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quanto mais uma oração tem cousas grandes e concebidas por um modo bello e animado, tanto menor deve ser o fôgo e a viveza da pronunciação do Orador: e isto por duas razões; a primeira porque esse grande fogo impede ao auditorio o gostar, quanto deveria, da bondade e belleza das cousas, que lhe propõe á vista; a segunda porque se ao grande fôgo da composição se ajuntar o da Pronunciação, destes dous fogos entre si unidos formar-se-ha um incendio tão forte, que nem os olhos, nem o entendimento dos ouvintes o poderá supportar. Os Oradores, que tem cousas de pouco peso para dizer, são commummente os que declamão mais alto, levantando tanto mais a voz, quanto maior é a penuria de suas razões; por quanto imaginão, que com uma pronunciação fogosa hão de dar pêso ao, que o não tem, e prêço ao, que nada vale; gritão, enfurecem-se, e é este todo seu merecimento, como se a arte de persuadir, ou de convencêr fôsse a arte de clamar, do que ja no seu tempo se queixava Cicero, quando dizia, latrant jam quidem oratores, non loquuntur ládrão na

verdade, não falão, os oradores.

§. 3. Devendo ser pois o fôgo da Pronunciação sim ardente, mas sereno, isto não tira, que possa ser mais ou menos activo, segundo as occasiões; porque nesta materia ha diversos gráos de serenidade e de fogo, que o Orador deve indispensavelmente mos trar Para isto ha de primeiro sentir o seu

espirito o mesmo, que pronuncia a lingua; pois, se assim não succeder, será fátuo todo o seu fogo; de maneira que, á medida que elle se vir mais ou menos movido, e penetrado, assim seja a sua pronunciação mais ou menos viva, mais ou menos serena.

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Esta regra de se consultar primeiro o espirito, para assim saber o gráo de viveza, ou de serenidade, com que se ha de pronunciar, até serve para o Orador compôr a voz, de sorte que seja agradavel aos ouvidos, pareça, não de homem rustico, mas de cortezão e a razão é, porque o coração é a fonte dos affectos; e pronunciando-se, como inspirar a alma, impossivel será, que o Orador se faça injucundo, áspero, e de extravagante Pronunciação aos ouvidos do seu auditorio.

S. 4. A pronunciação clara, expedita e accommodada á materia, para ser de todo energica, necessita muito do soccôrro da acção; pois sem esta é quasi cadaver a Eloquencia importa porêm observar, que ao homem, que professa o nobre officio de falar em publico á multidão, e de engrandecer com a sua lingua as cousas dignas de se rem seguidas ou imitadas, só convêm acções nobres e gestos magestosos; de sorte que, se não proporcionar ao seu caracter estes requisitos, representará uma figura indecente.

§. 5. Convêm igualmente ao Orador umas acções vivas e animadas; por que, devendo dizer cousas grandes e persuasivas, ha mis

ter parecer penetrado e movido, para que delle se não diga o, que dizia Cicero a um Orador, cujas acções não concordavão con o, que pronunciava, an ista, si vera essent, sic a te dicerentur? — acaso falarias assim, se houvesse verdade no que dizes? Mas neste ponto é preciso advertir ao Orador, que ponha especial cuidado em não usar de certas acções affectadas, violentas e furiosas, equivocando-as com as naturaes, animadas e

vivas.

§. 6. Não se deve pôr menos estudo em fugir de mostrar um gesto demasiadamente compassado e medido; por que alêm de ser indecorosa ao Orador toda a affectação, entra o auditorio a persuadir-se, de que mais The querem lisongear os sentidos, do que intimar verdades. Deste gesto vicioso nasce outra affectação, a qual consiste em querer com as mãos como pintar tudo quanto se diz, a que Cicero chamava argutic digitorum = subtilezas de dedos = taes subtilezas pueris poderão, quando muito, pertencer ao Comediante; mas nunca ao Orador, o qual deve lembrar-se da gravidade do seu caracter, que não é imitar, e fingir ser outro, como pretende o representante de theatro. Ha de accionar com viveza, compos tura e graça; mas sôbre tudo, com variedade, accommodando as acções á materia, e sempre com um ar natural, que nada respire de affectação.

§. 7. Advertiremos, que por acções não

devem só entender-se as, que se fazem com as mãos, pois tambem a mudança de semblante, o diverso movimento dos olhos, e ainda um breve silencio são acções, e certamente as mais vivas e cheias de energia: Em uma palavra, a acção, que se julgar mais decente na occasião, essa é a, que se deve fazer; por que só essa é que ha de agradar.

§. 8. Acerca do methodo, que propômos ao Orador para elle adquirir o habito de gesticular accommodadamente á verdadeira Eloquencia, reduz-se o essencial a recommen dar-lhe, que observe o, que vir fazer a ou tros, que são universalmente louvados por esta eloquencia do corpo; não os imitando porêm em tudo á risca, por que se não se gue, que lhe convenha tudo o, que convêm a outros. Em summa, o mais acertado será o confiar-se de um amigo intelligente e sincero, o qual o avise dos defeitos, em que costuma cahir no acto de orar, ou esses defeitos procêdão da descompostura da voz, ou da affectação do gesto, ou da impropriedade das acções...

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A CULTURA DA MEMORIA E DE PRIMEIRA
NECESSIDADE PARA O EXERCICIO

́DA ELOQUENCIA.

8. 1. Ter Memoria feliz depende muito da Natureza; por que ella nenhuma outra cousa é senão a faculdade natural da alma de conservar as ideas e noções dos objectos, e de as reproduzir na ausencia destes por meio dos seus differentes actos: porém a facilidade destes actos é devida em grande parte ao exercicio. — Convêm pois, que o Orador eultive bem e assiduamente a sua memoria com o exercicio, enriquecendo-a de vocabulos proprios, e fazendo que o enlace das ideas das cousas e dos seus nomes seja tão estreito, que as ideas e expressões andem sempre de companhia: Por quanto se o Orador não retêm fixamente na memoria tudo quan. to ha descoberto e ordenado antecipadamente, para chegar ao fim, que no seu Discurso se propõe, o fructo da sua Eloquencia será nenhum.

§. 2. Alêm de que, visto que o Orador se vê muitas vezes obrigado a falar em publico sem longo intervallo de preparação, precisa, afim de desempenhar dignamente o seu officio, não só possuir uma memoria fiel, po

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