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ADVERTENCIA PRELIMINAR

DO TRADUCTOR

O cunho original d'esta peça, excellente composição de Mr. d'Arnaud, me animou a traduzil-a para a dedicar ás almas sensiveis. Uma lucta vigorosa entre a religião e o amor, é a acção d'este drama. Os episodios que a adornam, travados destramente com ella, dão uma perfeita ideia dos talentos do auctor, e do vasto conhecimento, que teve do coração humano. O contraste de caracteres, essencial ás producções theatraes, está aqui sustentado com magisterio: o que poderá observar o leitor instruido. Perigosos e terriveis embates com que os sentidos assaltam a razão, apuram (por assim dizer) as celestes verdades, que adoramos; e estes embates necessariamente se haviam de empregar na presente obra, lustrando muito mais com elles o triumpho glorioso da religião. Attentem os espiritos conhecedores de si mesmos, e de uma das primeiras artes, que a scena é o quadro moral do homem, que ali sem rebuço cumpre exhibir seus defeitos, suas paixões, seus crimes, ou

suas virtudes, e pintal-o ainda mais como é, que como devera ser; finalmente (eu o repito) o esplendor do vencimento consiste nas difficuldades, que o disputaram, e a verosimilhança padeceria na obra que publíco, se a victoria da religião contra a natureza fosse menos ardua.

Em quanto á versificação, a do original é harmoniosa, accommodada ao assumpto, branda, ou energica, segundo o gráo e qualidade da paixão que exprime. Estremei-me o que pude em imital-a, e em evitar os gallicismos, de que abunda grande parte das nossas traducções, e que nos enxovalham o fertil e magestoso idioma, só indigente e inculto na opinião das pessoas, que o estudaram mal. Cuidei egualmente em conservar na dicção toda a fidelidade possivel, excepto nos logares onde os genios das duas linguas discordam muito; então, apoderado do pensamento do auctor, tractei de o representar a meu modo, conformando-me n'isto ao sabido, mas pouco executado preceito de Hora

cio:

Nec verbum verbo curabis reddere fidus
Interpres, etc.

Resta-me advertir ao leitor, que os....

indicam

certas suspensões, ou pausas, naturaes na expressão de grandes affectos, e que no uso d'estes pontos sigo fielmente a Mr. d'Arnaud.

EUPHEMIA, OU O TRIUMPHO DA RELIGIÃO

ACTOI

Ergue-se o panno. A scena representa uma cella escassamente guarnecida. Á esquerda, pouco distante da parede, está uma tumba, ao pé da qual se vê una alampada accêza. Do mesmo lado, mais para a bocca do Theatro, ha um genuflexorio, e n'elle um crucifixo com uma caveira aos pés. Sobre o genuflexorio estão varios livros de devoção. Algumas cadeiras escondein um pouco a tumba ás pessoas, que entram na cella. Começa a romper a manhã.

SCENA I

EUPHEMIA (1)

Que! N'este leito funebre, que banham
Minhas lagrimas tristes, n'este leito,
Onde velam commigo a dôr, e o susto,
Onde a meus olhos o meu fim se off'rece,

(1) Com uma das mãos sobre a tumba, na acção de quem se levanta.

Onde o meu coração de dia em dia
Se deve ir ensaiando para a morte;
No féretro, que espera o meu cadaver,
Ouso ainda nutrir memorias ternas!

Que digo! Um louco amor, que os céos condemnam!
Oh Deus! Não has de tu livrar-me d'este
Instincto criminoso (1)?... A tua esposa
Com lagrimas, com ais aqui prostrada
Implora o teu soccorro, a graça tua:
O vento a teu sabor zune, e se acalma,
As ondas amontôas, e as desfazes,
Teu sôpro accende o raio, o raio apaga,
Da terra a face mudas, em querendo,
E não mudas, Senhor, e a ti não chamas
Uma alma, que te foge, e te é traidora?
Não volves em bonança a tempestade,
Que os sentidos me offusca, e desordena?
Ah! Suffoca estes frageis sentimentos,
Esta paixão, meu crime, e tua offensa;
Fere, compunge um coração rebelde,
Que inda soffre prisões além d'aquellas,
Que cingiu para sempre em teus altares...
Se a desampara o céo, que é a virtude?
A minha em vão reclama os seus deveres.
Para vencer Euphemia, oh Deus supremo,

(1) Deixa a tumba, e corre a prostrar-se ante o genuflexorio.

De todo o teu poder tu necessitas (1).
Escuta minhas preces, vê meu pranto,
Manda-me o puro amor, e a paz celeste,
Cessem minhas angustias, meus perjurios,
Triumpha, reina só n'esta alma afflicta.
E tu (2), que todos com pavor contemplam,
Que lição me não dás em teu silencio!
Sim, tu és meu retrato! Eis, eis as graças
Com que intento encantar! Sou pó! Sou isto!...
E inda me atrevo a amar! Oh céos ! Eu morro (3).

SCENA JI

SOPHIA, EUPHEMIA

EUPHEMIA (4)

Então, querida irmã, piedosa amiga,
O sagrado ministro, em cuja bocca
A Verdade nos falla, e nos inspira,
Virá manter-me a languida virtude,
Domar um coração, que ao céo resiste,
Unir ao seu dever minha alma indocil?

(1) Prostra-se ainda mais, chorando amargamente. (2) Pega com ambas as mãos na caveira.

(3) Inclinada para o chão, com extrema agonia. (4) Levantando-se arrebatadamente, e indo para Sophia.

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