulheres do gentio d'estas partes. CAPITULO CLXXXVI. Em que se declaram alguns costumes dos Tapuias Estes Tapuias que vivem n'esta comarca são muito musicos, e cantam pela maneira dos primeiros; trazem os beiços debaixo furados, e n'elles umas pedras verdes roliças è compridas, que lavram de vagar, roçando-as com outras pedras tanto até que as aperfeiçoam á sua vontade. Não pescam estes indios nos rios á linha, porque não tem anzóes; mas para matarem peixe, colhem uns ramos de umas hervas como vides, mas mui compridos e brandos, e tecem-nos como rede, os quaes deitam no rio, e tapam-no de uma parte á outra; e uns tem mão n'esta rede e outros batem a agua em cima, d'onde o peixe foge e vem-se decendo até dar n'ella, onde se ajunta; e tomam ás mãos o pequeno peixe, e o grande matam ás flexadas sem errarem um. Costumam estes Tapuias, para fazerem sal, queimarem uma serra de salitre, que está entre elles, d'onde tomam aquella cinza; e a terra queimada, lançam-na n'agua do rio em vasilhas, a qual fica logo salgada, e poem-na ao fogo onde a cozem e ferve tanto até que se coalha, e fica feito o sal em um pão; e com este sal temperam seus manjares; mas o salitre torna logo a crescer na serra para cima, mas não é tão alvo como o que não foi queimado. Entre estes Tapuias ha outros mais chegados ao rio de S. Francisco, que estão com elles desavindos, que são mais agrestes não vivem em casas, e fazem sua vivenda em furnas onde se recolhem; e tem uma d'estas serras mui as pera onde fazem sua habitação, os quaes tem os mesmos Costumes que os de cima. Corre esta corda dos Tapuias toda esta terra do Brazil pelas cabeceiras do outro gentio, e ha entre elles differentes castas, com mui differentes costumes, e são contrarios uns dos outros; entre os quaes ha grandes discordias, por onde se fazem guerra muitas vezes e se matam sem nenhuma piedade. D'aqui por diante se declara o grande commodo que a Bahia tem para se fortificar, e os metaes que se n'ella dão. Não parece desproposito arrumar á sombra do que está dito da Bahia de Todes os Santos, os grandes apparelhos e commodos que tem para se fortificar, como convém ao serviço de El-Rei Nosso Senhor e ao bem da terra, para se poder resistir a quem a quizer offender; o que começamos a declarar pelo capitulo que se segue. CAPITULO CLXXXVII. Em que se declara a pedra que tem a Bahia para se poder fortificar. A primeira cousa que convém para se fortificar a Bahia. é que tem pedra de alvenaria e cantaria, de que ha em todo o seu circuito muita commodidade, e grande quantidade para se poder fazer grandes muros, fortalezas e outros edificios; porque de redor da cidade ha muita pedra preta, assim ao longo do mar, como pela terra, a qual é de pedreiras boas de quebrar, com a qual se fazem paredes mui bem liadas; e pelos limites d'esta cidade ha muita pedra molar, como a de alvenaria de Lisboa, com que se faz boa obra: e ao longo do mar, meia legua da cidade, e em muitos lugares mais afastados, ha muitas lagoas de pedra molle como tufo, de que se fazem cunhaes em obra de alvenaria, com os quaes se liam os edificios que se na terra fazem, e se affeiçoam os cunhaes d'estas lages com pouco trabalho, por estarem cortados pela natureza conforme o para que são necessarios. Quando se edificou a cidade do Salvador, se aproveitaram os edificadores e povoadores d'ella de uma pedra cinzenta toa de lavrar, que iam buscar por mar ao porto de Itapibanga, que está sete leguas da cidade na mesma Bahia, da qual fizeram as columnas da Sé, portaes e cunhaes e outras obras de meio relevo, e muitas campas e outras obras proveitosas; mas depois se descobriu 'outra pedreira melhor, que se arranca dos arrecifes que se cobrem com a preiamar da maré dé aguas vivas ao longo do mar, a qual pedra é alva e dura, que o tempo nunca gasta, mas trabalhosa de lavrar que gasta as ferramentas muito; de que se fazem obras mui primas e formosas, e campas de sepulturas mui grandes; e parece a quem isto tem attentado que esta pedra se fez da area congelada; porque ao longo dos mesmos arrecifes, bem chegado a elles, é tudo rochedo de pedra preta, e est'outra é muito branca, depois de lavrada; mas não é muito macia, a qual quando a lavram faz sempre uma grã areenta, e acham-se muitas vezes no amago d'estas pedras cascas de ostras e de outro marisco, e uns seixinhos de area; pelo que se tem que esta pedra se formou de area e que se congelou com a frialdade da agua do mar, o que é facil de crêr; porque se acham por estas praias limos enfarinhados de area, que está congelada e dura como pedra, e alguns påos de ramos de arvores tambem cobertos d'esta massa tão dura como se foram de pedra. CAPITULO CLXXXVIII. Em que se declara o commodo que tem a Bahia para se poder fazer muita cal, como se faz. A mór parte da cal que se faz na Bahia é das cascas das ostras, de que ha tanta quantidade que se faz d'ella muita cal, a qual é alvissima,e lisa tambem, como a de Alcantara; e fazem-se d'ella guarnições de estuque mui alvas e primas; e a cal que se faz das ostras é mais facil de fazer que de pedras; porque gasta pouca lenha e com lhe fazerem fogo que dure dez, doze horas, fica muito bem cozida, e é tão forte que se quer caldeada, e ao caldear ferve em pulos como a cal de pedra de Lisboa. Quanto mais que, quando não houvera este remedio tão facil, na ilha de Taparica que está defronte da cidade estão tres fórnos de cal, onde se faz muita, que se vende a cruzado o moio; a qual cal é mui estranha, porque se faz de umas pedras que se criam no mar n'este sitio d'esta ilha e em outras partes, as quaes são muito crespas e artificiosas para outras curiosidades, e não nascem em pedreiras, mas acham-se soltas em muita quantidade. Estas pedras são sobre o leve, por serem por dentro organisadas com alfebas. Esta padra se enfórna em fórnos de arcos, com os em que cozem a louça, com sua abobada fechada por cima da mesma pedra, mas sobre os arcos está o forno todo cheio de pedra, e o fogo mette-selhe por baixo dos arcos com lenha grossa, e coze em uma noite e um dia, e coze muito bem; cuja cal é muita alva, e lia a obra que se d'ella faz como a de Portugal, e caldeamna da mesma maneira; mas não leva tanta area como a cal que se faz das ostras e de outro qualquer marisco, de que tambem se faz muito alva e boa para todas as obras. Quanto mais que, quando não houvera remedio tão facil para se fazer infinidade de cal como o que está dito, com pouco trabalho se podia fazer muita cal, porque na Bahia, no rio de Jaguaripe, e em outras partes ha muita pedra lioz, como a de Alcantara, com umas veias vermelhas, a qual pedra é muito dura, de que se fará toda obra priina, quanto mais cal, para o que se tem já experimentado e coze muito bem ; e se se não vale d'ella para fazerem cal é porque acham est'outro remedio muito perto e muito facil; e para as mesmas obras e edificios que forem necessarios, temá Bahia muito barro de que se faz muita e boa telha, e muito tijolo de toda a sorte; do que ha em cada engenho um forno de tijollo e telha, em os quaes se coze tambem muito boa louça e formas que se faz do mesmo barro. CAPITULO CLXXXIX. Em que se declara os grandes apparelhos que ha na Bahia para se n'ella fazerem grandes armadas. Pois sobejam apparelhos á Bahia para se poder fortificar, entenda-se que lhe não faltam para se poder fazer grandes armadas com que se possa defender e offender a quem contra o sabor de S. Magestade se quizer apoderar d'ella, para o que tem tantas e tão maravilhosas e formosas madeiras, para se fazerem muitas náos, galeões e galés, para quem não faltarão remos, com que se elles possam remar, muito estremados, como já fica dito atraz; pois para se fazer muito taboado para estas embarcações sobeja commodo para isso, porque ha muitas castas de madeiras, que se serram muito bem, como em seu lugar fica dito ; para as quaes o que falta são serradores, de que ha tantos na Bahia escravos de diversas pessoas, que convindo ao serviço de S. Magestade trabalharem todos e fazer taboado, ajuntar |