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BIOGRAPHICO-CRITICO.

LIVRO IV.

CONTINUAÇÃO DA ESCHOLA ITALIANA.

CAPITULO I.

Pero de Andrade Caminha.

Corria o anno do Senhor de 1367, quando um fidalgo Castelhano, ou Gallego como querem outros, veio a Portugal offerecer sua pessoa a El-Rei D. Fernando, que então empunhava o Sceptro Portuguez.

Chamava-se aquelle fidalgo Fernão Caminha, e era de mui distincta linhagem, é El-Rei o recebeu com aquella benignidade, e bom gazalhado, que neste reino sempre foi uso fazer aos estrangeiros, com preferencia aos naturaes delle.

Parece que este Fernão Caminha era pessoa de merito, e probidade; não consta que serviços elle prestasse a El-Rei D. Fernando, mas é certo que aquelle Monarcha se deu por satisfeito com elles, pois em remuneração lhe fez mercê do senhorio da terra de Santo Estevão, que então era de grossa renda; e é natural que esta circumstancia, e o favor do Rei cooperassem para os seus descendentes se aliarem com as familias mais distinctas da Aristocracia Portugueza.

De Fernão Caminha foi quinto neto Affonso Vaz Caminha, que viveu no fim do seculo XV, e cujo segundo filho, que se chamava João Caminha, seguio a vida militar, servindo longos annos nos Estados da India, onde se tornou famoso por seu grande denodo, e foi um dos

primeiros, que entraram em Aden, quando aquella cidade foi acommettida pelo grande Affonso de Albuquerque.

Voltando ao reino, recommendado por seus serviços, a Infanta D. Isabel, filha d'El-Rei D. Manuel, depois Rainha de Hespanha, e Imperatriz de Allemanha pelo seu matrimonio com o Imperador Carlos V., lhe fez a honra de o escolher para Viador da sua Real Casa, e Fazenda.

João Caminha contrahiu, passados tempos, matrimonio com uma Senhora de sangue mui nobre, por nome D. Filippa de Sousa, com quem viveu largos annos em uma paz, e união de vontades, que rarissimas vezes se encontra entre casados.

João Caminha teve de sua mulher os seguintes filhos, Pero de Andrade Caminha, de que tractamos neste Capitulo, Gaspar Caminha, que foi Cavalleiro da Ordem Militar de Malta, Affonso Vaz Caminha, que passou á India, onde terminou seus dias na flôr da idade, D. Anna de Toar, D. Guiomar de Sousa, e D. Catharina de Toar, que morreu Freira, mas ignoro de que Ordem.

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Não quiz Deos, que João Caminha, e sua Esposa, que tanto se amavam, vivessem um só instante separados, ou chorassem a perda um do outro, pois no mesmo dia os chamou a melhor vida, para que permanescessem unidos por toda a eternidade. Este notavel accontecimento consignou o Poeta no seguinte Epithaphio, que é o trinta e cinco da sua Collecção.

Aqui João, aqui Phillippa jazem,

Os quaes em santo nó juntou sua sorte,
E assim mortos inveja aos vivos fazem
Com sua santa vida, e santa morte.
Suas almas no Ceo se satisfazem
Vendo o clarissimo, e divino norte,
Que na vida foi sempre sua Guia,

E que ao Ceo os guiou juntos n'hum dia.

Sam tão escassas as noticias, que nos ficaram de Pero de Andrade Caminha, que nem ao menos consta com certeza quaes foram os seus estudos, ou si frequentou a Universidade de Coimbra: as suas obras não indicam grande erudicção, mas parece que sabia o latim, e o grego.

Sabemos sómente, que fora Camareiro de D. Duarte, Duque de Guimarães, e muito estimado daquelle Principe, um dos mais instruidos do seu tempo, e grande favorecedor de todos os homens, que cultivavam as letras, especialmente a poesia, com que muito se deleitava, como acontece a todos os homens, que tem coração sensivel, e um espirito elevado.

Como o Duque era tão bem visto, e acceito do povo, como pouco amado no Paço, parece que este favor do amo prejudicou os interesses do criado, e com isso não se atrazaria pouco a sua fortuna; o certo é, que debalde se compulsaria o Archivo da Torre do Tombo, para ahi descobrir documentos de algumas mercês, que lhe El-Rei fizesse: apenas ali existe um Diploma, datado de 15 de Julho de 1556, pelo qual D. João III. faz doação a Pero de Andrade Caminha de parte dos direitos reaes dos vinhos exportados pela foz do Douro, de que já por carta regia, de 21 de Outubro de 1553, havia feito mercê a sua Mãi D. Filippa de Sousa, em remuneração dos serviços de seu irmão Gaspar de Andrade, que havia perecido na India, peleijando contra os Inficis.

Esta escacez de beneficios regios para com Pero d'Andrade Caminha não deve admirar em Portugal, aonde as Musas nunca tiveram um Augusto, um Leão X., ou Luiz XIV., aonde a Historia só menciona uma pensão dada a um Poeta; e esse Poeta foi Luiz de Camões, essa pensão foi tão grande, ou paga com tanta pontualidade, que não o livrou de sustentar-se de esmolas, de morrer de fome, ou como outros dizem, n'um hospital. Se alguns Poe-tas foram entre nós remunerados com honras, e fazenda, não foi a titulo de haverem polido, e enriquecido a lingua, e levantado monumentos á gloria da Patria, mas em remuneração de serviços valiosos por elles prestados na carreira militar, ou da magistratura. É deste desacolhimento dos cultores da poesia, que o Cantor dos Lusiadas se queixava, com tanta razão como amargura, nos seguintes

versos:

Por isto, e não por falta de Natura,
Não ha tambem Virgilios, nem Homeros,
Nem haverá, si este costume dura,
Pios Eneas, nem Achiles feros.

Si alguns dos nossos Poetas escreveram obras

Posse linenda Cedro, au levi servanda Cupresso.

deveram-no ao impulso irrisistivel do seu genio, a uma ardente sêde de gloria, e ao seu patriotismo enthusiastico, e não ao favor da côrte, onde nunca acharam Mecenas; muitas vezes as escreveram nas dores do exilio, e no meio das perseguições, e trabalhos.

Pero de Andrade Caminha deveu toda a pouca fortuna, que desfructou, aos seus longos, e leaes serviços, e á generosidade de seu amo D. Duarte; foi elle quem lhe conferiu a Alcaidaria Mór de Celorico de Basto, e uma Tença de duzentos mil réis, mercês estas, que lhe foram confirmadas por El-Rei D. Sebastião, depois do fallescimento do Duque: e o mesmo Duque além de o recommendar, com grande efficacia, no seu testamento ao Cardeal D. Henrique, que depois foi Rei de Portugal, deixa a Pero de Andrade um soberbo cavallo, por nome o Lima, e no Codicilo deixa-lhe sessenta mil réis de Tença, de que ElRei lhe havia feito mercê, com faculdade de renunciar em quem lhe bem parecesse.

D. Duarte amava as letras, e a poesia, e o seu palacio era frequentado pelos mais distinctos Literatos e Poetas, que ali eram festejados, e bem agazalhados. Ali contrahiu o nosso Caminha amisade mais, ou menos intima com todos elles, e muito especialmente com o Doutor Francisco de Sá de Miranda, o Doutor Autonio Ferreira, e Diogo Bernardes, e seu irmão Fr. Agostinho da Cruz.

Ferreira, que naquelle tempo era o oraculo do bom gosto, e o chefe da Eschola Poetica Italiana, mostrou sem-: pre grande predileção por Caminha, e lhe dirigiu algumas Epistolas, louvando-o, e aconselhando-o; Caminha, discipulo tão docil como Bernardes, o tractava com um respeito quasi filial, e parece, que nada via superior a Ferreira, e não aspirava a mais, que a assemilhar-se a elle na elegancia da composição, e na pureza classica do estylo.

Pero de Andrade Caminha casou com D. Pascoella de Gusmão, talvez a mesma Dama, que elle tanto havia celebrado debaixo do nome de Phylis, tão poetico, e har

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