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III.

Nos campos de Roncesvalles,
Onde morrêra Roldão,
Duas ballas inimigas
Vararam o coração
Do soldado mais valente,
Qu'entrára n'aquella acção.

Em valor e sangue frio
Não havia outro igual;
Era um gosto vê-lo firme
N'uma batalha campal :
Todos nós da companhia
Lhe fomos ao funeral.

Deixou á pobre Maria,
Que fora sempre fiel,
Um lindo Christo doirado
Em troca do seu annel:
Deixou a cruz de campanha
Em legado ao meu c'ronel.

Deixou à mãe que era velha
Os úniformes e pret :
P'ra mostrar aos camaradas
Que se morrêra com fé,

Mandou resar por sua alma
Tres missas ditas na Sé.

Tudo o mais de que elle usava,
Eram pertenças do rei.
Pelas suas, que eram novas,
Minhas armas eu troquei.
Mas posso dar testemunhas
De que nunca as deshonrei.

E morreu como um valente
Té mesmo sem praguejar.
Só poucos minutos antes

Do momento d'expirar,
Pela Maria lhe ouviram

Mui de manso perguntar !

IV.

Por onde andará Maria?
Nun ca mais ninguem a viu!
Ha quem diga que foi morta,
Ha quem conte que fugiu ;
Ha mesmo quem assevere
Que do campo se evadiu.

Nos postos mais avançados
A foram por fim topar !
Recostada sobre relva
Sem bolir, sem respirar!
Morrêra tambem triste,
Morrêra sem se casar !!

Agora vou eu contar-vos
O modo por que morreu.
Tinha a mão posta no peito,
Sobre o rosto um denso véu,
Um Christo poisado ao lado,
Os olhos fitos no céu !

Mal haja quem assim pôde
Deixa-l'a no mundo so.
Mal haja a sombra mirrada
D'esse nefando Junot.
Mal haja quem este conto
Possa ouvir sem sentir dó!

Agora, meus netos, á paz dos finados,
Tão cedo cortados da vida em botão,
Vos peço, se ainda estaes d'elles lembrados,
Por alma dos noivos, fervente oração.

1

JUIZO CRITICO.1

A poesia, em todos os paizes, revela-se ao talento debaixo de certas condições de nacionalidade, porque a litteratura é tanto mais fecunda, quanto melhor as suas raizes profundam no solo da patria. Que verdor de inspiração não sente o poeta, recordando as montanhas, os bosques, os prados, aonde a sua mocidade se passou no delirio das illusões primitivas? Quem esquece nunca a fonte, aonde matava a sêde, o sol nas differentes estações da sua luz, a brisa suave da noute, o bulcão tremendo do inverno, que o fazia estremecer e conchegar ao seio materno todos esses phenomenos da natureza, sempre reproduzidos, e sempre novos, que resurgem no meio da sua vida d'homem, como as lembranças suaves d'um sonho feliz?

1 Do Capitulo x dos Ensaios de Critica do sr. Lopes de Mendonça extrahimos o seguinte juizo ácerca das poesias do sr. Palmeirim. Apresenta. mol-o mais como illucidação ao texto, do que como recommendação do livro.

O EDITOR.

As propensões estheticas d'um povo devem ser para a poesia o objecto do mais cuidadoso estudo. É ali que o genio indigena se avalia, e se conhece; é ali que a poesia toma os seus mais brilhantes e mais rasgados vôos. N'este ponto, as nossas opiniões talvez se afastem das crenças recebidas. A poesia vive, exalta-se, idealisa-se pela inspiração, e quando mais proxima for a inspiração dos instinctos populares, tanto mais poderosa, tanto mais energica deve ser. Béranger para nós não é só o poeta mais popular, é o primeiro poeta da França. O seu genio abrange a reflexão e o instincto, a paixão e o sentimento: o seu nome e a sua gloria hão de durar em quanto existir essa França, cujo coração elle traduz em cantos immortaes.

Em quanto o mundo existir harmonicamente dividido n'esses grandes systemas que se chamam nações, o talento ha de buscar a sua esphera de actividade no povo, caracterisar a indole, as tradições, as aspirações diversas da sociedade, onde elle nasceu, e se creou.

Por maior que seja a força invasora da civilisação, por mais poderoso que seja o seu principio essencial, que tende á unidade não poderá apagar nem as differenças de sangue e de raça, nem o cunho especial da nacionalidade, que não vive só nos monumentos, nos livros, nas tradições oraes; reside tambem no clima, no céu, na natureza, que a civilisação póde modificar, mas nunca transformar de todo.

É evidente para nós, que a imitação servil estrangeira desfigura e empobrece as litteraturas. Que se estudem as paixões geraes, as paixões typicas do coração, isso queremos nós : que se force a inspiração a reproduzir as nuances locaes da poesia estrangeira, isso imprime á arte um caracter facticio, que limita a sua influencia nas turbas, acanhando a acção das letras nos phenomenos do desenvolvimento civilisador.

Dizer que o sr. Luiz Augusto Palmeirim é o mais popular dos nossos poetas modernos, é re

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