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DISCURSO PRELIMINAR,

APOLOGETICO E CRITICO.

LUIS DE CAMOES, o primeiro que, nas Hespanhas, abrio caminho á Poesia Epica, chegou por elle onde, ainda fazendo os ultimos esforços, naō pudéram chegar os que despois se lhe seguiram. Na grandeza, gravidade, e harmonia das palavras, na traça, e discurso da Obra na alteza do sogeito, seguio em tudo as pisadas de Virgilio; e nas ficções allegoricas mostrou taō admiravel engenho, que quasi se igualou a Homero.

Antes de Luis de Camoes, minguem havia achado em Portuguez belleza alguma, ou elegancia poetica. Elle foi o primeiro que reconhecendo nos Escriptores Gregos, e Latinos, o ornamento de dizer, e a gala da locuçaō; e ponderando quanto deve ser engenhosa a invençao poetica, e quao prudente a disposição; quanta variedade de cores deva haver na phrase, e de quanta ficçao deva ser adornado hum Poema; de quanto e quaō

a

varia doutrina semeado; tentou com feliz auspicio passar tudo isto á nossa Lingua, e o conseguio. E na verdade, que quem attentamente reparar na propriedade com que nosso Poeta se accommoda, e transforma no caracter daquellas pessoas que introduz fallar, pasmará. He notavel a magestade, e o respeito que respiram as palavras de Jupiter no Concilio do Canto primeiro. A cólera com que descreve a Marte alli mesmo. A ter-nura e melindres com que pinta a Venus lastimada, diante de Jupiter, no Canto II, pedindo-lhe soccorro e favor para os navegantes. Nos Cantos III, IV, e VIII o ardor, bravosidade, e destimideza nas acçoës e façanhas militares de tantos Capitaes famosos; e outra vez no Cantó III a belleza, e a innocencia de D. Ignez de Castro exposta á tyrannia, e á crueldade lhe deo a , que morte. No Canto IV saō notaveis as despedidas na praia de Belem; e nao se achará coraçao humano, por mais obstinado que seja na dureza, e na impiedade, que lendo estas duas passagens se nao enterneça, e mova a lagrimas. Parece impossivel, que o mesmo espirito que descreveo a cólera de

hum D. Nuno Alvares Pereira, e o sanguinolento daquella batalha no Canto IV; o desafio dos doze de Inglaterra no Canto VI, e no mesmo o furioso daquella tormenta, pudesse transformar-se nas ternuras que contém todo o Canto IX; e principalmente no amoroso Leonardo, para dizer á sua Nympha as altas, suaves, e finas expressoes, que alli se lem. No Canto X, até á Estancia 72, he notavel o furor bellico, de que este espirito outra vez se reveste, para pintar, e descrever o valor, façanhas, e as proezas tantos Heroes Portuguezes na Asia. O mesmo estrondo das armas parece que está entrando pelos ouvidos, e que com os olhos estao vendo os ares toldados com o pó, e com o fumo em humas partes se está representando que discorre o furor, e em outras que

corre o mesmo sangue.

de

Nao obstante, porém, toda esta serie de bellezas Poeticas, e mais preceitos da Poesia Epica com exacçao observados, nao faltáram em todos os tempos, assim dentro como fóra do Reino, zoilos ladradores, que pertendessem escurecer, e denegrir a bem merecida fama de Luis de Camoes. Mas dei

xados por agora os de casa, a que pennas mais eruditas fizeram já emmudecer, sómente diremos alguma cousa sobre o que contra o nosso Poeta escreveo na França o famoso Voltaire. (*) O zelo nos faz pugnar

(*) Quando Voltaire estava em Inglaterra, antes de dar á luz a sua Henriade, publicou hum Ensaio sobre a Poesia Epica das Naçoēs Europêas. Neste louvou summamente, e criticou asperamente o Poema de Camoes: e ainda que esta critica seja cheia de erros, e muito superficial, tem com tudo passado em Europa pela verdadeira representação do caracter daquelle Poema. Guilherme Julio Mickle, fiel e exacto Traductor da Lusiada na Lingua Ingleža, tem descobrido de donde tirou Voltaire a sua noticia de Camoes; porque achando elle alguns defeitos criticados por Voltaire, que nao existem em Camoes; e no mesmo tempo achando, que estes defeitos existem na miseravel traducçao na Lingua Ingleza, feita por Fanshaw, conclue com razao, que Voltaire nao teve outro conhecimento do nosso Author, senaō o que aprendeo pela liçao daquella traducçao, que nao representa o seu original com fidelidade; pois além de naō ter espirito Poetico algum, tem varios equivocos, conceitos, e expressoës baixas, que nao se achaō

pela verdade, e nos obriga a sahir a campo a defender o nosso Poeta, das atrozes calúm nias com que a falsidade e a ignorancia deste Estrangeiro pertendeo ultrajá-lo. Foi Mr. de Voltaire hum homem summamente soberbo, cheio de vaidade, e que mal enfarinhado, ou para melhor dizer, com huma leve tintura das materias, e das Faculdades, orgulhosamente pertendeo no seu tempo passar pelo maior Critico, e por hum dos homens

no original, os quaes, porém, o desavergonhado Voltaire, com maō liberal dá todos a Camoēs. Esta ignorancia de Voltaire confirma o Senhor Mickle por huma informaçao, que recebeo depois da publicação da sua primeira ediçao da Lusiada na Lingua Ingleza, e he: Quando Voltaire ainda tinha na Imprensa em Londres o Ensaio sobre a Poesia Epica, por acaso mostrou huma folha das provas delle ao Coronel Bladon, Traductor dos Commentarios de Cesar. O Coronel, que tinha estado em Portugal, perguntou a Voltaire, se havia lido a Lusiada, e elle respon'deo, que nunca a tinha visto, nem sabia a Lingua Portugueza. O Coronel deo-lhe a Traducçaō de Fanshaw, e em menos de quinze dias apparecco a crítica de Voltaire.

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