Com quem mais que valor manha empregar O Mundo, e não lhe ser difficultoso, Mil graças rende Almeida da Victoria Entregando o Governo de Malaca, Embarca não póde rymar com ataca, e Malaca, porque está de permeio o r, que destroe a consonancia. Antonio de Abreo parece que rymava com difficuldade, ou que ao menos era pouco escrupuloso nesta parte, porque nas poucas poesias, que restam delle, se encontram algumas destas rymas falsas. Vencida quasi esteve a Nau por agua, 8 Sempre Deos favorece o bom respeito, Chega á Patria, e do Rey he recebido i Da Viagem lhe deu, e dos perigos Poderoso, e alto Rey, a occasião » Que Deos offrece agora de extirpar "O Samatrino imperio, em nossa mão » Certo está, e a fé sua dilatar. "Não percas pois, Senhor, esta Sasão, Que ao diante será de damnos mar; » Olha que a tempo hes disto avisado, t » Desd'a aurea Taprobana athe Japão » Se estende hum largo, rico, e vasto Estado, » O qual com poucas forças, e invenção » Poderá ser por ti senhoreado; "De tudo verás presto a conclusão,. "Si o Samatrino fôr dali lançado, » Debaixo estando tudo de huma chave, » De huma porta, que feche este conclave. "Sam Terras de Nações á razão dadas, "Que se podem domar, e converter, "De todas as riquezas semeadas, "Que a mortal Gente sohe em muito ter. Sadias, e de bens mil abastadas, "De tudo quanto pede o humano ser, "Não deixes pois, Senhor, tão nobre empreza, » Aonde ganharás honra, e riqueza. £ Entram no Adachem cem Naus cada anno "De bellicosos Turcos, prenhes de ouro, "Das quaes tiram proveito, e fazem damno, "Pois dam engenho, e arte ao forte Mouro. »Mil, e vinte quintaes, que não me engano, "De Pimenta retorna ao seu Thesouro; "Si isto pois atalhar se não procura » A possuir virão a mór ventura. » Sua guerra he já guerra guerreada, » Seu desenho até qui foi differente, "Negocêa com ouro; e embaixada, Aos outros Reys invia do Oriente. "Determina atalhar com sua Armada "Os bens, que vem do Sul tão facilmente. "Cercar jámais Malaca não pertende, » Pois he por outro modo que a offende. » Dá ao Turco, o infido Samatrim, Aviso deste Estado, e esperança, "Este incita com ouro o Camorim, "C'o Hidalcão, e Melique faz liança: »Porque fulminem guerra ao nosso fim, » Com arrojada e barbara pujança "A todos peita, e mostra a obrigação, Que tem de devastar todo e Christão. » Os nossos principaes sam os direitos, Que sustentam no Oriente o teu Estado, » E estes vem do Sul por dous Estreitos, "Bem como ao Mundo todo está mostrado: Selecú, e Singapura bem acceitos " » Pelo sabroso fruito, e desejado; "Destas duas gargantas tudo pende, Que este imigo atalhar tudo pertende. "Ao teu General do Oriente, "Tão importante empreza só compete, "Que o mandares lá outro do Ponente » Porque o Jardim do Norte he só regado "O Turco, o Gran Mogol, e o Hidalcão, »Zonaluez contiguo, e Malabar, " Alçada sempre tem a forte mão » Tempo aguardando fixo, e bom logar, "Pois estando a seu cargo o provimento, Procede d'alma, e honra amor levado As nove Irmãas, que no Parnaso habitam, E se banham nas aguas Cabalinas, Me aconselham, e pedem, e inda invitam Não prosiga nas cousas Samatrinas, Hum novo canto a começar me incitam Em altas cousas de memoria dinas. Si intenta-las cantar o engenho rudo, Desculpa obedecer ás Musas tudo. Descançar quero hum pouco pois me obrige De hir cantar outro assumpto dos portentos Da Fortuna, e Neptuno duro imigo, Como de Eólo os rijos movimentos, Os successos, os casos, o perigo. A que homens deram causa, e elementos, E por fim o que o nosso bom destino Alcançou por hum modo tão divino. Que assumpto sería este que Antonio de Abreo pertendia cantar? Segundo as idéas do tempo é natural que tivesse em vista a composição de algum Poema Epico sobre as façanhas dos Portuguezes na India, ou em outra parte do Globo, mas levou elle a effeito este projecto? Deu-lhe ao menos principio? Não se acha nos Contemporaneos a solução destas perguntas: é porém mui crivel, que si elle compoz o Poema, aqui promettido, qualquer que fosse o seu genero, devia estar incluido na grande Collecção das suas Poesias; mas seu irmão Frey Bartholomeo de Santo Agostinho, a quem elle a confiou antes da sua morte, julgou a proposito dar-lhe fim privando assim a Literatura Nacional daquella riqueza poetica. Si aquella Collecção existisse, poderiamos julgar com segurança até que ponto Antonio de Abreo fôra merecedor da reputação de grande Poeta, que desfructou em um tempo, em que florescia Camões: mas limitados a julgar do seu merecimento pelos poucos versos, que nos restam delle, de alguns dos quaes é mui problematica a authentecidade, força é que a sua gigantesca fama se reduza a muito acanhadas dimensões, e que o seu nome possa apenas ser collocado entre os dos Poetas de segunda ordem do celebrado Seculo de Quinhentos. |