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elle é emissario secreto da Convenção nacional; de um tal Darbó (Durbaut) diz: «é tambem d'aquelles cerebros esquentados e bota-fogo, e capaz de intentar tudo o que fôr máo, imitando aquelles que cá o mandaram.» (1) Manique prevê o modo como se póde repercutir a Revolução em Portugal: «Se este homem tiver as ideias negras, junto com os seus sequazes, e com aquelles que elles possam ter ganhado, em um ajuntamento de povo nos dias santos ou em uma noite de luminarias se deliberarem a dar vozes, que consequencias tristes se não podem seguir!» O livreiro José Dubie, «já havia sido por duas diversas vezes prezo pela achada de livros incendiarios que espalhava e vendia n'esta côrte.» (2) Se se fechava por todos meios a entrada aos livros scientificos, aos periodicos, se a Inconfidencia devassava todos os segredos da correspondencia diplomatica, nem por isso se podiam calar os factos, que traziam a sua eloquencia subversiva. Os navios mercantes traziam noticias das cousas, e na Praça do Commercio é que vogavam os

(1) Ibid., fl. 26 v., 7 de Abril de 1793.
(2) Ibid., fl. 93, 4 de Janeiro de 1794.

boatos mais atterradores para a sollicitude de Manique. Para elle eram suspeitos todos aquelles que frequentavam a Praça do Commercio; a 16 de Outubro de 1793 havia sido condemnada á morte a rainha Maria Antonietta, e a 7 de Novembro substituido ao culto catholico o culto da Rasão; por isso Manique, procedendo por ordem superior á soltura de Pedro Lannes, redargúe com má vontade: «he um jacobino, e como tal está disposto a praticar tudo o que é máo.» (1)

que

A morte da Rainha, cercada de todas as legendas realistas da belleza e candura da alma, produziu uma impressão em todas as côrtes da Europa, The ia preparando a beatificação; Bocage celebra este acontecimento na Elegia A tragica morte da Rainha de França Maria Antonietta, guilhotinada aos 16 d'Outubro de 1793, de um modo que garantiu a liberdade e as graças do Intendente por mais algum tempo:

Seculo horrendo aos seculos vindouros,
Que ias inutilmente accumulando
Das Artes, das Sciencias os thesouros...

(1) Ibid., Liv. Iv, fl. 76, v.

lhe

N'estes versos estão as causas moraes da Revolução franceza; o predominio das Artes e das Sciencias pôz a consciencia individual em estado de julgar as instituições politicas, que estavam immoveis desde Luiz XIV. Assim como Bocage passava inconscientemente por esta causa, tambem Manique apprehendia e mandava queimar pelo carrasco os livros dos philosophos modernos, como elle chamava a tudo o que podia trazer alguma faisca das novas ideias. Bocage sensibilisa-se pela sorte da mulher formosa:

Que victima gentil, muda e serena

Brilha entre espesso, detestavel bando,
Nas sombras da calumnia que a condemna!

Orna a paz da innocencia o gesto brando,
E os olhos, cujas graças encantaram,
Se volvem para o céo de quando em quando:

As mãos, aquellas mãos que semearam
Dadivas, premios, e na molle infancia
Com os sceptros auriferos brincaram,

Ludibrio do furor e da arrogancia
Soffrem prisões servís, que apenas sente
O assombro da belleza e da constancia... (1)

(1) Elegia 4. Ed. da Actualidade.

O poeta termina a sua Elegia banal, talvez encommendada por Manique, com esse conceito ainda no nosso tempo commum aos escriptores realistas:

Desfructa summa gloria, oh pae ditoso,
Logra em perpetua paz jubilo immenso,
Que o mundo consternado e respeitoso

Te aprompta as aras, te dispõe o incenso.

O sentimentalismo teve este motivo de desabafo; fez-se a legenda de Maria Antonietta como da victima innocente, porém a historia é implacavel, e os documentos illuminam a distancia, e fazem vêr o que se não tinha coragem nem sequer de suppôr. O descobrimento da Correspondencia secreta entre Maria Thereza, mãe da innocente victima e o Conde Mercy-Argenteau, e tambem das cartas para a sua filha, veiu retratar Maria Antonietta sob uma feição sinistra, vivendo uma vida dissoluta que apressou a Revolução e justifica a guilhotina. Ella dispunha dos dinheiros da nação para as suas favoritas Lamballe, Polignac, Guemenée, e seus amantes e parentes; dos cargos publicos para os seus favoritos Resenval, Luxembourg, d'Esterhazy, Guines, Coigny, Lauzan, e o seu apaixonado d'Artois. Todos estes factos eram calumnias

contra a sancta-martyr antes da infeliz Correspondencia secreta, em que se tramava por via d'ella em França o cimentar a direcção do governo austriaco. O jogo vertiginoso fôra introduzido na côrte para a distrair; já não bastava a cavagnole ou o lansquenet, esbanjavam-se sommas incalculaveis no pharaon, e a rainha despedia os Ministros que lhe não entregavam o dinheiro que exigia. As despezas com joias ultrapassavam a loucura; Luiz XVI dá-lhe no primeiro anno do seu reinado 300:000 francos de diamantes e ella compra secretamente uns brincos por 460:000 francos, a pagar em quatro annos; em seguida 100:000 escudos por bracelletes; as dividas avultam e exige do rei mais 2:000 luizes, e • Ministro redobra-lhe a pensão da lista civil. (1) Veiu Calone, galante financeiro, para fazer deslisar esta bambuchata cezarista com mais aparato e presteza; o povo tinha o instincto da realidade e sabia tudo. Tomou as contas a quem de direito. Como se poderia vêr isto em Portugal, e dentro do seculo XVIII?

Bocage era poeta, e obedeceu á verdade do seu

(1) Avenel, Lundis Revolutionaires, passim.

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