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Dos negocios, dos tractos, das riquezas,
Dos costumes, das Leys, e das vontades.

Não me recordo de haver encontrado em algum outro Classico a palavra espantos na significação de meravilhas, que Pero de Andrade lhe dá nesta Estrophe: é assim que um homem de talento sabe enriquecer a lingua patria mesmo sem crear palavras novas, ou admitti-las de autra lingua.

Com alegre louvor verão partidas
Daqui armadas nossas,

Prosperas as verão depois entradas
Cheias de mil despojos, presas grossas,
Com bandeiras triumphaes aos Ceos erguidas,
Com bandeiras de imigos derribadas.

Tributos verão vir todos os annos
D'Indios, Arabes, Persas,

E de outras mil regiões, d'outras mil Gentes,
De varios nomes, e de Leys diversas.
Conquistadas por nós, não com enganos,
Com justas armas, com razões prudentes.

Este ultimo verso está perfeitamente no estylo de Francisco Manuel.

Verão ricos retornos, grossos ganhos

De ricas mercancias,

Que esta Terra a outras dá, d'outras acceitá,

Novidades verão todos os dias,

Em que os sentidos, e olhos s'achem estranhos,
Inda que o appetitoso nada engeita.

O Poeta em quasi todas as suas obras, e algumas vezes nesta Ode, faz uso do vocabulo grosso, empregando-o sempre no sentido de rico, e de abundante &c., e nisto vai concorde com os demais Classicos, que sempre traduzem a expressão Biblica adipes terræ pela phrase grossura da terra, e dizem terra grossa quando querem deşignar um terreno fertil. João de Barros chama a Ormuz,

e outros emporios do commercio Oriental terras de grosso tracto. Ainda hoje dizemos, que negoceia por grosso aquelle Negociante, que faz especulações em grande escalla, e vende por atacado.

Tudo isto louvarão muitos, e a vida.
Toda aqui passariam,

Neste inutil cuidado, e gosto vão
Só destas vaidades penderiam
Despresada de todos, e esquecida
Toda outra mais alta occupação.

Mas tu que com mais são esprito raro
Vês, conheces, e entendes

O que deve fugir-se, o que buscar-se,
Mas tu, que nunca ao mal, sempre ao bem pendes,
Com douto juizo, puro, livre, e claro
Escolheste o que sempre deve amar-se.

O santo ocio escolheste, as Musas quietas
Musas castas, e brandas,

Co' as dívinas Historias, co' as humanas,
Temperas o prazer, e o nojo abrandas,
Teo, ou de teos amigos, nem te inquietas
Com nada, vives livre, e não te enganas.

Ouves de longe, vês de longe o Mundo,
Parece-te inda perto,

Tudo o al a Quietação santa avorrece,
Ah santa Quietação, quanto mais certo
Está em ti o repouzo, como ao fundo
Se vai quem por ti tudo não esquece.

Ah prudente Francisco, despresaste
Sempre as Cidades vãas,

Cheias de máos enganos, vãos negocios,
Louvas teu doce Neiva, as agoas sãas
Da tua fonte, as fructas, que plantaste,
As Aves que ouves, os teos santos ocios.

Como te ris de nós; como navegas
Seguro para a praia,

Onde se acaba o medo da tormenta,
Que tantas vezes, tristes nos desmaia!
Tristes detidos de esperanças cégas,
Mal que engenhosamente nos contenta.

Desmaiar é um verbo neutro, e o Poeta o faz aqui activo dizendo a tormenta que nos desmaia, isto é, que nos faz desmaiar; é esta uma elegancia poetica da nossa lingua, abonada pela pratica de todos os bons Escriptores do seculo de quinhentos; Francisco Manuel, que attentamente os estudava, e imitava, algumas vezes se aproveitou della, e foi criticado por homens, que se julgavam grandes Mestres de Portuguez sem se haverem dado ao trabalho de estuda-lo,

Destas vãas esperanças, que enganados
Nos tem, estás seguro,

Não temes, não esperas, não dezejas,
Co' esse animo constante, e peito puro,
Co' esses espritos sobre o Mundo alçados
Muitos annos, e sãos inda te vêjas.

O Poeta entra no assumpto dizendo, que outros louvaram Lisboa, porque domina desde o Tejo até ao Oriente, pela grandeza dos seus edificios, dos seus monumentos, pelas suas artes industriaes, o seu commercio, leis, policia, pelas armadas, que sahem pela sua barra, e voltam a ella carregadas de despojos dos inimigos, e com as bandeiras tomadas as suas tropas, pelos tributos dos póvos da Africa, e da Asia, que todos os dias lhe chegam, e depois passa a confrontar este quadro de grandeza, e de movimento, com o occio, estudioso, e a tranquilidade, que Sá de Miranda desfructa no aprazivel retiro da sua Quinta da Tapada, para onde fugíra desgostoso da côrte; faz o elogio dos seus sentimentos virtuosos, dos seus talentos, e acaba desejando-lhe, que possa desfructar por muitos annos esta felicidade. Esta marcha é verdadeiramente lyrica, e conforme com a maneira de Horacio. O estylo é corrente, facil, elegante, a versificação em geral harmoniosa, e apresenta alguns versos, que se destacam

do fundo, e vem ferir agradavelmente o ouvido, por exemplo.

Com bandeiras triumphaes ao Ceo erguidas,
Com bandeiras de imigos derribadas.

Com justas armas, com razões prudentes.

De ricas mercancias,

Que esta terra a outras dá, de outras acceita.

...

Inda que o Appetite nada engeita.

Mas tu que nunca ao mal, sempre ao bem pendes

Temperas o prazer, o nojo abrandas,

Ouves de longe, vês de longe o Mundo

as fruitas que plantaste,

As Aves que ouves, os teos santos occios.

Tristes detidos de esperanças cégas.

Quando em composição tão curta se deparam bellezas desta ordem, sería injustiça apontar alguma particularisação minuciosa, algum termo prosaico, ou menos nobre, algum verso menos bem torneado! Cumpre que sejamos indulgentes com os Poetas desta epocha; cumpre que nos lembremos de que estes homens ainda luctavam com a difficuldade, não pequena, de acommodar, e amoldar o idyoma á versificação, e fórmas da poesia italiana, então nova entre nós, e que o dialecto poetico não estava ainda descriminado da linguagem da prosa. O progresso nas artes sempre é lento na mão de homens, cuja Musa é o talento, e não o genio.

A Ode segunda, aos annos de Sá de Miranda, começa por um exordio verdadeiramente lyrico.

Pierides sagradas,

Que em vindo o claro dia,

Que com justa alegria
Celebraes de Hera, e Louro côroadas,
E em dansas concertadas

Ao som de concertados Instrumentos,
Em nossas claras fontes,

Ribeiras, valles, prados, bosques, montes
Mostreis mil sentimentos

Alegres, com alegres movimentos.

Iguaes bellezas achará o Leitor na Ode III. ao Doutor Antonio Ferreira, na IV. a D. Duarte, na IX. a D. Jorge de Menezes, e na VIII. ao Bispo de Silves D. Jeronymo Osorio, o eloquente Author da Historia Latina de El-Rei D. Manuel, que passo a transcrever.

ODE.

Hontem findou um anno,
Outro se começa hoje,
Depreça passará como o passado;
O Tempo vôa, e foge,

E d'hum em outro engano
Leva a vida apoz si, leva o cuidado.

Polo que já passou,
Polo que passa agora,

Quasi o que pode vir póde julgar-se;
Ditoso a quem hum' hora

Ditosa não faltou,

Em que podesse bem desenganar-se.

Ditoso o que a lembrança

Tem sempre no que vio.

Que já não vê, e no que está diante;
E polo que sentio

Por vãa julga a esperança,

Que outros tem por segura, e por constante.

Despreza vãos dezejos

Da Terra, e com espritos

Altos aspira ao bem, que sempre dura.

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