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Advertencia Preliminar

A Ilha Terceira, Colonia da Monarchia Portugueza, e uma das que se chainão dos Açores, e adjacentes ao Continente Europeo, não tem merecido até agora aos Historiadores Nacionaes, nem aos Geografos, e Cosmografos estranhos aquellas attenções, que a Filosofia, e a Politica Economica lhe deviam ter dado. A lembrança, que lhes fazemos deste descuido, e omissão, talvez desperte a sua curiosidade; e se esta dembrança não bastar, talvez que a presente situação Politica d'aquelle Povo tenha mais poder, e mais efficacia para chamar sobre elle as attenções do Reino de Portugal, e de todas as Potencias civilisadas da Europa. Pela sua posição geografica foi aquella Ilha um dos seus importantes descobrimentos dos antigos Navegadores, e Circumnavegadores Portuguezes: apenas descoberta, a Patriotica perspicacia dos nossos Maiores, tão distinctos pelo seu verdadeiro Patriotismo, reflectiudo sobre a doçura do clima, salubridade do ar, fertilidade do sólo, cuidou desde logo na sua povoação. Homens, Animaes, Instrumentos de Lavoura, e de Architectura, tudo foi logo transportado para alli para augmentar o bem geral da então mui florescente Monarchia. Os facinorosos não foram os primeiros, e forçados Colonos d'aquella nova acquisição; mas sim Familias mui distinctas deste Reino, cujas linhagens ainda hoje subsistem, e se conhecem pelos seus Nobres Appellidos Portuguezes; e por isto se pode dizer que a sua civilisação he coeva, e até originaria, e que o seu caracter physico, e moral é o mesmo dos antigos Portuguezes, a cuja imitação os Terceirenses sempre manejaram bem o ferro do arado, e nunca mal o da espada, e arcabuz, quando as circumstancias o pediam, sendo por tanto injusta a inculpação de pouco ralerosos, que alguem lhes faça. A sua situação dentro de muralbas, levantadas pelas ondas do Oceano, isentando-os da precisão de combater, os convidava ao exercicio de cultivar, fazendo que o seu recinto fosse desde logo hum dos melhores Celleiros do Reino. como a Sicilia o foi da Italia antiga; mas a sua coragem nunca faltou na occasião: a população, e primitiva defensa na Ilha de Sancta Catharina na America do Sul provão plenamente esta verdade.

Fallando particularmente do caracter Portuguez d'estes Colonos, be preciso collocar no lugar mais distincto, ou no primeiro a sua fidelidade como Vassallos. Desta fidelidade temos dous antigos, e memorandos Quadros, a Restauração d'aquella Ilha pelos sens proprios filhos, arrancada do dominio de Castella, e entregue ao seu Legitimo Rei o Senhor D. João 4.o, e o amor, respeito, e homenagem, com toda a filial ternura, ao Senhor Rei D. Affonso 6.° no tempo da sua detenção aquella Ilha. Ainda hoje os moradores d'Angra conservão huma pro

funda reverencia ao lugar, ou pedra, em que o mesmo Augusto Senhor se assentava, quando alongava a sua vista pelos mares.

Esta mesma fidelidade aos Soberanos, acompanhada sempre de um igual amor à Mãi Patria, alli se conserva como herança até ao dia de hoje, apurando se ainda mais no horrendo captiveiro, em que tem gemido, e vão gemendo nas mãos de verdadeiros cannibaes. Antes d'es ta fatal epoca era mais uma prova da sua lealdade o augmento das Rendas do Estado, cujos remanecentes, depois de pagos com a maior pontualidade todos os Empregados Publicos, entravão no Real Erario em sommas avultadas.

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Este era o aspecto natural. e verdadeiro da Ilha Terceira, antes que o assalto, e dominação de barbaros Flibusteiros a fizesse uma terra de desolação, e de miseria, coberta de estragos, Inctos, e ruinas. Nenhum outro objecto tem o presente Opusculo mais do que mostrar a Portugal, e ao Mundo todo, se possivel for, este lastimoso Quadro, desenhado sobre o fundo d'aquella tão incorrupta fidelidade, e patriotismo; e não só fixar sobre elles as attenções, e considerações dos Povos civilisados, mas desafiar, e merecer a compaixão dos homens sensivéis.

Este mesmo Quadro, pela sua incontestavel verdade, e singeleza convencerá a todos, que sinceramente o analysarem, que aquelle ponto de reunião dos Rebeldes, fugitivos de Portugal, e banidos pela Lei, não tem outro fim mais, do que inculcar ao Mundo que existe effectivamente huma dissidencia. em alguma parte da População do Reino: e que, se não conhecem universalmente os Direitos, que' chamárão ao Throno, e hão de conservar no Throno O Nosso Augusto Monarcha, Senhor D. Miguel I, inculcação, que elles mesmos destroem com os seus procedimentos, todos encaminhados ao transtorno, e anniquilação da Monarchia Independente.

Os mesmos fautores daquella Rebellião, os mesmos, que applau direm aquelles estragos, aquella ferocidade, que reduzio a Ilha Terceira a hum Calabonço, ou Cemiterio dos seus habitantes, não poderão taxar de acrimonia qualquer expressão, que aqui se encontre, porque nenbuma ha, que chegue a igualar o negrume da traição de muitos, da perfidia descoberta de alguns, da venalidade de não poucos.

Finalmente, depois de apresentar ao respeitavel Publico a fatal Historia do malfadado Realismo da Ilha Terceira, minha cara Patria. lisongear-me hei com a esperança de satisfazer a sua curiosidade pelo conhecimento da gravidade, e transcendencia do assumpto.

FATALIDADES

DO

POVO DA ILHA TERCEIRA

Desligado do Serviço Militar pela minha reconhecida adhesão à Causa da Realeza, eu me achava na Ilha Terceira, minha Patria, quando no dia 18 de Maio de 1828 o Realisino, peculiar caracter dos mens Patricios, e sua bem remarcavel constancia em tão louvaveis sentimentos, desenvolvendo-se naquella parte, bem como em todas as mais da Monarchia Portugueza, dos perigosos laços, que lhe tinha armado a fatal Revolução de 1820, e repetido a de 1826, se manifestou a impulsos do amor mais decedido para com a Augusta Pessoa do Senhor D. Miguel, e espontaneamente Ò Acclamou=Unico, e Legitimo Rei Absoluto de Portugal, e seus Dominios. Dia para sempre glorioso aos Terceirenses, pelo seu fiel desempenho de tão sagrado dever, apezar de ter sido o fatal preludio da pesada escravidão, que lhes roubou o exercicio de sua gostosa obediencia ao melhor de todos os Gover

DOS.

Quaes sejam os males, que de uma Revolução sempre se seguem, o sangue, e os sacrificios, todo o mundo os suppõe; quaes sejam porem os sacrificios, as perseguições, os roubos, os incendios, as mortes, e finalmente a devastação, que esta, de que tracto, tem causado aos desgraçados habitantes d'aquella malfadada Ilha, isto tudo é o que eu supponho que fora d'ella se ignora; e esta ignorancia, filha certamente da escacez do que sobre este consideravel objecto se tem escripto, é o principal motivo, que me obrigou, como testemunha ocular, e partecipante da mesma sorte de seus revezes, e encontros, a tomar sobre meus enfermos, e desfallecidos hombros o presente trabalho, que nem no tanto, ou quanto elle me seja glorioso, deixará de ser um reconhecido tributo justamente pago a imparcial justiça. Com esta mesma imparcialidade deploro a dura precisão de personalisar alguns sujeitos, de quem muito mais estimaria ter motivos para louvar suas acções, N.° 56 - Vol. X - 1889.

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do que para as censurar; e como não possuo o apreciavel dom da infalibilidade, se me enganar nesta parte, os mens juizos, os meus erros serão filhos do meu entendimento, não da minha vontade: meu maior empenho é pela pureza da verdade, que, em descredito da minha Patria, tanto se tem pertendido occultar.

Dias de algum prazer foram no entanto os que decorreram desde o mencionado da nossa gloriosa Acclamação até 22 de Junho immediato. Disse de algum, não de todo o pezar, porque desde logo mui bem se descobrio a opposição, com que os Rebeldes simultaneamente começaram a contravir nossas idéas. maquinando solapadamente, em quanto à totalidade da População, absorvida na ligeira idéa de ter pa tenteado o fundo de seus leaes corações, se entregava a demonstrações publicas de regosijo, sem duvida não menos expressivas, que as mais solemnes de qualquer parte deste Reino por tão plausivel moti vo: demonstrações sem a mais leve mistura de espirito de provocação. ou desobediencia ás Authoridades constituidas: digam em contrario o que quizerem nossos inimigos, que de nossa candura, e justiça tiraram aleivosamente os falsos motivos de aguçarem os seus traidores punhaes, com que nos foram traspassando.

Approximado o fatal dia 22 de Junho, era então bem conhecida por symptomas nada equivocos a explosão, que ameaçava todo aquelle infeliz Povo, que abandonado das principaes Authoridades, entregue a si mesmo, não tendo a quem recorrer, tão pouco atinava com o remedio a tanto mal. Via-se o descaramento, com que o Capitão de Milicias, e o maior Proprietario dos Açores, Theotonio d'Ornellas Burges Avila; Pedro Homem da Costa e Noronha, e Manoel Homem, irmão do segundo, e ambos primos do primeiro; Manoel Joaquim Nogueira, Advogado; e outros mais fazião os sens Clubs no Quartel do Capitão de Artilharia, Luiz Manoel de Moraes Rego, aonde concorriam varios Sargentos de Caçadores do 5.o Batalhão, a quem tambem se tratava de dispôr para a revolta. Notava-se que o Capitão General d'aquellas Ilhas, apenas com a remoção do dito Moraes para a Villa da Praia, cinco legoas distante da capital. tinha pertendido obstar a tão perigosas renniões ficando impunes todos os mais complices, que a seu salvo progrediam pelo mesmo caminho da rebellião, Não se ignorava que o mesmo General sabia das fallas sediciosas, que o Capitão de Caçadores do 5.o, José Quintino Dias, dirigio à sua Companhia contra a Legitimidade do Senhor D. Miguel; e que fazendo-lhe eu advirtir por Antonio Furucé Tavares, seu intimo amigo, a urgente necessidade de punir com promptidão este traidor infame. para evitar as funestas consequencias de tão perigosos arrazoados, elle permanecia impune, e sem ser ao menos reprehendido. Recordava se que os principaes Delegados do Poder Real, tinhão sido mandados para alli pelo Conde de Subserra, homem reconhecidamente Liberal; que por isso mesmo elles tinhão desde logo desmerecido, e successivamente aggravados contra si a o

pinião Publica pelos procedimentos, com que desde a sua chegada áquella Ilha não havião feito mais do que aplanar a estrada, por onde um dia devião marchar em grande frente as Fileiras revolucionarias, dispersando até com extreminios o Batalhão de Linha da Capital, que n'aquella parte da Monarchia era o sustentaculo, e apoio da Diguidade Real; diminuindo notavelmente os Regimentos de Milicias, que estavam engrossados por Soldados, não menos affectos á Realeza, e adestrados na disciplina, por terem servido na 1.a Linha: vião-se alguns Officiaes d'estes corpos destituidos da sua auctoridade, e influencia pelo mao tratamento. que soffrião; e finalmente foi desenganado todo aquelle maifadado Povo sobre a sua infeliz sorte, quando vio que pessoas da maior consideração, e respeito, levando á presença das Autoridades as mais attendiveis reclamações pela segurança geral d'aquella Ilha, tão horrivelmente ameaçada pela manutenção do solemne juramento de Fidelidade. e Obediencia, que os seus habitantes, à maneira de todos os mais Portuguezes, tinhão livremente prestado ao Nosso Legitino Monarcha, o Senhor D. Diguel 1.°, ellas nada poderão conseguir, mais que frivolas respostas, infalliveis annuncios de sua inevitavel rui

na.

Verdade é que a multidão immensa dos Leaes, comparada na mente dos Conspiradores com o seu pequeno numero, de alguma sorte os fazia desmaiar, e confundir; mas bem de pressa lhes dèo todo o alento a manifesta apathia das mesmas Autoridades, que astuciosamente se tinhão collocado entre as duas oppostas Causas, não dando a seus Agentes nem castigo, nem favor: criminosa innacção, da qual os Conspirantes, conhecendo a vantagem, não perderam tempo em fazer despedir o primeiro raio da imminente tempestade, que havião condensado. Um grupo de Soldados de Caçadores do 5.o, amotinados sem obediencia, nem respeito aos Officiaes, que julgavão fieis ao Senhor D. Miguel, apparecèo na manhã de 21 de Juuho, e levantou o grito da Revolta. Então foi que se pertendeo dar algumas providencias; mas que providencias? Expedio-se pelas duas horas da tarde o Major de Milicias Autonio Moniz para a Villa da Praia, com ordem de reunir, e trazer seu batalhão, que alli tem sua Praça, e se remefica a distancia de seis legoas: maudarão se reunir á noite na extremidade da Cidade alguns Milicianos; porem sem Officiaes, que os commandassem: fizeram-se juntar algumas ordenanças nos mesmos sitios; mas a todos fallava polvora, e não tinhão pederneiras.

Mais audazes, por verem estes irrisorios meios de atacar um inimigo, já descoberto, estes ridiculos obstaculos aos seus progressos, os Rebeldes, senhores de toda a artilharia, armazens militares, e do Castello, prendendo o Governador d'aquella Fortaleza, o capitão de Fragata, Theofilo Rogerio d'Almeida, e bem assim os dignos capitães do nesmo 5. de caçadores, Francisco de Paula da Cunha, Patricio José Abranches, e o Tenente do dito 5.°, José Manoel de Paiva e Carvalho,

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