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Quasi todas as nações (observa Voltaire) tem tido poetas antes que tivessem alguma outra sorte de escriptores. Homero floreceo entre os Gregos mais de um seculo antes que apparecesse um historiador. Os canticos de Moisés são o mais antigo monumento dos Hebreos. Acharão-se canções entre os Caraibas, que ignoravão todas as artes. Os barbaros da costa do mar Baltico tinhão suas famosas rimas runicas em tempo que elles não sabião ler; o que prova tambem, que a poesia he mais natural ao homem do que se não pensa. Tambem a formosura e suavidade do mimoso clima da Grecia, cuja historia não he permittido ignorar, se tem por uma das causas da sublimidade, e doçura da poesia dos Gregos, cujas producções em todos os generos das bellas artes são, e serão sempre modellos para as nações civilisadas capazes de gosto, e de sentimento. Porque pois não terá tido o soberbo, e delicioso Brazil seus poetas desde a antiguidade, e não os continuará a ter, particularmente Pernambuco, cujos encantos, e bellezas naturaes são justamente sentidas, e gabadas? Teve sim o Brazil, e teve Pernambuco seus poetas na antiguidade, e os tem.

Mas quaes? (Nos arão.) Alguns Homeros? Virgilios? Pindaros? Horacios? Quem dera! A natureza he muito avara em produzir esses verdadeiros, esses grandes genios poeticos. Quantos epicos, não já perfeitos, mas que se possão ler com deleite, e utilidade apresenta a abalisada França? Quantos a profunda Inglaterra? A primeira Voltaire, e a segunda Milton. No Paraiso perdido maravilhão com effeito uma imaginação fertil em assumpto alias supposto esteril, originalidades, quadros magestosos, e sublimes, descripções amenissimas, e graças encantadoras; mas tambem lhe deparaes com frivolidades, absurdos, e extravagancias, que revoltão a rasão; notando-se

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outrosim, que Milton não foi jámais feliz nos similes, ou comparações; nas quaes he Camões admiravel, e depois delle Quevedo no Affonso Africano. Quanto á Henriquiada, os Francezes mais parciaes de Voltaire convem, que ella he uma epopea de segunda ordem entre as antigas e modernas, e imitavel a poucos respeitos, apezar de algumas bellezas, e alguma poesia de estilo. E á vista destes exemplos de nações tão antigas, consumadas em todas as sciencias, e letras, o Brazil tão novo, e cujo atrazo scientifico, e litterario lhes fica a perder de vista, porque não se deverá gloriar do seu Durão, e do seu Bazilio da Gama, cujas epopeas o Caramurú, e o Uraguay, posto que não sejão das de primeira ordem, tem muito merecimento, e em nada são despreziveis? (2) As liras em que tocarão Pindaro, e Horacio parece, que não aprazeo ainda ás Musas de as doar a ningnem; posto que alguns talentos lhes tenhão tenteado as cordas, e mesmo sacado-lhes arremedos mui felizes dos cantos Dirceo, e Venusino. He uma verdade historica, que nenhum paiz na serie de muitos seculos produzio alem de tres, ou quatro pessoas, que mereção verdadeiramente o titulo de genuinos, e grandes poetas; e Guilherme Temple chega a dizer, que entre todos os homens que hajão de viver no espaço de mil annos, por um que nasça çapaz de se fazer um grande poeta, nascerão mil capazes de se formarem grandes generaes, ou ministros de estado, como os mais celebrados na historia; e na verdade (accrescenta Warton) mais causas devem concorrer para a formação dos primeiros que dos ultimos; o que necessariamente faz a sua producção mais difficil. Donde vem, que o verdadeiro poeta mereceo em todos os tempos a maior estimação; porque o dom que recebeo do ceo, a sciencia, e as virtudes que deve possuir, sem o que não ha, nem pode haver poeta

bom, o constituem quasi um milagre da natureza, como escreve Dias Gomes. Tal era a estimação, que os Arabes fazião de um bom poeta (diz ainda este autor) que quando aparecia algum varão insigne na poesia todas as tribus enviavão embaixadores a dar os parabens á tribu onde elle nascera, pela felicidade de possuir um sujeito tão favorecido do ceo, que tanto a illustrava com seu merecimento. A Italia coroou Petrarca, e o mesmo estava para fazer ao Tasso no dia em que morreo. Ao celebre Adisson fizerão os Inglezes secretario de Estado por sua litteratura, e por ter composto a bella tragedia de Catão. Pope traduzio a Illiada, e toda a Inglaterra comprou a sua obra, assim cummulando-o de riquezas; e de igual sorte a Mikle, que traduzio os Lusiadas, e ousou omittir o verso

Cahe a soberba ingleza do seu throno,

julgando que um tal verso deslustrava a sua nação (3). Em França o poeta Desportes teve de Henrique 3.o dez mil escudos para a impressão de suas obras, e o seu poema Rodomont lhe valeo oitocentos escudos de ouro da parte de Carlos 9.o; e a estatua de Voltaire por Pigal, o mais afamado estatuario então da Europa, foi collocada na sala da Academia, vivendo ainda o mesmo Voltaire (4). Mas Portugal, que nos amamentou? São bem sabidos os trabalhos, e penuria em que viveo, e morreo Camões. D. Francisco Manoel de Mello passou grande parte dos seus dias preso na torre de Belem, onde escreveo muitas das suas obras. Francisco Manoel morreo desterrado em França, gemendo pobrezas, e saudades da Patria, para não ser pasto das fogueiras da Inquisição; e confiscarãolhe os bens em Portugal (5). Garção morrco preso no Limoeiro de Lisboa (6). E baste, bem que esta lista

podera ser ainda muito accrescentada (7). Não permitta Deos, que algum Brazileiro poeta eximio, capaz de illustrar a patria com seus cantos, possa vir a queixar-se como Camões:

O favor com que mais se accende o engenho
Não o dá a patria, não, que está mettida
No gosto da cubiça, e na rudeza

De uma austera, apagada, e vil tristeza.

Certo que não são Homeros, nem Horacios os poetas Pernambucanos, cujo merecimento desejamos que conheção os contemporaneos, e se perpetue nos vindouros, por honra da Provincia, e nobre estimulo á sua mocidade talentosa; mas nem porque o grande Camões occupa no Parnaso Lusitano a primeira cadeira, deixão ahi de ter esplendidos assentos os estimadissimos Ferreira, Garção, Diniz, Filinto Elisio, e outros. Quem não pode ser epico, pode talvez ser dramatico, bucolico, ou elegiaco. Lebo foi excellente bucolico, mas infeliz epico; e Voltaire bom tragico, não o maior da França, nem no seu Edipo superior a Sophocles, como alguns tem ligeiramente dito, na epica foi o que já notamos, e inferior na comedia, e nas odes. E verão os leitores, que sendo o caracter da poesia lirica a magnificencia, e a doçura; a magnificencía nos assumptos heroicos, e a doçura nos alegres, e eroticos; os Liricos antigos Pernambucanos são dignos de memoria pelo bem que cantarão os assumptos a que se cingirão. Começaremos pelo seguinte.

João Nepomoceno da Silva Portella nasceo na cidade do Recife, e forão seus pais Antonio da Silva Portella, e sua mulher D. Manoela do Rosario. Se pode estabelecer um principio o dizer Condorcet, que da historia

TOMO I.

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moderna se ve, que todos os homens da primeira ordem, todos aquelles cujas obras se tem aproximado á perfeição não tiverão que reparar faltas da sua primeira educação, he certo que esta não foi ao nosso poeta negligenciada por seus pais. Assentou Portella praça voluntario de soldado no Regimento de infantaria da cidade de Olinda em 18 de Julho de 1782, declarando então ter de idade dezeseis annos. Passou a cabo em 28 de Novembro de 1788, a furriel em 19 de Maio de 1798, e a Ajudante do Regimento de Milicias de Bastos por despacho do Governo interino de 10 de Junho de 1799, com o soldo de 8000 reis mensaes. Tanta instrucção adquirio, e tanta habilidade se lhe conheceo, apezar dos desvios a que a vida militar o obrigava desde a idade de dezeseis annos, que foi empregado na Secretaria do Governo no expediente das ordens, e detalhes do serviço militar, em que permaneceo ate falecer em 19 de Maio de 1810. Casou em 19 de Outubro de 1802 com a Sr.a D. Maria da Paixão de Jezus, filha de Francisco José Pereira, e sua mulher D. Ignacia Victoriana, tambem como os pais delle poeta, naturaes do Recife; e deste consorcio he um dos filhos o Sr. Tenente-Coronel João Nepomoceno da Silva Portella.

Era o ajudante João Nepomoceno da Silva Portella de pequena estatura, e secco, mais alvo que moreno, vivo, e expressivo em seus discursos, e movimentos; homem de costumes irreprehensiveis, querido, e respeitado geralmente. As Musas lhe embalarão o berço, mas infelizmente as suas numerosas poesias, entre as quaes alguns dramas, e elogios excellentes, todas se perderão. So podemos recolher ha muitos annos os seguintes versos á Santa Barbara, que lhe forão pedidos para serem cantados, como forão, em uma novena na Igreja de S. Pe

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