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Como o sol faltar soe á redondeza.
Se houverdes qu'he fraqueza

Morrer em tão penoso e triste estado,
Amor será culpado,

Ou vós, ond'elle vive tão isento,
Que causastes tão largo apartamento,
Porque perdesse a vida co'o cuidado.
Que se viver não posso,

Homem formado só de carne e osso,

Esta vida que perco, Amor ma deo;

Que não sou meu: se morro, o damno he vosso.

Canção de cysne, feita em hora extrema,

Na dura pedra fria

Da memoria te deixo em companhia
Do letreiro da minha sepultura;

Que a sombra escura ja m'impede o dia.

CANÇÃO IV

Vão as serenas ágoas

Do Mondego descendo,

E mansamente até o mar não párão;
Por onde as minhas mágoas

Pouco a pouco crescendo,

Para nunca acabar se começárão.

Alli se me mostrárão

Neste lugar ameno,

Em qu'inda agora mouro,

Testa de neve e d'ouro;

Rizo brando e suave; olhar sereno;

Hum gesto delicado,

Que sempre n'alma m'estará pintado.

Nesta florída terra,

Leda, fresca e serena,

Ledo e contente para mi vivia;
Em paz com minha guerra,
Glorioso co'a pena
Que de tão bellos olhos procedia.
D'hum dia em outro dia,
0 esperar m'enganava:
Tempo longo passei;

Com a vida folguei,

Só porqu'em bem tamanho s'empregava.

Mas

que me presta ja,

Que tão formosos olhos não os ha?

Oh quem me alli dissera

Que d'Amor tão profundo

O fim pudesse vêr eu algum'hora!
E quem cuidar pudera

Que houvesse ahi no mundo

Apartar-me eu de vós, minha Senhora!
Para que desde agora,

Ja perdida a esperança,
Visse o vão pensamento

Desfeito em hum momento,

Sem me poder ficar mais que a lembrança; Que sempre estará firme

Até no derradeiro despedir-me.

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E com que defender-me triste espero.

He que nunca sentia

No tempo que fui vosso,

Quererdes-me vós quanto vos eu quero.
Porque o tormento fero
De vosso apartamento,
Não vos dará tal pena
Como a que me condena;

Que mais sentirei vosso sentimento,
Que o que a minh'alma sente.

Morra eu, Senhora; e vós ficae contente.

Tu, Canção, estarás

Agora acompanhando

Por estes campos estas claras ágoas;

E

por mi ficarás

Com choro suspirando;

Porque, ao mundo dizendo tantas mágoas,
Como huma larga historia
Minhas lagrimas fiquem por memoria.

CANÇÃO V

S'este meu pensamento, Como he doce e suave, D'alma pudesse vir gritando fóra; Mostrando seu tormento

Cruel, áspero e grave,

Diante de vós só, minha Senhora;

Pudera ser que agora

O vosso peito duro

Tornára manso e brando.

E então eu, que sempre ando Passaro solitario, humilde e escuro,

Tornado hum cysne puro,

Brando e sonoro, por o ar voando,

Com canto manifesto

Pintára a minha pena, e o vosso gesto.

Pintára os olhos bellos

Que trazem nas meninas

O menino que os seus nelles cegou;
Os dourados cabellos

A

Em tranças d'ouro finas,

quem o sol os raios seus baixou;
A testa que ordenou
Natura tão formosa ;
O bem proporcionado
Nariz, lindo, afilado,

Que cada parte tee da fresca rosa;
A boca graciosa,

Que o querê-la louvar he ja 'scusado.
Emfim, he hum thesouro;

Perolas dentes, e palavras ouro.

Víra-se claramente,

(Oh Dama delicada!)

Qu'em vós s'esmerou mais a natureza. Mas eu, de gente em gente,

Trouxera trasladada

Em meu tormento vossa gentileza;

E sómente a aspereza
De vossa condição,
Senhora, não dissera,

Porque se não soubera

Qu'em vós podia haver algum senão.
E se alguem, com razão,

Porque morres? dissesse, respondêra:
Morro, porque he tão bella,

Qu'inda não sou para morrer por ella.

E quando, por ventura,
Dama, vos offendesse,

Escrevendo de vós o que não sento,
E vossa formosura

Tanto á terra descesse,

Que a alcançasse humano entendimento;
Sería o fundamento

De tudo o qu'eu cantasse,
Todo de puro amor;

Porque o vosso louvor

Em figura de mágoas se mostrasse.
E aonde se julgasse

A causa por o effeito, a minha dôr
Diria alli sem medo:

Quem me sentir verá de quem procedo.

Logo então mostraria

Os olhos saudosos,

E o suspirar que traz a alma comsigo;
A fingida alegria;

Os passos vagarosos;

O fallar e esquecer-me do que digo;

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Hum pelejar comigo,

E logo desculpar-me;

Hum recear ousando;

Andar meu bem buscando,

E de o poder achar acovardar-me;

E, em fim, averiguar-me

Que o fim de tudo quanto estou fallando, São lagrimas e amores;

São vossas isenções e minhas dôres.

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