Suggiro os meios de terminar aquellas questões de uma maneira satisfactoria, não, porém, como o propunhão Coudreau e Schomburgh, afrontando os direitos e a soberania do Brazil. O meu trabalho contém todos os elementos para bem as elucidar; não me servi dos que existem na Secretaria das Relações Exteriores, cujos archivos não me foi possivel consultar, mas recorrendo á outras fontes de esclarecimentos que têm a mesma authenticidade, fornecidos por prestimosos funccionarios que tudo pesquizárão no desempenho de commissões que lhes forão confiadas. Impulsado por sentimentos de patriotismo, convencido de que me è possivel prestar, ainda no ultimo quartel da vida, um verdadeiro serviço ao meu paiz, faço um historico, recapitulo factos passados que muita gente ignora, e osaprecio com a competencia que me dão largos annos de estudo, como diplomata e Director da Secretaria do Estado dos Negocios Estrangeiros. Estou hoje aposentado, mas quem conhece a minha vida publica, e laboriosa, não me póde negar esta competencia. Ninguem me en commendou o sermão; não recebi instrucções, insinuações, ou cousa que com isto se pareça, para defender os direitos do Brazil nessas momentosas questões; não submetti, nem subordinei os meus assertos e apreciações ao juizo do meu Governo, e nem delle obtive auxilio algum para discutir estes assumptos sob suas inspirações. Assumo, assim, toda a responsabilidade de meus actos, sem prevenções e com a consciencia tranquilla. O publico que me julgue. O que desejo é esclarecel-o, e envidar todos os esforços para que tenhão as difficuldades latentes uma solução amigavel, e possão continuar as nossas relações com a França e Inglaterra no pé da mais perfeita igualdade e reciprocidade como nações livres e independentes. Esta é a marcha natural das cousas na vida internacional. Não ha imprudencia na publicação de meus trabalhos: é já tempo de fazer desapparecer os vestigios da occupação do Amapá e do Pirára. O Governo do Brazil tem se manifestado sempre disposto a chegar a um accordo, mesmo com prejuizo de seus direitos, entrando em transacção; cedendo de territorios, cujo dominio lhe garantem tratados os mais solemnes, pelo lado do Oyapock até o Calçoene nas Terras do Cabo do Norte, e desistindo de limites com a Guyana Ingleza pelo rio Rupunury, resalvando unicamente as suas possessões do Rio Branco, cujas vertentes nunca lhe forão, nem podem ser contestadas em vista do que dispõem os tratados de 1750 e 1777 e das demarcações que se fizerão para a sua execução. Se a França e Inglaterra procederem com a mesma benevolencia, abandonando de todo planos de conquista, as questões pendentes facilmente se resolveráo; e é o que á todos convem para estabelecer em bases solidas as suas relações politicas e commerciaes. Rio de Janeiro, 8 de Outubro de 1892. CONSELHEIRO Joaquim Maria Nascentes de Azambuja. Descripção da Guyana Chama-se Guyana a vasta zona situada ao norte da America Meridional comprehendida pela costa maritima desde a foz do rio Orenoco até á do Amazonas e por este rio acima até o Rio Negro, que communica com o Orenoco, pelo Cassiquiare. Extende-se esta região entre o 40 gráo de latitude sul e 8°,41' de latitude norte, e entre 52°, 15 e 74°'30' de longitude oeste. E' limitada a léste pelo Atlantico, ao norte pelo mesmo Oceano e pelo Orenoco, a oéste pelo Orenoco, rio Meta e Republica de Colombia, e ao sul pelo rio Amazonas. Seu territorio é regularmente montanhoso, e tem como principal cordilheira a Serra Parima, que se eleva sobre um planalto de pouca altura, á margem direita do Orenoco, em toda a extensão de seu curso. Esta cordilheira é formada de um conjuncto de montanhas e diversos grupos de morros com arestas abruptas sem vegetação.e aspectos grottescos, destacando-se as planicies, cobertas, em parte, de florestas e em parte de relvas separadas por valles profundos, que dão curso aos maiores rios da Guyana, como são o Essequibo ao norte, o Orenoco ao nordéste e o Parima ou Rio Branco ao sul. Os pontos culminantes dessa cordilheira demorão a sudoeste do alto Orenoco, como o Pico de Duiva de 2,475m e cume da Serra de Maraguaca de 2,508m. O littoral da Guyana é baixo e lodoso na distancia de 75 kilometros para o interior. Apparecem depois savanas, em algumas localidades estereis e ein outras muito ferteis, segundo a natureza das rochas que lhes servem de base até ás elevações que formão as cordilheiras. Na estação calmosa, as savanas ficão inundadas em grande extensão com o trasbordamento dos rios, cujos leitos mal se póde então reconhecer pela frondosa vegetação de suas margens. No interior, extende-se de oéste para léste vasta cordilheira com diversos nomes, taes como Parima, Pacaraima, Acaray e Tumucumaque. Para se ter uma idéa dessa cordilheira de montanhas que divide o Brazil das Guyanas Ingleza, Hollandeza e Franceza, faremos a seguinte descripção que encontramos em uma excellente memoria do Barão de Japurá (Miguel Maria Lisboa.) A serra Parima, que corre quasi de norte a sul, fórma depois na latitude de 4o e poucos minutos um angulo com a serra Pacaraima que extende-se de léste a oéste. A serra Pacaraima finda junto à ribeira esquerda do Essequibo em latitude pouco mais ou menos de 4 gráos. Antes, porém, de lá chegar vê-se um elevado morro, á que chama Schomburgh Anahi, e que nos nossos mappas é designado por Uanahy, o qual dá começo à outro dorso que se extende para o sul. Este dorso, que é a continuação da ramificação que divide as aguas do Amazonas das que correm para o mar das Antilhas, é ao principio tão baixo que, no tempo das aguas, alaga o terreno e tornão a confundir-se as aguas do Amazonas com as do Essequibo, fazendo-se esta communicação por meio de inundações que reunem o lago Amacú, manancial do rio Pirára, com o Jauricurú que corre ao Rupunury. Mais adiante quasi se reune o Tacutú (aguas amazonicas) com o Rupunury (aguas do Essequibo) mediante apenas um pequeno estreito entre elles, tão baixo que por ahi se tem varado canoas. Então o dorso de que trato, eleva-se, e toma o nome de Serra Cuanacuana; e depois de dar aguas á oéste para o Tacutú, e á léste para os affluentes do Rupunury e Essequibo, vai formar, na latitude de menos de um gráo, ao norte do Equador, um angulo com outra serra que a'alli corre em direcção pouco mais ou menos de léste. Desta serra chamada Acaray, vertem para o norte o proprio Essequibo, e para o sil o caudaloso Trombetas, e com ella pega depois a serra Tumucumaque que, parallela ao Amazonas, se extende até quasi o Cabo do Norte com differentes denominações. Da serra Tumucumaque descem para o sul todos os tributarios do Amazonas que nelle desagnão entre Trombetas e o Carapanatuba, e para o norte os caudalosos rios que banhão as Guyanas Ingleza, Hollandeza e Franceza até o Oyapock, como são o Demerara, Berbice, Corentino, Surinam, Maroni, Aprouague e outros menores. Esta descripção hydrographica da Guyana comprehende todas os seus rios importantes, á excepção dos que desaguão no Oceano Atlantico entre o Carapanatuba e o Oyapock; os quaes, não se podendo classificar nem como affluentes do Amazonas, nem do mar das Antilhas, formão um systema differente de vertentes. Estes são, além de outros, o Oyapock, Casɛipurė, Cunani, Calçoene, Mayacaré ou Mannaye, Amapá, Carapaporis e Carapanatuba. Este vasto territorio divide-se por cinco nações, Venezuela, Grã-Bretanha, Hollanda, França e Brazil. Limite de cada uma destas secções A que esti mais ao norte pertence á Republica de Venezuela entre as possessões Brazileiras e Inglezas. A sua fronteira com o Brazil já foi definida e demarcada nos termos do art. 2o do Tratado de 5 de Maio de 1859. Começa nas cabeceiras do rio Memachi, affluente do rio Naquiène, que desagua no alto Guainia ou Rio Negro; segue pelo mais alto terreno, passa pelas cabeceiras do Aquio e Tomó e do Guainia e Iquiare ou Issana, e atravessa o Rio Negro, defronte da Ilha de S. José, que está proxima á pedra do Cucuhy: deste ponto vai em direcção rectilinea até o Grande Salto de Húa, cortando ahi o canal Maturacá; passa pelos grupos dos morros Cupy, Imery, Guahy e Urucurusiro; atravessa o caminho que communica por terra o rio Castanho com o Marary, buscando pela serra Tapurapecó os cumes da serra Parima, por onde seguirá até ao angulo que faz esta com a serra Pacaraima, de modo que todas as aguas que correm ao Rio Branco fiquein pertencendo ao Brazil, e as que vão ao Orenoco á Venezuela; e continuará pelos pontos mais elevados da dita serra Pacaraima, de modo que as aguas que vão ao Rio Branco fiquem como se ha dito, pertencendo ao Brazil, e as que correm ao Essequibo, Cuyuni e Caroni á Venezuela, até onde se extendem os territorios dos dous Estados na sua parte oriental. O respectivo littoral extende-se desde a foz do Orenoco até o Cabo Nassau, na barra do rio Pomaron. Tem por capital a cidade de Angostura ou S. Thomaz da Nova Guyana, como primitivamente se chamava. A Guyana Ingleza fica ao SE da precedente. Sua costa maritima corre do Cabo Nassau até à foz do rio Corentino, que a separa da Hollandeza até suas vertentes. A linha divisoria com Venezuela para oéste vem da foz do Pomaron ás suas cabeceiras; dahi, perpendicularmente, ao rio Cuyuni, e por este até sua confluencia com o Essequibo. e pelo Essequibo acima, até o morro Anahi, além da foz do Rupunury. A fronteira com o Brazil ainda não está determinada; deve, porém, como limite natural, começar ao oéste da serra Pacaraima, onde tem principio o territorio inglez, e seguir para léste pelo prolongamento daquella serra, até encontrar a nascente mais septentrional do rio Mahú, no qual desagua o rio Pirára, e por sua vez afflue no Tacutú. Desta nascente irá ao rio Rupunury até encontrar com a margem esquerda deste rio no ponto mais proximo do Monte Anahi em 3o,56' de latitude norte e 15°,53'45" oeste do Observatorio do Rio de Janeiro, de sorte que fiquem pertencendo ao Brazil todos os terrenos com as aguas que verterem para os tributarios do Amazonas, e á Grã-Bretanha os terrenos com as aguas que verterem para o rio Essequibo e seus affluentes, e para isso deverá a linha divisoria acompanhar todas as sinuosidades que a situação e direcção das vertentes das aguas exigirem. Do ponto onde a linha encontrar a margem esquerda do Rupunury, seguirá para o sul, subindo este rio, até à latitude 2o norte; proseguindo dahi para léste por outra linha parallela ao equador, nessa mesma latitude norte, e irá para o oriente até onde se extender o dominio da Inglaterra. Esta é a fronteira que o Brazil tem sempre sustentado, não só pelo direito de descobridor, como pelo de sua posse desde 1752;o que está assignalado pelo Forte S. Joaquim alli construido, e, como é sabido, pelas rondas que manteve em varios pontos dessas paragens, além de commissões scientificas, que em diversas épocas mandou reconhecer e levantar plantas topographicas desse territorio, sem que nunca lhe fosse contestado seu direito. Accresce que dos antigos tratados de 13 de Janeiro de 1750 e 1o de Outubro de 1777, celebrados entre Portugal e Hespanha, que forão as primeiras nações que tomárão posse dos terrenos da Guyana, resulta a evidencia dos direitos do Brazil e de que se deve observar os principios que adoptárão aquelles dous Estados, para extremar as suas fronteiras por linhas naturaes sempre que for isto possivel, afim de evitarem futuras contestações. Nos arts. 9 do primeiro daquelles tratados e 12 do segundo, assignala-se o ponto de partida para determinar onde deve começar a linha divisoria do territorio actual da Grã-Bretanha. A Guyana Ingleza divide-se em tres condados, Berbice á léste, Capital Amsterdam; Demerara no centro, Capital George Town, e Essequibo á oéste, Capital do mesmo nome. O engrandecimento desta colonia data de 1814, em que foi cedido á GrãBretanha, definitivamente, o territorio da Hollanda, então limitrophe do Brazil. A Guyana Hollandeza, depois da convenção celebrada em Londres à 13 de Agosto daquelle anno, ficou muito reduzida. Sua costa maritima vai hoje da foz do rio Corentino á do rio Maroni, que, pelo seu curso acima, limita coin a Guyana Franceza. Sua Capital, Paramaribo, está situada na foz do rio Surinam, por cujo nome é conhecida a colonia. Servindo de fronteira com o Brazil a serra Tumucumaque, nada ha por esse lado que deslindar. A Guyana Franceza extende sua costa maritima desde a foz do Maroni até á do rio Oyapock, que a divide do Brazil por todo o seu curso, até aquella serra. Tem por Capital a cidade de Cayenna, na barra do rio do mesmo nome. As pretenções da França, de que vamos tratar, ficárão de todo illididas pelos tratados de Utrecht de 1713 e do Congresso de Vienna de 1815. A Guyana Brazileira extende-se pela costa desde a foz do rio Oyapock até á do Amazonas, e por este rio acima até o Rio Negro e dahi pela serra Parima até o morro Anahi e rio Rupunury. Este vasto territorio, de todos o mais consideravel, faz parte dos dous importantes Estados, do Pará e Amazonas, cujas capitaes são: do primeiro Belém e do segundo Manáos, que tambem chamou-se S. José do Rio Negro. Questões territoriaes com o Brazil Os Francezes e Inglezes, vendo frustradas as suas incessantes tentativas de tomar parte na conquista da America do Sul pelos Portuguezes e Hespanhoes, forão refugiar-se e estabelecer-se nas regiões que acabámos de descrever, porfiando sempre em dar maior extenção aos territorios que forão successivamente occupando. Portugal só com a Hespanha é que tinha de extremar o dominio das terras |