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Da qual, si ouvido chego a ser, ditoso
Meus dias passarei na confiança
De vir a ter hum eternal reposo.

Não indicam os pensamentos contiudos nestes versos o arrependimento de antigos erros, a emenda da vida passada, o desapego do Mundo, e a entrada no Claustro?

O mesmo caracter se observa, e o mesmo me parece que se póde inferir deste Soneto, em louvor de S. Boaventura, que sempre esteve em grande veneração entre as differentes, e variadas Ordens Franciscanas.

SONETO.

Doutor das almas, que inflammado, e ardente
Qual Seraphim, trouxeste a alta doutrina,
De fazer Anjos cá dos Homens dina,
Tão celeste, tão pura, e tão fervente.

A qual nos mostra, que a tua alta mente
Nos Ceos tomou quanto de Deos ensina,
Quando, porque se abaixa humilde, indina,
De mais perto o converte, enxerga, e sente.

Daquelle odio, e despreso, que ensinaste,
A ter de nós c'o escripto, e com o exemplo,
Nos alcança, que enchamos nossas almas.

Com o qual guardando Deos em nós seu Templo,
Vencendo dos Demonios o contraste,

De mil victorias lhe alcançamos palmas.

Está tão pouco clara a sentença dos dous ultimos versos do segundo quarteto, que me parece que elles foram alterados, e desfigurados pela ignorancia dos copistas.

Entre os melhores Sonetos de devoção, que sahiram da penna do Poeta, póde, si não me engano, contar-se o seguinte, endereçado a Santa Maria Magdalena, na acção de ungir com balsamo precioso as Sacrosantas Plantas do Redemptor.

SONETO.

Com alabastro de precioso unguento
Na casa de Simão Maria entrou,
E sobre Jesus todo o derramou,
Lagrimas aos pés seus chorando cento.

Oh! engano do humano entendimento!
Toda a Casa a Santa obra mal julgou;
Só Christo a defendeu, só a louvou
Por exequias do seu enterramento.

Oh! Prophetisa rara, em cujo esprito

O amor de Christo entrou de tal maneira,
Que firme te fez ser como hera escripto.

Tu foste a immortal pedra, e verdadeira
Aonde o nome seu ficou escripto,

Tu quem o viste ao Ceo subir primeira.

Não fica inferior a este o seguinte, em louvor da Cruz, em que o Mediador padeceo.

SONETO.

Arvore triumphal, victoriosa,

Que co'a raiz no Ceo, ramos na Terra,
A' morada infernal fulminas guerra,
Do passado triumpho inda pomposa.

Tu hes a via porque á gloriosa

Côrte se vai sómente cá da Terra,

Quando purgas do erro a alma, que se enterra,
Quando contrita a ti corre, e chorosa.

A ti, oh Cruz, a ti vou confiado,

De vêr teus doces ramos estendidos
C'o fructo << Salvação» lêdo, e presado.

Sê minha intercessora, e teus ouvidos
Benigna me offerece neste estado,

Em que sómente ao Ceo dou meus gemidos.

O Soneto á inconstancia, e velubilidade do mundo, é um dos que parecem indicar, que o Author, no fim da sua vida, havia abraçado o retiro da vida claustral.

SONETO.

Riquezas, e Honras vãas, que ao vario Mundo
Dentro do seio teu volves cada hora,
Inda primeiro que a lusente Aurora
Banhe de luz o globo alvo, e rotundo.

Delles fugindo vou lêdo, e jocundo
A' solidão aonde o prazer mora,
Pois temo, e tremo, que qualquer demora
Mc não sobterre neste val profundo.

Deixai-me viver já sem, o triste engano,
Em que errante vaguei, nesta pousada,
Feita para o mortal por Deos Sobrano.

E isempto já da carne tão pesada,

Isempto de huma vez de todo o damno,
Da Terra suba á immortal morada.

O Soneto feito no dia da Commemoração dos Defuntos parece bem pensado, e bem escripto.

SONETO.

Aos que acabam em teu serviço santo -
Livras em vida do mundano enleio,
Por terem do amor teu o esprito cheio,
Da gloria tua veste o eterno manto,

Benigno Pay! aos outros que inda tanto
Bem não merecem, e convém por meio
Do fogo ser purgados, abre o seio
Da clemencia ao desterro, á pena, ao pranto.

E neste santo dia, em que a memoria
De todos encommenda a Sacra Esposa,
Que o Ceo dotou de graça tão notoria.

Seus ais ouve na Patria venturosa,

E manda aos Anjos dessa eterna gloria,
Que nos alcem de Estancia tão penosa.

O Soneto a Jesu Christo respira todo o fervor, e affecto de uma alma convertida, e a firme esperança na misericordia divina; e é igualmente um dos melhor versificados, de toda a Collecção.

SONETO.

Chamei, Senhor, por ti, regando o estrado
Com lagrimas da minha consciencia ;
Bem sei que não mereço achar clemencia,
Nem, sem tua graça, ser justificado.

Mas do esprito contrito o puro brado
Na ara de bondade da tua Essencia,
C'o coração provado em paciencia
A' tua vontade offerecido, e dado:

Elles me alcancem teu amor immenso,

E minha alma, abrasada em vivo fogo,
De desejos te offerte o puro incenso.

Desta arte poderei, alçando o rogo,

Tua morada vêr lêdo, e suspenso,
E do Mundo sahir com desaffogo.

Qualquer porém que seja o merecimento dos Sonetos de devoção de Antonio de Abreo, tenho para mim, que os que elle dirigio a objectos profanos lhe sam muito superiores, talvez por terem sido compostos no verdor da idade, e quando a sua phantasia se não achava obscurecida pelas sombras da idade avançada, e pelas tribulações dos remorsos. Tal é este, em que o Poeta se dirige a Chaul no tempo, em que estava cercada por um poderoso exercito do Nisamaluco, que ameaçava a sua ruina; attribuindo aquelle flagello aos vicios, e ás delicias dos seus moradores.

SONETO.

May dos Deleites, da Cobiça, e Ouzena
Perversa Eschola, e só de roubos cova,
Que aos Vicios todos torpe altar renova,
E o Matrimonio de infiel accena!

Chaul dormente entre a frescura amena
Dos teus Jardins, accorda á vida nova,
E si o pouco temor de Deos to estorva,
Dos malvados receia a justa pena.

Coberto de pesar, d'entre a ruina

Dos Edificios teus, alçando as palmas,
A Deos pede segura Medicina.

Do pó da dôr vestindo as tristes almas,
Applaca de huma vez a ira divina,

E assim do Ceo vê se a tormenta acalmas.

Desgraçadamente as reprehensões, que o Poeta dirige aos moradores de Chaul, não eram uma exaggeração declamatoria, bem pelo contrario, ellas assentavam em fundamento verdadeiro. Os Portuguezes estabelecidos na India, já não eram aquelles homens de ferro, enthusiasmados pelo amor da gloria, e pelo fervor religioso, que seguiam as bandeiras de D. Francisco de Almeida, e de Alfonso de Alboquerque. Todos os Historiadores, tanto nacionaes, como estrangeiros, nos informam, que esses homens pervertidos pelo exemplo das nações, com quem viviam, corrompidos pelas delicias do Oriente, sem mais ficto que adquirir riquezas para submergir-se na crapula, e nos vicios, só cuidavam em dar redea aos seus prazeres, e a um luxo ruinoso, que lhe enervava as forças, e animava os Povos Indigenas a rebellar-se contra elles, perdendo aquelle terror, c susto, que nelles haviam incutido os primeiros Conquistadores. Tal foi o estado em que D. Constantino de Bragança encontrou a India, e de que forcejou, quanto pôde, para a tirar durante o seu ViceReinado; mas o mal tinha lançado fundas raizes, e lavra

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