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que viessem varar em terra. Mas já a este tempo vinhão sobre ella huma nuvem de Lanchas, e sete ou oyto Naos pera lhe tomar a terra: e os Marinheiros estavão tão perdidos de animo, que se deitavão ao Mar tratando só de salvar as vidas. Todavia encalharão a Nao mas sercada já de Lanchas, e como era baixa mar ficou tão longe que lhe não podia valer a Arcabuzeria das trincheiras. Vendo o Governador es te perigo chamou seu filho, que he hum moço de quinze annos bem esperto, e mandoulhe que se mettesse na agoa e fosse socorrer a Nao. Foy o moço voãdo, e traz elle todos quantos estavão co pay, e metidos na agoa derão tantas e tays cargas de Arcabuzeria nas Lanchas, que com seu dano as fizerão sair pera fóra: que se assi não fora sem duvida a tomavão. Porque o capitão e mais gente vinhão todos doentes, e com este acidente ficarão desacordados. Então os enemigos vendo-se frustrados desafogarão a rayva com Artilheria descarregando sobre a Náo muyta copia de bombardadas que não fizerão mais efeito que matar hum homem e ferir dous. Passada esta trovoada acudirão de novo as Lanchas com huma Badeira branca chegandose muyto á Não. Mas da estãcia do filho do Governador lha fizerão vermelha com novas surriadas, ajudando-se de tres peças de Campo que o Governador mandou trazer das trincheiras, com que as fez afastar.

Neste tempo tinha ido hum Pataxo avisar o Conde General, que deu de alviçaras huma Naveta de Indias, que tinha tomada. E logo se fez á vela só com a Capitana! Entretanto o Governador porque não cessava a bateria sobre a Náo fez trazer por terra dous Barcos em carros: porque por mar não podia ser, e lançando-os por entre os penedos, onde os nossos estavão na agoa. mandou nelles Manoel de Escovar Capitão da Artilleria pera recolher toda a Munição, e Artilheria, e dar ordem na descarga della.

Não cessava a bateria de todas as Naos enemigas, com tudo a seu pesar se poserão em terra setenta Arcabuzes e Mosquetes, e dezoito barris de Polvora, de que entre os nossos se sabia aver muyta falta, e por isso fez o Governador publicar que erão oytenta, salvarãose mais de trinta mil Cruzados em Reales e muytas fazendas. Andando os nossos n'esta ocupação apareceo hum Navio que parecia de Indias polla derrota da Não, e podendo bem chegar onde ella, e os nossos estavão, foy se por sua vontade dar a travez em huma rocha, salYou-se a gente.

Chegando a noyte, e os enemigos apostados a entrar a Nao, e os de dentro impossibilitados a defendella, sayo o Capitão em terra, e deu conta ao Governador como a Não não vinha pera fazer viagem, por aver dous annos que andava no Mar, que partira do Reyno em Abril de 96 em companhia do Conde da Vidigueira e arribara a Brazil e Indias, e trazia poucas fazendas, e que quando os enemigos a não tomassem, com a Artilheria a desfarião. Assentarão dar-lhe fogo tanto que a despejassem de tudo o que se pudesse tirar até a prima noyte,

e o Capitão como vio tempo lho mandou por. Ardendo a Não estando os nossos sempre em armas até se abrasar de todo, porque se vinhão a ella muytas Lanchas: chegou o Coude à vista, e vendo o fogo tornouse ardendo de rayva blasfemando e ameaçando, segundo despois se soube, os autores de tal obra.

Aos dezoito amanheceo queimada, e a Capitana do Conde tornou a aparecer da parte da Villa, e tirando trez peças recolheo-se: ao qual sinal se forão levando as Naos todas naquella volta. Julgando o Governador que o enemigo queria juntar suas forças, e tentar o caminho de terra (como depois soube de certo sua tenção) tomou tres companhias de Infanteria: duas da Cidade Capitães Martim Anes Rapozo, e João Velho Cabral, e outra da Villa da Ribeyragrande Capitão Nuno Bicudo: e o Capitão Alexandre com a cavallaria, e foyse ao longo da costa sobre a Armada, onde alojou á noyte mandando pôr cavallos em paradas, pera ter aviso do movimento que o enemigo fizesse.

Aos dezanove, que foy ao Domingo amanhecendo caminhou o Governador a grande pressa pera Villafranca, e fez alto em hum monte, donde bem descobria a Armada e era descoberto della. Daqui despedio duas quadrilhas, que em anoytecendo tocarão arma na Villa apertadamente. E foy de tanta importancia, que tendo-se já começado a embarcar do dia antes à surda, acabarão de o fazer esta noyte quasi a nado, deixando na praya a Artilheria da Villa, e hum sino que já tinhão prestes pera levar, e muyta parte da agoada, e quatro cavallos do Conde General. O Governador tinha posto em conselho ajuntar toda a gente, e dar sobre o enemigo aquella noyte, tendo por sem duvida poder degolar todos os que estivessem em terra. Esteve duvidoso por ser a gente bisonha, e mal destra para retiradas: todavia co bom animo que todos tinhão cobrado dos bons successos, resolveo, e pôs em ordem dar sobre elles a noyte seguinte com segundo recado que esperava das quadrilhas: o qual veo de serem embarcados todos, e feitos á vela.

Aos vinte entrou o Governador na Villa, onde achou só a gente das suas quadrilhas, visitou-a toda, não ouve dano de consideração: levarão o trigo, e roupa que ficou nos Mosteiros de Frades, e Freiras de S. Francisco. e o Retabolo da Igreja das Freiras, e até quatro mil quintaes de Pastel de particulares, e quebrarão o Sacrario da Igreja Matriz. O Governador dando ordem a encavalgarse a Artilheria, e inandando chamar pera a Villa as companhias dos moraderes, tornouse á Cidade, onde visitando as estancias despedio a gente, que avendo doze dias, que estava nellas, mostrava animo, gosto de estar todo o

inverno.

He de notar neste successo, que vindo o enemigo buscar a frota de Indias, cousa de tanta importancia, a perdeo por vir a esta Ilha. E vindo tão confiado em conquistar a Ilha, que affirmava o Conde, que lhe bastava pera ella huma só hora, não tomou della mais o

que se lhe largou com bom conselho, não se atrevendo a cometer as trincheiras depois de ter a gente nas lanchas, nein a marchar por terra, quando esteve desembarcado em Villa Franca, e não se podendo queixar do tempo, que onze dias continuos lhe foy bonança.

He outro si de notar, que trazendo tamanho poder e batendo com Artilheria as trincheiras desda hora que surgio até que se levantou, com que lançou nellas mais de seiscentas balas, não ouve morto, nem ferido, nem quem deyxasse de mostrar muyto esforço sendo gente bisouba, e não pagada. Não ouve briga,,nem discordia, mas muyto amôr, e conformidade entre todos reconciliando-se muytos, que dantes erão enemigos. E ainda que muyta parte disto se deve à vigilancia que o Governador por si, e seus officiaes tinha a principal, e mais evidente naceo da resolução que todos tomaram, que pelejavão pella fé de Christo contra Ereges de que já sabião que avião queimado as Igrejas das Ilhas do Fayal, e Pico. Para o que todos se confessarão, e comungarão determinados a morrer honradamente: excitandoos a isso os Padres da Companhia de Jesus, que sendo só sinco no Collegio que tem n'esta Cidade, nunca sayrão das trincheiras de dia, nem de noyte, confessando e animando os soldados. No que tambem ajudarão com cuydado os padres de S. Francisco, e o vigario de S. Pedro.

Importou muyto o cuydado que o Governador teve em prover de mantimento os soldados nas estancias, não os deixando nunca alargar dellas mandando lhes trazer o pão amassado, e o mays necessario dos lugares do sertão de maneyra, que nunca se sintio falta. No que fizerão muyto serviço o Lecenceado Pedro Affonso de Figueiredo Juiz de fora, e o Lecenceado Matheus Enriques Ouvidor, mandando de mays fazer muytas farinhas, e biscouto, para o que podia succeder. Não importou pouco a determinação que o Governador tomou em não tirar da Cidade em todo este tempo sua molher Dona Hieronima: animando-se todos com sua presença, e valendo-se os pobres de sua fazenda, sem embargo que tinha aposento feito na fortaleza.

LAVS DEO

HISTORIA DO

SVCCESSO

QVE NA ILHA DE

S. MIG VEL OVVE COM

ARMADA INGRESA QVE
sobre a ditta Ilha foy, sendo Gouer-
nador della Gonçalo Vaz Cou-

tinho fidalgo da casa de

S. Magestade, & do

seu Conselho.

Dirigida à Magestade Real de Dom
Phelippe Terceiro de Por-
tugal deste nome.

Escrita pello mesmo Gonçalo Vaz Coutinho, natural da Villa de Santarem.

Com todas as licenças necessarias.

EM LISBOA

Por Pedro Craesbeeck Impressor del Rey,
Anno 1630.

Vi esta bistoria, não tem cousa que encontre nossa santa fé bons costumes: servirá de documento aos que se virem em semelhantes conflictos de guerra, pello que se lhe pode dar licença que pede pera se imprimir. Em S. Domingos de Lisboa em 10 de junho de 630. Fr. Thomas de S. Domingos, Magister.

Vi esta historia do successo que ouve na ilha de S. Miguel com a armada Ingreza que sobre ella foy, sendo governador della Gonçalo Vaz Coutinho, fidalgo da casa de sua magestade, e do seu conselho não tem consa que encontre nossa santa fé, e bons costumes, antes está cheya de muitos exemplos, com os quaes se mostra o grande valor, e destreza com que naquelle tempo os governadores, capitães, e soldados portuguezes defendião, e conservavão o nome immortal, honra, e gloria, que os antigos d'este reyno com façanhas mais que humanas. ganharão. Nem diminue o credito que se deve a esta hitoria ser composta pello governador que alcançou esta victoria, rebatendo a furia de 140 ou mais vellas com tanto animo, valor, e destreza, como não diminuio o que fe dão aos commentarios em que Julio Cesar escreveo suas victorias e doutros capitães insignes, que seguirão o mesmo exemplo. Pello que me parece mui digna de se estampar. Lisboa nesta casa de S. Roque da Companhia de Jesu 24 de junho de 930 (aliaz 630). Doctor Jorge Cabral.

Vistas as informações podese imprimir esta histria, e despois de impressa torne conferida com seu original pera se dar licença pera correr, e sem ella não correrá. Lisboa aos 25 de Junho de 1630.

Gaspar Pereira-Fr. Antonio de Sousa.

Dou licença pera se poder imprimir esta historia. Lisboa ao primeiro do mez de junho de 1630.

João Bezerra Jacome, Chantre de Lisboa.

Que se possa imprimir este livro, visto as licenças do santo Officio, e Ordinario que offerece, e depois de impresso torne pera se taxar, e sem isso não correrá. A 12 de junho de 630.

Araujo Cabral-Salazar.

Está conforme com seu Original. Em Lisboa nesta casa de S. Roque da companhia de Jesu, em 19 de agosto de 1630.

1630.

D. Jorge Cabral.

Taxe-se este livro em sessenta reis. Em Lisboa 19 de agosto de

Araujo Cabral-Salazar-Pimenta d'Abreu.

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N.° 56 Vol. X-4888

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