Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Com quem mais que valor manha empregar
Val, que é dos quatro menos poderoso :
Unidos bem poderam conquistar

O Mundo, e não lhe ser difficultoso,
Vêde o poder de Deos, que n'hum só anno
Os desfaz pelo braço Lusitano. utte

Mil graças rende Almeida da Victoria
A quem dellas Author he conhecido,
Já que por seu serviço, e honra, e gloria
De lha dar tão felice foi servido:
Pede-lhe o que trazia na memoria,
Que he vêr-se de Malaca despedido,
A Coge se apercebe, embarca a Gente,
Na Nau se embarca o Costa diligente.

Entregando o Governo de Malaca,
Já Senhor do despojo Oriental,
No dia dos trez Reys feliz se embarca:
Co'a nova pertenção Occidental;
Ali a cruel Parca audaz o ataca,
Mas nada, si Deos quer, a Parca val;
Abrio a Nau tal agua dando á véla,
Que pouca esperança houve de vence-la.

Embarca não póde rymar com ataca, e Malaca, porque está de permeio o r, que destroe a consonancia. Antonio de Abreo parece que rymava com difficuldade, ou que ao menos era pouco escrupuloso nesta parte, porque nas poucas poesias, que restam delle, se encontram algumas destas rymas falsas.

Vencida quasi esteve a Nau por agua,
Que vencer nunca pôde ferro, e fogo,
Sem ter remedio algum mais do que a magoa,
Neste azo da Fortuna, e do seu jogo:
Mas Deos, que foi a Guia desta taboa,
Ouvio do Luso peito o justo rogo,
E a viagem seguir faz perigosa
Com estylo mais justo, e milagrosa.

8

Sempre Deos favorece o bom respeito,
E sempre os Heroes tem da sua mão,
Passa o mar, e dos Ventos a despeito,
Victorias mil alcança ao Hidalcão:
Com esforçado brio o Luso peito,
O fim vence da sua pertenção,

Chega á Patria, e do Rey he recebido i
Com publica honra, e peito agradecido.

Da Viagem lhe deu, e dos perigos
Das guerras, e do encontro Samatrino,
De seu poder, Estado, e dos amigos,
Das armas, da Milicia, e culto indino.
Do Meio de extinguir estes imigos,
Que tanto anhela com favor divino,
Estas palavras o bom Rey dizia,
E deste geito Almeida respondia.

[ocr errors]

Poderoso, e alto Rey, a occasião » Que Deos offrece agora de extirpar "O Samatrino imperio, em nossa mão » Certo está, e a fé sua dilatar. "Não percas pois, Senhor, esta Sasão,

[ocr errors]

Que ao diante será de damnos mar;

» Olha que a tempo hes disto avisado,
» Olha bem o que importa ao teu Estado.

t

» Desd'a aurea Taprobana athe Japão » Se estende hum largo, rico, e vasto Estado, » O qual com poucas forças, e invenção » Poderá ser por ti senhoreado; "De tudo verás presto a conclusão,. "Si o Samatrino fôr dali lançado, » Debaixo estando tudo de huma chave, » De huma porta, que feche este conclave.

"Sam Terras de Nações á razão dadas, "Que se podem domar, e converter, "De todas as riquezas semeadas, "Que a mortal Gente sohe em muito ter. Sadias, e de bens mil abastadas,

"De tudo quanto pede o humano ser, "Não deixes pois, Senhor, tão nobre empreza, » Aonde ganharás honra, e riqueza. £

Entram no Adachem cem Naus cada anno "De bellicosos Turcos, prenhes de ouro, "Das quaes tiram proveito, e fazem damno, "Pois dam engenho, e arte ao forte Mouro. »Mil, e vinte quintaes, que não me engano, "De Pimenta retorna ao seu Thesouro; "Si isto pois atalhar se não procura » A possuir virão a mór ventura.

» Sua guerra he já guerra guerreada, » Seu desenho até qui foi differente, "Negocêa com ouro; e embaixada,

Aos outros Reys invia do Oriente. "Determina atalhar com sua Armada "Os bens, que vem do Sul tão facilmente. "Cercar jámais Malaca não pertende, » Pois he por outro modo que a offende.

» Dá ao Turco, o infido Samatrim, Aviso deste Estado, e esperança, "Este incita com ouro o Camorim, "C'o Hidalcão, e Melique faz liança: »Porque fulminem guerra ao nosso fim, » Com arrojada e barbara pujança "A todos peita, e mostra a obrigação, Que tem de devastar todo e Christão.

[ocr errors]
[ocr errors]

» Os nossos principaes sam os direitos, Que sustentam no Oriente o teu Estado, » E estes vem do Sul por dous Estreitos, "Bem como ao Mundo todo está mostrado: Selecú, e Singapura bem acceitos

"

» Pelo sabroso fruito, e desejado;

"Destas duas gargantas tudo pende, Que este imigo atalhar tudo pertende.

[ocr errors]

"Ao teu General do Oriente, "Tão importante empreza só compete,

"Que o mandares lá outro do Ponente
" Devisões, e incommodos promette.
» Ventar Sul contra Norte de repente
"O mar atravessado logo mete,

» Porque o Jardim do Norte he só regado
Com as aguas do Sul, e aproveitado.

"O Turco, o Gran Mogol, e o Hidalcão, »Zonaluez contiguo, e Malabar,

"

Alçada sempre tem a forte mão

» Tempo aguardando fixo, e bom logar,
»Daqui resulta ao Norte a occasião
» Para todo o favor ao Sul negar,

"Pois estando a seu cargo o provimento,
Não podem faltar meios ao protento."

[ocr errors]

Procede d'alma, e honra amor levado
A seu Rey nas lembranças proveitosas,
Mas quem olvidar póde o destinado,
E o giro das Estrellas luminosas !
Intentar comette-las he de ousado,
Do grande o pertender, cousas honrosas,
Vencer quizera logo e animoso,
Mas foi-lhe o fado avaro, e, invejoso.:

As nove Irmãas, que no Parnaso habitam, E se banham nas aguas Cabalinas, Me aconselham, e pedem, e inda invitam Não prosiga nas cousas Samatrinas, Hum novo canto a começar me incitam Em altas cousas de memoria dinas. Si intenta-las cantar o engenho rudo, Desculpa obedecer ás Musas tudo.

Descançar quero hum pouco pois me obrige De hir cantar outro assumpto dos portentos Da Fortuna, e Neptuno duro imigo, Como de Eólo os rijos movimentos, Os successos, os casos, o perigo. A que homens deram causa, e elementos, E por fim o que o nosso bom destino Alcançou por hum modo tão divino.

Que assumpto sería este que Antonio de Abreo pertendia cantar? Segundo as idéas do tempo é natural que tivesse em vista a composição de algum Poema Epico sobre as façanhas dos Portuguezes na India, ou em outra parte do Globo, mas levou elle a effeito este projecto? Deu-lhe ao menos principio? Não se acha nos Contemporaneos a solução destas perguntas: é porém mui crivel, que si elle compoz o Poema, aqui promettido, qualquer que fosse o seu genero, devia estar incluido na grande Collecção das suas Poesias; mas seu irmão Frey Bartholomeo de Santo Agostinho, a quem elle a confiou antes da sua morte, julgou a proposito dar-lhe fim privando assim a Literatura Nacional daquella riqueza poetica.

Si aquella Collecção existisse, poderiamos julgar com segurança até que ponto Antonio de Abreo fôra merecedor da reputação de grande Poeta, que desfructou em um tempo, em que florescia Camões: mas limitados a julgar do seu merecimento pelos poucos versos, que nos restam delle, de alguns dos quaes é mui problematica a authentecidade, força é que a sua gigantesca fama se reduza a muito acanhadas dimensões, e que o seu nome possa apenas ser collocado entre os dos Poetas de segunda ordem do celebrado Seculo de Quinhentos.

« VorigeDoorgaan »