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<< Como no fim em fim sempre mentistes! <«< Ah! porque como a morte, Alarbe bruto, «< De meu sangue levaste o ferro enxuto?

<< Ah como do meu bem me partirei? << Ou como poderei viver sem ti? « Que não vivas comigo! onde estarei << Que tu não estejas, e eu esteja aqui? <«< Ah quanto em ser o teu amor ganhei, << E quanto em te perder, meu bem, perdi? <«< Pois que me fica cá a bella Consorte << Sinão tão desastrada, e escura morte. »

Isto dizendo, o rosto descobriu
Da descorada, e já morta Donzella,
Que parece que morta inda sentiu
Chegar-se o seu amado Esposo a ella,
Ou seja que inda Amor se não sahiu,
Ou inda a alma delle dentro nella
Estava, ou que fosse por ventura
O que o Desejo ás vezes affigura.

Elle co'a voz tremente, o rosto lento
Ajuntou ao que fica, e morto estava,
Olhando si respira o tibio alento,
Ou se inda o coração lhe palpitava,
Renova-lhe outra vez o sentimento
Amor, que só por isso o enganava;
Já tomára viver naquelle engano,
Mas teme em fim o lemitar seu damno.

Onde os Mouros, que andavam desmandados

Por aquella Selvatica floresta,

Ouvindo os roucos, e tristonhos brados,
Com que responde o Echo á voz funesta,
Por elle áquella parte ali guiados,

Que de espaço em espaço afflicta, e mesta
Resoava, o lugar lhe determina

Que esconde o triste, e a morta peregrina.

Os quaes, ao vêr ali tal aventura, Co'a condição perversa, embravecida,

Põem a cerviz do triste em prisão dura,
E em continuada morte a morta vida;
O qual c'o coração da dôr escura
Partido, e resistindo a tal partida,
Pondo a defeza brava em fracos braços
Foi feito logo ali em mil pedaços.

O meravilhoso, que é uma das partes mais essenciaes da Epopeia, pois que é elle quem levanta o assumpto da região prosaica para as alturas da poesia por meio da intervenção dos agentes sobrenaturaes, que surprehende, arrebata a nossa imaginação, e tanto lisongea o innato orgulho do coração humano, fazendo-lhe crêr que as suas acções interessam o Ceo, e o Inferno, é talvez o que menos avulta neste Poema. Luiz Pereira mostrou nisto grande esterilidade de invenção: nenhuma das suas machinas presenta resultado grandioso; lançou mão das personagens alegoricas, que só podem servir de comparças, ou figurantes, e já mais de agentes principaes nas grandes scenas da fabula sobrenatural, que se enlaça com a fabula historica do Poema Epico. Que grande effeito póde produzir a Vangloria que tenta D. Sebastião em sonhos com a esperança de grandes conquistas? O Engano, que se lhe apresenta em trage de Mercador, e lhe dá a falsa noticia de que em França se prepara uma armada contra elle? A sombra de um Caciz velho, que em sonhos inspira ao Rei Mouro o projecto de por cerco a Marzagão? Uma Feiticeira que consulta o Diabo, que The apparece em fórma de Bode? Tudo isto me parece mesquinho, e indigno da magestade do Poema Heroico. Todo o emprego do meravilhoso em um Poema Heroico é atrazar, ou adiantar a acção; si não serve para to entra na classe dos ornamentos ambiciosos, de que falla Horacio, e póde deleitar com ficções agradaveis, porém não excitar interesse produzindo obstaculos, e desenvol vendo-os por meios sobrenaturaes; e já se vê que as personagens puramente alegoricas sam pouco proprias para esse fim quando se tracta de materia grave; o seu verdadeiro logar é nos Poemas Heroicomicos, como o Lutrin de Boileau, ou o Hyscope de Antonio Diniz da Cruz e Silva. O unico rasgo de machinismo verdadeiramente Epico,

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que se encontra na Elegiada, é o Concilio Infernal, convocado por Lucifer, no Canto II., em que ha algumas bellezas de estylo, mas que nem apresenta effeito dramatico pelas discussões, nem pelo resultado, que se reduz ao Rei do Inferno incumbir a Vangloria e a Cobiça de promover alguns desaguisados na Côrte Lusitana.

Onde lá nos abysmos cavernosos
Deste principio Lucifer horrendo
Já enojado, piza a ardente c'rôa,
Nova, que pelo Reyno escuro sôa.

Sôa o rumor qual Boreas enojado
Vai por espessos, e altos Arvoredos,
Ou qual do fero Noto o mar inchado
Do fundo mostra os intimos segredos.
Que formando o medonho, e rouco brado
Por cavernas de concavos rochedos
Arruinar-se o Mundo representa
Signal d'alguma horrida tormenta.

Assim vai o murmureo discorrendo
Por este hospicio triste, escuro, enorme,
Onde hum blasphema, e outro está gemendo
Em pena desigual, pranto conforme:
Vai-se já de Plutão a gruta enchendo
Dos Espiritos maus, turba disforme,
Accodem os Penates, e os maiores
Dos Infernos Juizes Regedores.

Está lá no sulphureo assento pôsto
Lucifero lançando fogo ardente,
De negra bocca, serpentino rosto,
Desenroscando o rabo de serpente,
Com fera vista mostra o presupposto
Damnado, contra a fraca, humana gente,
De Aguia sam os pés, e os braços delle,
De Lixa tem a verdenegra pelle.

Os outros, que o rodeiam, differentes
Figuras tem, a qual peior Figura,
De Dragos, Onças, Tygres, e Serpentes,

Todos com negra côr á sombra escura.
Os que logares tem mais preeminentes
Nesta Casa de pena eterna, e dura
Mais perto de Plutão estam sentados,
E os outros por carvernas encostados.

Todos esperam vêr o que queria
Neste caso Plutão ordenar delles,
Que já com voz medonha lhe dizia
Que toda sua esperança tinha nelles;
E contra a Vangloria proseguia
(Depois que se aconselha contra aquelles
Portuguezes) dizendo: «Oh vãa Senhora,
<< De meu erro primeiro executora !

«Vai, vai vencer aquelle Lusitano,
« Nova esperança do valor passado,
<< E tu, Cobiça, com sedento engano
<«< Todos os Grandes traze ao teu mandado,
<«< Tecei ao Luso Rey bem novo damno,
<< Qual nunca foi no Mundo imaginado,
<< E vós outros, Ministros do tormento
<< Cheguai a breve fim meu fero intento. »>

Isto dizendo, já pegada á coma

A Vangloria de um Drago esquivo, e horrendo,
A Figura, que vio Nabuco toma,
Qual o grande Colosso parecendo.
Leva de sceptros infinita somma
O leve Vento inchado vem bebendo,
Hum olho só qual Polyphemo tinha,
De cabos de Pavões coberto vinha.

A Elegiada de Luiz Pereira Brandão é um grande assumpto estropiado, que sómente se torna recommendavel pela pureza da linguagem, alguns trechos de poesia discriptiva, algumas comparações pictorescas, e alguns episodios, se póde dizer-se que ha episodios, ou que a maior parte delles o sam em uma ordem historica de successos, e que propriamente mais póde chamar-se Biographia metrica d'El-Rei D. Sebastião, que Poema Heroico, visto

que não tem ordidura dramatica, nem fabula, nem unidade, requisitos necessarios em semilhantes composições, junte-se a estes defeitos tão consideraveis outro mais sensivel, que é a ruim versificação, e ninguem dirá que somos injustos quando collocamos a Elegiada na plana das nossas Epopeias de terceira ordem.

A fortuna sempre caprichosa e céga conservou esta composição informe, e essencialmente mediocre, e deixou perecer as Poesias de Antonio de Castilho, o Parnaso Lusitano de Luiz de Camões, as Satyras de Francisco de Sá de Menezes, as Poesias Lyricas de Gabriel Pereira de Castro, de Manoel de Galhegos, de Domingos Maximiano Torres, de Domingos Pires Monteiro Bandeira, de Sebastião José Ferreira Barroco, e outras muitas antigas, e modernas, que os amadores das Musas lamentam com tanta razão.

CAPITULO IV.

Francisco de Sá de Menezes.

Entre os Poetas, que a cidade do Porto se ufana com

razão de haver produzido, é este um a quem de justiça. pertence um dos logares mais distintos.

Francisco de Sá de Menezes foi filho de João Rodrigues de Sá, que tambem cultivava a poesia, segundo consta do testemunho dos seus contemporaneos, que fallam com muito louvor dos seus versos, pôsto que nunca sahissem á luz. A sua familia era das mais distintas da sua provincia, e foi depois agraciada com o Marquezado de Abrantes; sua Mãi chamava-se D. Maria da Silva, e era de linhagem tão nobre como seu esposo.

Não consta ao certo o anno do seu nascimento, mas parece verosimil que teve logar pouco antes de 1600. Applicou-se com grande proveito ao estudo das linguas

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