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XIV

Todo animal da calma repousava,

Só Liso o ardor della não sentia;

Que o repouso do fogo, em que elle ardia, Consistia na Nympha que buscava. Os montes parecia que abalava

O triste som das mágoas que dizia: Mas nada o duro peito commovia, Que na vontade de outro posto estava. Cansado ja de andar por a espessura, No tronco de huma faia, por lembrança, Escreve estas palavras de tristeza: Nunca ponha ninguem sua esperança Em peito feminil, que de natura Sómente em ser mudavel tee firmeza.

XV

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não póde tirar-me as esperanças,
Pois mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vêde que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas com quanto não póde haver desgôsto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor hum mal, que mata e não se vê.
Que dias ha que na alma me tee posto
Hum não sei que, que nasce não sei onde;
Vem não sei como: e doe não sei porque.

XVI

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos bellos,
Se não perder a vista só com vellos,
Ja não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;

Assi

Mas eu, por de vantagem merecellos, Dei mais a vida e alma por querellos; Donde ja me não fica mais de resto. que alma, que vida, que esperança, E que quanto fôr meu, he tudo vosso: Mas de tudo o interêsse eu só o levo. Porque he tamanha bem-aventurança O dar-vos quanto tenho, e quanto posso, Que quanto mais vos pago, mais vos devo.

XVII

Quando da bella vista e doce riso

Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz vêr na terra o Paraiso.

Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assi que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.
Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não póde conhecellas.

Pois de tanta estranheza sois ao mundo,

Que não he de estranhar, Dama excellente, Que quem vos fez, fizesse Ceo e Estrellas.

XVIII

Doces lembranças da passada gloria,
Que me tirou Fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz hum'hora,
Que comigo ganhais pouca victoria.
Impressa tenho na alma larga historia
Deste passado bem, que nunca fôra;
Ou fôra, e não passára: mas ja agora
Em mi não póde haver mais que a memoria.
Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devêra ser lembrado,
Se lhe lembrára estado tão contente.
Oh quem tornar pudéra a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.

XIX

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Ceo eternamente,

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Ethereo, onde subiste,
Memoria desta vida se consente,

Não te esqueças de aquelle amor ardente,
Que ja nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que póde merecer-te
Algua cousa a dôr que me ficou
Da mágoa, sem remedio, de perder-te;
Roga a Deos que teus annos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a vêr-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

XX

N'hum bosque, que das Nymphas se habitava, Sibella, Nympha linda, andava hum dia;.

E subida em huma árvore sombria,

As amarellas flores apanhava.

Cupido, que

alli sempre costumava

A vir passar a sésta á sombra fria,
Em hum ramo arco e settas, que trazia,
Antes que adormecesse, pendurava.

A Nympha, como idoneo tempo vira

Para tamanha empresa, não dilata;
Mas com as armas foge ao moço esquivo.

As settas traz nos olhos, com que tira.
Ó Pastores! fugi, que a todos mata,
Senão a mim, que de matar-me vivo.

XXI

Os Reinos e os Imperios poderosos,

Que em grandeza no mundo mais crescêrão; por valor de esforço florecerão,

Ou

Ou

por Barões nas letras espantosos.

Teve Grecia Themistocles famosos;

Os Scipiões a Roma engrandecêrão;
Doze Pares a França gloria derão;
Cides a Hespanha, e Laras bellicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vêmos

Tão differente de seu ser primeiro,
Os vossos derão honra e liberdade.

E em vós, grão successor e novo herdeiro
Do Braganção Estado, ha mil extremos
Iguaes ao sangue, e móres que a idade.

XXII

De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que he ter contentamento,
Se mais ha de perder quem mais alcança.
Mas dou-vos esta firme segurança:

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Que postoque me mate o meu tormento,
Por as aguas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeção,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueção.
Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereção
A gloria que em soffrer tal pena sentem.

XXIII

Chara minha inimiga, em cuja mão
Poz meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Porque me falte a mi consolação.
Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:

Mas em quanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.
E se meus rudos versos podem tanto,
Que possão prometter-te longa historia
De aquelle amor tão puro e verdadeiro;

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque em quanto no mundo houver memoria,
Será a minha escriptura o teu letreiro.

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