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mento de tantos desastres, tinhão involuntariamente cahido em tanta languidez, e apathia, que não podiamos atinar por onde resurgissemos; e para cumulo da nossa fatalidade tendo pesado constantemente, com bem poucas excepções, sobre mim, e sobre Almeida todas as despezas da guerra, ellas crescendo com o tempo, tinhão já chegado ao ponto de exceder, e arruinar tauto as minhas posses, que sem muito penosos sacrificios eu não as podia renovar. A Nobreza do paiz presa, ou expatriada, e privada ao mesmo tempo dos seus rendimentos com poucos meios de acudir as suas proprias necessidades, tampouco nos podia prestar seus auxilios, a pezar dos seus maiores desejos; e bem que o nosso digno patricio, cujo nome convem subtrahir-se, para sua segurança, ao conhecimento dos rebeldes, nos offerecia alguns contos de reis, nós não nos animamos a acceitar esta offerta, em quanto não vissemos una occasião, que nos affiançasse o seu proveito.

No meio de tudo isto ainda a avidez insaciavel, com que os rebeldes lançavam mão do alheio, e a repugnancia, que elles mostravão para tudo, que não era vicio, ou interesse, nos suscitaram a idéa, de que com umas chaves de ouro poderiamos abrir, e penetrar o seu criminoso recinto, sendo isto manejado com a precisa intelligencia, e acompanhado de lisongeiras esperanças. Para este intento nos parecer mais facil, o traidor Cabreira, que por então se entretinha em massacrar os Povos com a maior parte do 5.o Batalhão, não pernoitava na Praça, e ao mesmo tempo existião nella alguns recrutas filhos do paiz, que estavam promptos a favorecer nosso projecto. Consistia este em vêr se, ajudados de alguns de dentro, podiamos introduzir nesta praça uns dous mil homens, e distribuir-lhes o armamento, que alli ha. Por intervenção de pessoas proprias não houve demora em se dar principio a este negocio. Nossas propostas não encontraram repulsa, mas quando tudo isto estava a concluir-se eis que por definitivo azar da nossa sorte chega de Inglaterra uma embarcação com a official noticia da proxima chegada do traidor Saldanha; o que foi bastante para fazer retractar os individuos, com quem nos tinhamos intelligenciado, e ficarem de todo baldadas estas nossas esperanças. Pasme o Mundo á vista de tanta adversidade; mas conheça o mesmo Mundo que elle foi só o nosso crime, porque de outro qualquer nesta materia ninguem pode com justiça arguir-nos.

Não me demoro em particularisar as circunstancias occorridas at respeito das duas fragatas inglezas, que em Janeiro de 1829 se apresentaram a bloquear a Ilha Terceira, para obstar que os rebeldes do Porto, emigrados em Inglaterra, sahindo d'alli, como sahiram debaixo. do commando do traidor Saldanha, com passaporte para o Rio de Janeiro, aportassem, como intentavam, naquella Ilha, illudindo o Governo Britanico. Mas não me posso dispensar de publicar que, se o primeiro Commandante d'aquellas forças foi exacto em cumprir as ordens do seu governo, repellindo até com meios violentos o mesmo Saldanha

do porto da Villa da Praia, aonde estava já proximo a desembarcar, o outro Commandante, que depois o substituio, teve uma bem opposta conducta, pois foi debaixo do seu bloqueio, quando mesmo estava fundeado no porto de Angra, que alli à sua vista desembarcou. não só um grande numero de rebeldes, vindos de Inglaterra, mas tambem artilheria, e mais petrechos de guerra.

A' vista de tão seguidas, invariaveis, e para mim já invenciveis fatalidades, eu nada tinha já a emprehender no recinto da minha agrilhoada Patria. Minha existencia não me podia ser mais insopportavel: minha vida não podia achar-se em maior risco: minhas relações no interior já nada mais podiam produzir, do que trabalhos, e perigos para os individuos, com quem me communicasse. Era indispensavel por tanto o retirar-me, não só para evitar aquelles males, mas para empregar os meus debeis serviços, e exercitar os meus inesgotaveis desejos, aonde pudessem utilisar aos meus Patricios, à minha nação, e ao meu Soberano. Assim no meio de tantos precipicios, por entre innumeraveis espiões, traspassado de pungentes lembranças da minha cara Patria, da minha infeliz familia, e dos meus leaes amigos, deixei na noite de 15 de Fevereiro de 1829 aquella malfadada Ilha entregue por um rigorosissimo destino à ferocidade de Leões, embarcando-me em um pequeno Navio Inglez, que na manhã do dia 18 me lançou em Ponta Delgada, capital da Ilha de S. Miguel.

Recebido alli pelo capitão general Prégo, e tendo-me elle ouvido sobre o que se passava na Terceira. sein demora me expediu para Portugal com despachos para o Ministerio. Chegado a este reino, en fui apresentado ao Soberano pelo Ministro, Conde de Basto, no dia 20 de Março e aqui é impossivel descrever o Real Agrado, Affabilidade, e Paternal acolhimento, com que Sua Magestade Se Dignou Receberme, Ouvir-me, e Interrogar me, até nas mais minuciosas circumstancias, e occorrencias, Mostrando o maior interesse, e o mais decidido zélo pelo livramento da minha Patria. D'estas minhas informações, dadas ao melhor Defensor dos bons Portuguezes, se seguio a Regia Determinação, que fez augmentar sem demora a guarnição de S. Miguel; sabia medida, pela qual se transtornaram os planos, com que os rebeldes se propunham revolucionar aquella Ilha; e os limitou ao unico cuidado de se fortificarem contra as forças de uma Expedição, que se. preparava para castigar a sua rebeldia; o que elles não ignoravam, por que por via de Inglaterra eram amiudadas vezes instruidos do que se passava neste Reino, não obstante estarem bloqueados pelas nossas embarcações.

Reunida esta expedição em S. Miguel, e chegado o momento de navegar ao seu destino, eu, que nella me achava, fui ainda mais esta vez ser espectador de um fatalissimo lance, que me esperava. Embora se attribua ao quer que seja o máo successo desta expedição, eu como presente testemunha, que fui, de tudo, que se obrou, e deixou

de obrar, asseguro firmemente ao mundo todo que elle não foi resultado de outros principios, senão de muito máo serviço, que então fizeram a Sua Magestade aquelles, a quem O Mesmo Augusto Senhor Incumbio o Resgate da desditosa Ilha Terceira; porque elles não empenbaram aquelles poderosos meios, que lhes foram confiados, aquella pericia militar, de que não poucas vezes tem dependido o feliz exito de muitas maiores conquistas, e emprezas muito mais difficultosas. Tenho apresentado, ainda que algum tanto em morte côr, ao respeitavel Publico um abbreviado, mas verdadeiro quadro das fatalidades do Povo Terceirense, e do miserando estado, a que a tyrannia de um puubado de rebeldes, conservada, e nutrida á sombra de uma indolencia mysteriosa, o tem reduzido, fazendo-o gemer na mais abjecta escravidão, não pelos seus erros, nem pelos seus crimes, mas pelos seus virtuosos sentimentos, pela sua religiosidade, pela sua pureza de costumes, pelo seu decidido patriotismo, pelo seu excessivo amôr, e incorrupta fidelidade ao seu Legitimo Soberano; remontando-se a tal ponto a sua desdita, e violencia da sua sorte, que com o suor do seu proprio rosto é obrigado a prolongar a existencia dos seus verdugos, podendo dizer, sem receio de se enganar, que de um tal estado de miseria, e aviltamento o não quizeram tirar aquelles, a quem por Sua Magestade estava incumbido este sagrado dever.

Não penso que depois de tantos esforços praticados por aquelle desgraçado Povo, para obter a sua liberdade, tenha algum ainda que desejar delle, para justificar sua virtuosa conducta. Se penuria, e indigencia? Que mais que aquella, a que se acha reduzido pelos roubos, estragos. e sequestros, que os eus inimigos lhes tem feito! Se sacrificios. snores, cançaços, e fadigas? Que mais, que aquellas. porque tem passado! Se brados, queixas, clamores, reclamações? Que mais, que aquellas, que tem feito revoar por toda a parte! Se sangue, e mortes? Será pouco o que tem corrido de suas veias? Será pequeno o numero de desoladas viuvas, de desamparados Orfaos? Não, não pode desejar-se mais de um verdadeiro Realismo.

N.B. Para me não affastar um só apice dos meus imparciaes principios constantemente seguidos nesta Historia, e para não faltar uma só vez ao tributo, que se deve à justiça, julgo do meu dever não omittir os acrisolados serviços, que a bem da minha, e sua Patria effectivamente prolongou João Pereira Sarmento Forjaz de Lacerda, que in⚫cançavel adversario do radical Systema desde o seu funesto descobrimento em Portugal, e sens dominios, empenhou toda a sua representação, saber, e fortuna, para o debellar; e bem assim o quanto deve por este lado o Povo Terceirense ao R. P. Fr. Antonio do Rosario, digno Religioso, e Procurador Geral da Ordem de S. Francisco, o qual se mostrou sempre incançavel pela melhor sorte do mesmo Povo.

Debaixo dos mesmos principios, e com particular attenção à jus

ta curiosidade dos meus Leitores, julgo acertado dar-lhes aqui mais uma relação de muitas victimas por differentes modos sacrificadas ao constitucional furor na Ilha Terceira.

Nada mais cumpre à historica integridade do presente objecto, do que expôr ao mesmo Respeitavel Publico, para demonstração do final esforço, que eu, e o meu fidelissimo Collega, e Patricio Almeida, a impulsos de nossos vehementissimos desejos, e incons lavel magoa, praticamos, offerecendo a sua Magestade, em 6 de Dezembro de 1829, no seu Paço da Bemposta, o seguinte:

MEMORIAL

Senhor

Com o maior acatamento, e submissão, e animados d'aquelle espirito de verdade. comque, pelas disposições das Leis deste Reino. os fieis Portuguezes são obrigados aos seus Monarchas. offerecemos nos degrãos de Seu Augusto Throno á Contemplação de Vossa Magestade um Quadro exatissimo, ainda que assombrado de horrores, do estado infelicissimo da malfadada Ilha Terceira. Com a mais simples, e rapi da intuição Poderá Vossa Magestade vèr, e conhecer, na ordem mais luminosa, os principios, os progressos. e o completo desenvolvimento de uma Rebellião, a mais impia, e a mais escandalosa, a Lucta dos perversos contra os fieis, e leaes Vassallos de Vossa Magestade; a assolação, e ruina de um Povo, e de uma Colonia, sempre florentissima, e distincta pela sua lealdade, desde o seu descobrimento, e povoação, a seus naturaes Monarchas, e Senhores, em cujas veias sempre girou o sangue Portuguez. sem mescla, ou mistura estranha, e contaminada. Verá Vossa Magestade com um golpe só da Sua Vista, e Conhecerá a Epoca precisa, em que se começaram a preparar os elementos da Rebellião; qnem fôra o seu motor, o seu principal agente; quem dera o primeiro impulso ao transtorno dos animos, para se despenharem a si, e depois nos infelicitarem a nós. Verȧ Vossa Magestade a verdade na Sua Presença, e não sem dôr do seu Paternal Coração, o diluvio de males, que se precipitou sobre tantos desditosos, que gemem nas prisões, e nos desterros: sobre tantas victimas da morte; sobre tantas Familias dispersas; sobre tantas violações; sobre tantos incendios, que consumiram, sem reparação, a substancia de tantos innocentes, sem outro motivo mais. que a sua fidelidade, a sua inteireza, e a sua constancia. Deste Quadro geral, e tão verdadeiro, Passará Vossa Magestade á contemplação da horrivel catastrofe de 11 de Agosto; e a Alta Comprehensão de Vossa Magestade Conhecerá, e Designará logo, que motivos ella tivera, se fòra a ignorancia, se fòra a impericia, se fôra a traição, ou se tudo isto junto concorrera para tão infausto resulta

do. Neste mesmo Quadro Ouvirá os clamores de tantos desventurados, que pedem vingança à Justiça de V. Magestade, já que a divina Providencia poz, por um modo tão milagroso, os destinos do Povo Portuguez nas Mãos de V. Magestade. Acuda primeiro V. Magestade a quem tanto, e primeiro que muitos o necessita, que são aquelles captivos, e tyrannisados Povos, Attendendo a seus clamores, e Mandando-lhes aquelle Resgate, que pede a Justiça, e Soberania de V. Magestade Offendida, e Desacatada. Eis-aqui, Senhor, o que offerecemos, e o que pedimos a V. Magestade confiando na Real Clemencia de V. Magestade que seremos ouvidos, e que

Lisboa 6 de Dezembro

de 1829.

Receberemos Mercê

Joaquim d'Almeida Tavares do Canto
João Moniz Barreto Corte Real (1)

RELAÇÃO

Dos sete Individuos, a quem o Governo Rebelde na Cidade de Angra decretou a sua morte em 9 de Janeiro de 1829, promettendo pelo assassinato de cada um delles os premios marcados na mesma Relação. e o perdão geral de todos os delictos, a quem os assassinasse:

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4) Declaramos que este Memorial foi acompanhado de um circumstanciado Detalhe das Operações Militares, occorrida, naquellas Ilha na infeliz Epoca, a que nos referimos.

(2) Quando Almeida, e Silva partiram no barco do Porto de S. Matheus para o Faial, este sujeito o foi regendo como Piloto, e tendo regressado com o armamento aos Biscoitos foi por isto só condemnado á morte.

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