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"A grave dôr do peito magoado

» Me constrange a tomar justa vingança,

» De quem na minha offensa está culpado.

» Mas tu da grave dôr, que assi me alcança, » Causa, que para o collo offereceste,

"Deste Iphis, destes raios d'ouro a trança.

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Entende que te fez segura deste

Furor, de ti com causa merecido,

» Esse amor, a que tu tal premio deste.
"Que a ti sugeito, pôsto que offendido,
» Desesperado, mas com tudo amante,
» Me traz comigo em desigual partido.

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"Mas leve amor seu estandarte ávante; » Atraz fique o Furor, que incita a offensa, Que pode mais em mim verte diante.

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Amor, que tudo vence, agora o vença, Que quando contra ti me armára o peito, »As mãos soltas me atára essa presença. "Mal podera offender tão bello aspeito, Menos podera ser, que eu aggravado, "De ti, em ti ficasse satisfeito.

"Pois esse, que em meu damno alevantado » A sorte traz, não quiz tirar-lhe a vida, » Só porque pôsto tens nelle o cuidado. "Porque nelle não fosses offendida » De mim, nem o teu peito magoasse,

» Dada no seu por minha mão ferida.

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Que como do amador a alma se passe

» Em quem ama, não quiz que se offendesse Qualquer parte de si, que nella achasse.

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E bera bem que a vingança se fizesse "Do aggravo contra mim só commettidó, » Em quem mais me agradara mais perdesse. Tendo-me logo eu tão offendido,

» Tomo a vingança em mim, que sou, Senhora, » Em quem tu perdes mais o mais perdido." Isto disse das lagrimas, que chora

Ilum Ribeiro soltou, do qual o escasso
Tronco ficou tão liberal agora.

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E apoz ella lançando o corpo lasso Desesperado sobre a terra dura, Passou da vida logo o extremo passo.

Aquella rica, e bella vestidura,

Que huma alma em si tão namorada encerra,
Em mil pedaços fez fortuna escura.

D'onde ali se ficou cobrindo a Terra,
Que cobria fresquissima esmeralda
De rubis, que de amor esparze a guerra.
As gotas, que saltaram, de Grisalda
Parece, por tomar della vingança,
Tingiram de vermelho ardente a fralda.

Ella, que a todos já seu erro alcança,
Ser na mente do amigo manifesto,
Mais digna de quem fez no amor mudança,
Cobrindo-lhe c'hum véo vergonha o gesto,
Tinto de fina grãa, que antes da culpa
Si triste o fez depois, fizera honesto,

Com palavras, e lagrimas desculpa (Natural erro) o erro, que o culpado Fazendo vai mais grave co'a desculpa,

E o Povo todo em lagrimas banhado, O corpo á terra deu, cobrindo a urna Da varia pompa, que offerece o prado.

Na seguinte manhãa quando a nocturna
Sombra, fugindo da presença ao dia,
Foi para se esconder buscando a furna,
O chão, que do Depositó servia
Enriquecido assim, porque mais nelle
Brandura que n'hum peito humano havia.
Brotou mudado em ramo fresco aquelle
Despojo d'alma tão illustre e clara,
Hum tronco, que tomou mil graças delle.
Planta, que perdes a fragrancia rara
Sendo de feminina mão tocada,

Por quão cara te foi sendo tão chara.
Nesse cheiro gentil, de que dotada
Por beneficio estás da tua Estrella,
Vêmos a tua fé representada.

As côres, que a Flor traz branca, amarella
Da desesperação dá signal esta,
E mostras da de peito casto aquella.

E si cahindo vai quando a floresta
Com luz visita o Sol, vergonha, e magoa
De amor mal empregado manifesta.

Quando se estilla em grãos d'aljofre a agoa,
Que choram as Estrellas saudosas,

Que então lhe accende Amor no peito a fragoa.
Na sombra escura flores amorosas
O preço, que encerrais no seio, abrindo,
Mai's lindas vos mostraes, e mais formosas;
Porque na terra o peito casto, e lindo
Sua dor saudosa manifeste,

Quando o Ceo vem a sua descobrindo.
Então se vêja, que no campo agreste,
Quando o Ceo semeado está de flores,
Responde a flor terrena á flor celeste.

Sabe, no caso mais, que dos amores
Tambem, Ribeiro meu, do triste Amante
Em quem mostrou amor tantos primores;
A bella Palma, insignia triumphante,
Que então sem fructo a fronte alevantava
Ficou de varios fructos abundante.

Hera entre bravas Plantas, Plauta brava,
Que a seu Senhor não dava mais tributo,
Que a rama, cuja sombra a praia ornava.

O Author chama á Palmeira planta; e parece-me que com muita razão; nem a Palmeira, nem a Bananeira sam verdadeiras arvores; mas plantas gigantes, cujo talo impropriamente se chama tronco, pois que não tem as qualidades constitutivas da madeira.

Triste arêal de humor gostoso enxuto,
Terra de destra mão não cultivada,
A Palmeira occupou, nua de fructo..
Mas depois, que das lagrimas regada
De Saladino foi com copia larga,
De sua alma no tronco derivada;

Já se ergue para o Ceo levando a carga,
Que vai pelo seu choro d'agua cheia,
Na cara, que de humor salgado amarga,
O liquido cristal, que assi recreia
A quem o gosta com doçura estranha,
Que a Palma estilla por secreta veia.

Tomou do mesmo choro seu tamanha
Doçura, porque delle o tronco antigo.
Nos poros seus o Sal de todo apanha.
Mil fructos dando assim o ramo amigo,
Ficou, que Saladino aqui primeiro
A' custa accrescentou do seu perigo.

Este o premio de amor tão verdadeiro
Foi, com que a fé do misero Mancebo

Pagou hum peito ingrato, e lisongeiro.

Este bellissimo trecho de poesia, que tantos applausos tem recebido dos entendedores, prova o quanto a Lusitania Transformada perdeu em seu Author não haver collocado a scena da sua acção no meio dos Palmares do Oriente aproveitando os costumes, legendas, e tradições do paiz, que seriam fonte inexhausta de interesse, e de deleite para os Leitores: mas é tambem certo, que esta idéa difficilmente poderia occorrer a alguem no seculo do Author, em que a imitação dos Antigos, e dos Italianos parecia a todos o unico caminho de subir ao Parnaso. Fernão Alvares propoz-se a imitar Sannazzaro na sua Arcadia, consegui-o, e não terei dúvida em dizer, que o excedeo; e segundo as idéas, um pouco pedantescas do seculo, em que vivia, não tinha mais que fazer, nem os Leitores que exigir delle.

Pela minha parte eu concordo com os seus admiradores sobre o merecimento poetico da Historia de Saladino, a pesar disso não hesito em declarar, que sem fallar em algumas pequenas negligencias do estylo, e de expressão, me não contenta a methaphisyca de amor platonico, e os alambicados sentimentos, que resombram em parte da falla de Saladino: elles não me parecem convir a um Mahometano: o amor dos Musulmanos é abrazador como o Sol dos seus paizes ardentes, o seu ciume é como o furor dos Leões, e dos Tygres, e nada mais estranho, e

mais opposto á sua natureza, caracter, e opiniões, que esse culto exaggerado dado ás mulheres segundo o enthusiasmo da Cavallaria. Dizer, como Saladino, que não ousa vingar-se do seu rival, por não dar desgosto á sua bella Adultera, me pareceria demasiada devoção em D. Florisel de Niquea, Amadis da Gaula, ou D. Floridante de Hespanha; mas attribuir tal conceito a um Indio Musulmano, me parece transcender todos os raios de verosimilhança.

Fernão Alvares do Oriente é um dos nossos melhores Classicos, e um alumno, que faz muita honra á Eschola Italiana; as suas Obras devem ser estudadas pelos que pertendem fallar a nossa lingua com elegancia, e pureza, porque nellas encontrarão muitos modos de dizer graciosos, muitas expressões energicas, e pictorescas, de que po dem aproveitar-se nas suas composições, tanto em verso, como em prosa. O Padre Antonio dos Reis no seu Enthusiasmo Poetico, lhe consagrou estes versos:

Ferreira canorus, (*)

Tuque colens, Fernande, plagas, quas roscido primum
Tithoni Conjux, madidis cum surgit ab undis,
Adspicit, in Pindo, non nomina parva, śedėtis.

(*) Este Ferreira, de que aqui se falla, não é o Doutor Antonio Ferreira, o Author da Castro; mas outro Poeta mais moderno, cujo nome era Diogo Ferreira de Figueiroa, de que faz mensão D. Francisco Manoel de Mello nas suas Obras Familiares.

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