E' bem de vêr como a pobre De susto não ficaria, Cahio no chão de joelhos Resando á Virgem-Maria!
Desbotada como um lyrio Ora chorava e tremia, Ora convulsa resava, Mas nem palavra se ouvia.
Immovel, petrificada,
D'alli se não desprendia, Viva imagem do remorso Contrafeita se sorria.
Té que uma voz a disperta Que estas palavras dizia. Serás minha desposada Dentro d'um anno e um dia!
O juramento que deste Já ninguem t'o quebraria. Podes vir comigo á festa Vêr a santa romaria !'
Ao ouvir estas palavras, Como se fosse magia, D'aonde prêsa estivera A coitada se movia ;
Enfeitada para a festa, Tremendo os passos seguia Do vulto que taciturno Lhe ia servindo de guia !
Atravessou pela aldeia, Como a pobre não iria! Sempre a dizer em voz baixa. Valba-me a Virgem-Maria !
'Valham-me todos os santos Que minha mãe me dizia, Eram esp'rança e conforto No momento d'agonia.
Valha-me a Cruz!' De repente Olhou a pobre, e não via
Quem lhe servira de guia !
Passou um mez, e mais outro, Passou um anno e um dia, Depois d'aquelle em que fôra A' festa da romaria!
Na mesma noite n'aldeia Um vulto negro apparecia, Que em voz alta o juramento D'alguem da terra pedia.
Tudo n'aldeia era susto, Tudo de medo tremia : Mas a que vinha o fastasma Ninguem ao certo o sabia,
Só quem jurára casar-se Um anno antes havia, A que o fantasma alli vinha Coitada d'ella, sabia!
Sabia por seus peccados; E a tremer se benzia, Sempre que o vulto bradava 'Passou um anno e um dia. '
Mais uma noite passára, Outra talvez passaria,
fantasma dissesse
O que alli preso o trazia.
A não ser que quando tudo Inda n'aldeia dormia, O sino grande da terra
Sem mão de homem se tangia.
E no dobrar cam passado A triste sorte carpia,
D'alguem que no lance extremo A taes horas se sentia !
E em lagrimas banhada, A' Virgem Santa pedia, Perdoasse a quem devéras Morrendo se arrependia !
Que o juramento que déra Sem remorsos o cumpria, Desposando a sepultura Antes d'um anno e um dia!
Pelo eterno descanso De quem desce á terra fria, Resemos nós peccadores: Ave Maria!
Co'a mão calosa que domava outr'ora Na ardente briga do corcel o ardor, Um berço embala, descantando agora Canções que alembram juvenil fervor.
Meu neto dorme, dorme em paz que eu canto Ao pé d'um berço, tradicções sem par; Se o rosto a furto te orvalhar de pranto, Ampara o cedro que o tufão tombar !
Em briga immensa, pelejando affoito, Ouvi sem medo trovejar fusis; Das trevas densas d'enredado coito Fitei altivo os batalhões hostís.
Meu neto dorme; das passadas glorias A voz d'um velho te fará lembrar, Sonha meu neto festivaes victorias, E ampara o cedro que o tufão tombar !
Gigantes luctas, de gigantes raças, Do povo em nome combatendo vi: Torpes orgias, bacchanaes devassas, Dos reis nos paços resoar ouvi.
Meu neto dorme, dorme em paz que eu canto D'um povo oppresso as tradicções sem par, Se o rosto a furto te orvalhar de pranto Ampara o cedro que o tufão tombar.
Se o rouco brado de civis contendas Na patria um dia se fizer ouvir : Para que o povo teu irmão defendas Reccorda o berço que te viu florir.
Meu neto dorme, das passadas glorias A voz d'um velho te fará lembrar. Sonha meu neto festivaes victorias, E ampara o cedro que o tufão tombar!
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