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Este vivió feliz, rico e buscado de los grandes, residiendo en las cortes ou en una buena casa de campo, en el pais mas bello e civilizado del mundo: y cultivó las letras sosegadamente en los intervalos de los negocios. Camoens por el contrario viveó pobre, perseguido, desterrado, y passó la mejor parte de la vida lejos de su patria, por climas feroces, pudiendo apenas dar al estudio algunos momentos substraidos a la tumultuosa ocupacion de las armas, y acibarados con el disgusto de ver-se mal recompensado e aun maltratado por sus ingratos compatriotas. Advierta-se ademas, que el Petrarca tuvo tiempo para corregir, perficcionar y publicar el mismo sus poesias, lo que no sucedió a Camoens. Quanto debemos ensalzar el ingenio de este poeta, cuando apezar de tantas desvantajas, observamos que el no es inferior, antes bien es superior al primer poeta que ha tenido la Italia en este genero.»

Apesar porém de uma tão grande superioridade eram já passados sete annos depois da morte de Camões e ainda o publico não conhecia divulgadas pela imprensa nenhuma das suas poesias varias, se exceptuarmos a ode vi e a elegia Iv, quando pela primeira vez saíram impressos na officina de André Lobato, moço da capella real, os dois autos dos Amphitriões e de Filodemo. Pelo emprego do editor podemos talvez acreditar que elles fariam parte do reportorio das peças que então se representavam no paço; as outras suas poesias lyricas se conservavam talvez com estupida avareza em cancioneiros manuscriptos, por mãos de particulares nas estantes pulverulentas d'onde mais de uma vez virgens têem feito funebre saímento para se sepultarem no vasto cemiterio da tenda do mercieiro tantas joias preciosas do genio portuguez!

Corria o anno de 1594 quando D. Gonçalo Coutinho, grande amigo do Poeta, e o qual, conforme a asserção de um dos traduclores dos Lusiadas (Paggi), se achava ausente pelo tempo da sua morte, The melhorou a sepultura. Mecheu-se nas cinzas de Camões, e ellas encerravam ainda em si bastante fogo de amor da patria para inflammar os seus compatriotas; a mesma oppressão com que se achavam suffocados pelo jugo estrangeiro deu mais força para reagirem os sentimentos patrioticos que se manifestaram n'este culto ás cinzas do cantor da gloria e independencia nacional, como um protesto reservado contra a tyrannia

que os avexava. Lavrou o enthusiasmo de peito em peito, e começaram logo a queimar-lhe incensos sobre a sepultura, que se reflectiam sobre aquelle que lh'a honrava:

Per muse illustri, e arme, e avi illustri
Ch'al Camoens nella morte fu Mecena.

Era esta a occasião propicia de qualquer emprehendedor tentar a publicação das suas poesias; aproveitou tão bom ensejo o livreiro Estevão Lopes, e no anno de 1595 deu pela primeira vez á luz uma collecção das suas Rimas, as quaes colligiu e ordenou o licenciado Fernando Rodrigues Lobo Surrupita, assim como as achou viciadas por copistas, não se atrevendo a emendar cousa alguma; conhecendo comtudo que muito differentes houveram de saír se Camões as tivesse publicado em sua vida. Foi esta edição princeps das suas Rimas dedicada a D. Gonçalo Coutinho, e n'ella allude o editor, ou antes dá por motivo principal de lh'a dirigir, as honras que acabava de tributar á memoria do Poeta. Escassa é ainda, como era de esperar, esta primeira publicação; admira-me como o editor não recorreu a quem recolhesse o pobre e miseravel espolio de sua mãe fallecida de pouco, do qual deviam fazer parte os autographos do filho por elle corrigidos, pois não padece duvida que tencionava publicar as suas obras poeticas, como claramente se deprehende de alguns sonetos que são como prologos das differentes materias que deviam conter. Existiam mesmo estes autographos? ou o excessivo escrupulo do Poeta, que nos ultimos dias da vida só olhava para o céu e julgava baixas todas as cousas terrenas, com aquelle sentimento religioso e contricto, com que na foz do rio Mecon havia pendurado nos salgueiros a sua lyra profana molhada do naufragio para ficar como trophéu de quem o tinha vencido, julgaria dever de todo despedaça-la, despedindo-se do mundo para se arrebatar nas celestes harmonias, onde, como nos fazem acreditar os seus ultimos contrictos e atormentados momentos, ía entrar no coro de mais suaves cantores? A consciencia timorata da mãe decrepita, para cumprir com o regulamento do tribunal da inquisição que assim o prescrevia, entregaria estas poesias incorrectas n'aquelle tribunal, para obter o placet para a conservação ou publicidade, a qual depois em parte soffreu objecção, e

ali jazeriam? Os religiosos amigos do Poeta, com a frialdade ascetica ou antes com o fogo ascetico que arde mais violento, julgando que as poesias eroticas, maviosas e acaloradas do vate seu amigo poderiam servir de incentivo para peccaminosas intenções, resolver-se-íam, pensando que o grande epico tinha assás conquistado a gloria com o seu poema immortal, a inutilisa-las, fazendo-o passar pelo mesmo sacrificio por que tinham passado outros escriptores do mesmo genero de litteratura não menos apaixonados e adoradores do sexo feminino que depois vestiram o burel do monge?1 Encantado pela locução delicada, novidade da phrase, deteria algum monge illustrado, porventura o proprio Fr. Luiz de Sousa, o braço do executor, qual outr'ora o de Abraham o anjo, e se viesse a uma concordata de ficarem estas poesias confinadas na livraria, em parte reservada, para o estudo da lingua, e onde mais tarde deveriam ser a final devoradas pelo incendio que reduziu a cinzas a sua livraria e mosteiro de Bemfica? São duvidas difficeis de solver e desatar, porque nada nos deixaram dito aquelles que o podiam dizer; comtudo sabemos pelo testemunho dos editores que algumas d'estas composições, com que porventura tinha brindado a amigos, sobreviveram e serviram para as differentes publicações das suas obras; porém, como os mesmos editores não advertiram em nota quaes estas fossem, este ponto fica ainda completamente obscuro, nem póde descriminar-se nas collecções quaes sejam as genuinas e expressamente copiadas dos autographos do auctor.

Fernando Rodrigues Lobo Surrupita, collector e revisor da primeira edição das Rimas (1595), não foi dos mais felizes em encontrar esses originaes ou copias correctas: era este homem douto, conhecedor da lingua de Homero e Virgilio, como demonstra o prologo scientifico que acompanha a edição, e não hospede em poesia, como tive occasião de ver em composições suas manuscriptas. N'aquelle prologo nos declara os motivos que teve para que seguindo o exemplo de Vario e Tuca na Eneida não emen

1 A litteratura portugueza perdeu muito com o sacrificio que alguns religiosos fizeram das suas poesias ao entrar no claustro. As poesias profanas de Fr. Agostinho da Cruz seriam, a meu ver, superiores ás de seu irmão Diogo Bernardes; sobra a este o que falta áquelle, isto é, sentimento. De Fr. Bernardo de Brito ареnas sobreviveu a Sylvia de Lizardo e com nome supposto. Que versos não seriam os do poetico archi-prosador portuguez, Fr. Luiz de Sousa? Não faço mais longa enumeração porque é desnecessaria.

dasse cousa alguma, dando satisfação ao leitor que o não fazia por ignorancia. E com isto não resta mais, que, lembrar que os erros que houver n'esta impressão, não passaram por alto a quem ajudou a copiar este livro; mas achou-se que era menos inconveniente irem assim como se acharam, por conferencia de alguns livros de mão, onde estas obras andavam espedaçadas, que não violar as composições alheias, sem certeza evidente de ser a emenda verdadeira; porque sempre aos bons entendimentos fica reservado julgarem, que não são erros do auctor, senão vicio do tempo e inadvertencia de quem trasladou». E mais adiante: Porque em effeito é confundir a substancia dos versos, e conceitos do auctor, com as palavras e invenção de quem emenda, sem ficar ao diante certeza se o que se lê é proprio, se emendado. E por isso se não buliu em mais, que só n'aquillo que claramente constou ser vicio de penna; e o mais vae assim como se achou escripto, e muito differente do que houvera de ir se Luiz de Camões em sua vida o dera á impressão».

Com esta fidelidade pois, conservando-se os erros das copias, se imprimiu esta primeira edição, levando-se o escrupulo ao ponto de conservar errado o titulo de uma poesia, dizendo-se dirigida a El-Rei D. João II, quando pelo conteúdo da mesma se sabe ser dirigida a D. João III.

Esta edição, que deveria saír pelo meado ou fim do anno de 1595, porque só em dezembro de 1594 estava passada a licença para a impressão, foi avidamente aceita do publico e se extinguiu promptamente em menos de dois annos, porque já em 8 de maio de 1597 estava passada a licença para nova impressão que teve logar no anno de 1598. No prologo se diz ter-se retocado a antecedente, fazendo desapparecer os erros que n'ella se tinham introduzido por culpa dos originaes, e que para este fim communicára com pessoas que o entendiam conferindo varios originaes. Reuniram-se n'esta nova collecção algumas poesias ineditas e entre estas appareceram pela primeira vez as cartas em prosa e a satyra do Torneio.

Dezoito annos decorreram até apparecer a segunda parte, promettida alguns annos antes no prologo da edição de 1607, e publicada por industria do livreiro Domingos Fernandes, com o auxilio pecuniario fornecido pelo arcebispo D. Rodrigo da Cunha, e da qual se tiraram mil e quinhentos exemplares; levou

o editor sete annos em ajuntar as poesias que acrescentou, por andarem espalhadas por mãos de diversas pessoas, mandando vir umas da India, como já anteriormente havia feito, e subministrando-lhe outras alguns fidalgos e varias pessoas curiosas. Por este tempo (1615) imprimiu os Cantos da Creação do Homem, e estando impressos lhe affirmou o arcebispo não serem de Luiz de Camões; porém como estavam já impressos, era obra boa e andava em seu nome, os deixou ir. Hoje podemos afoutamente asseverar não lhe pertencer, mas sim a André Falcão de Resende, sobrinho do celebre antiquario André de Resende; mais adiante o mostraremos com toda a evidencia.

Antes do anno de 1621, porque o seu segundo borrador é escripto n'este anno, tratava Manuel de Faria e Sousa de colleccionar tudo o que podesse encontrar de obras de Camões, melhorando-as dos erros introduzidos á vista de manuscriptos que percorreu, e dos quaes havia feito uma abundante colheita; porém a morte ou embaraços atalharam este seu proposito, e ficaram estas com os seus commentarios posthumas, e saíram o primeiro volume no anno de 1685 e o segundo no de 1688.

N'este intervallo, isto é, no anno de 1668 saíu á luz a terceira parte publicada por D. Antonio Alvares da Cunha, fidalgo illustre que em sua casa reunia uma academia, pertencente a uma familia em que o valor e a sciencia se deram as mãos; foi esta nova collecção de poesias ineditas, muitas copiadas sobre os proprios autographos de Camões, dedicada ao principe D. Pedro, então regente, e que depois foi rei de Portugal segundo do nome. N'esta collecção uma grande parte das poesias que foram de novo acrescentadas estavam na collecção manuscripta de Faria e Sousa, como tive occasião de examinar, por onde vemos que ao editor foram presentes em parte as mesmas collecções que ao commentador de Camões..

No anno de 1685 saíu por fim o commentario de Faria e Sousa enriquecido ainda de novas poesias, acrescentando principalmente nos sonetos, e emendando as edições anteriores; porém com a sua publicação ficaram ainda manuscriptas outras poesias ineditas, das quaes mais tarde se deveria imprimir uma parte.

No anno de 1779 publicou a antiga casa dos srs. Bertrands, estabelecida em Lisboa, uma nova edição das obras de Camões,

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