"A grave dôr do peito magoado » Me constrange a tomar justa vingança, » De quem na minha offensa está culpado. » Mas tu da grave dôr, que assi me alcança, » Causa, que para o collo offereceste, "Deste Iphis, destes raios d'ouro a trança. Entende que te fez segura deste Furor, de ti com causa merecido, » Esse amor, a que tu tal premio deste. 29 "Mas leve amor seu estandarte ávante; » Atraz fique o Furor, que incita a offensa, Que pode mais em mim verte diante. Amor, que tudo vence, agora o vença, Que quando contra ti me armára o peito, »As mãos soltas me atára essa presença. "Mal podera offender tão bello aspeito, Menos podera ser, que eu aggravado, "De ti, em ti ficasse satisfeito. "Pois esse, que em meu damno alevantado » A sorte traz, não quiz tirar-lhe a vida, » Só porque pôsto tens nelle o cuidado. "Porque nelle não fosses offendida » De mim, nem o teu peito magoasse, » Dada no seu por minha mão ferida. Que como do amador a alma se passe » Em quem ama, não quiz que se offendesse Qualquer parte de si, que nella achasse. E bera bem que a vingança se fizesse "Do aggravo contra mim só commettidó, » Em quem mais me agradara mais perdesse. Tendo-me logo eu tão offendido, » Tomo a vingança em mim, que sou, Senhora, » Em quem tu perdes mais o mais perdido." Isto disse das lagrimas, que chora Ilum Ribeiro soltou, do qual o escasso E apoz ella lançando o corpo lasso Desesperado sobre a terra dura, Passou da vida logo o extremo passo. Aquella rica, e bella vestidura, Que huma alma em si tão namorada encerra, D'onde ali se ficou cobrindo a Terra, Ella, que a todos já seu erro alcança, Com palavras, e lagrimas desculpa (Natural erro) o erro, que o culpado Fazendo vai mais grave co'a desculpa, E o Povo todo em lagrimas banhado, O corpo á terra deu, cobrindo a urna Da varia pompa, que offerece o prado. Na seguinte manhãa quando a nocturna Por quão cara te foi sendo tão chara. As côres, que a Flor traz branca, amarella E si cahindo vai quando a floresta Quando se estilla em grãos d'aljofre a agoa, Que então lhe accende Amor no peito a fragoa. Quando o Ceo vem a sua descobrindo. Sabe, no caso mais, que dos amores Hera entre bravas Plantas, Plauta brava, O Author chama á Palmeira planta; e parece-me que com muita razão; nem a Palmeira, nem a Bananeira sam verdadeiras arvores; mas plantas gigantes, cujo talo impropriamente se chama tronco, pois que não tem as qualidades constitutivas da madeira. Triste arêal de humor gostoso enxuto, Já se ergue para o Ceo levando a carga, Tomou do mesmo choro seu tamanha Este o premio de amor tão verdadeiro Pagou hum peito ingrato, e lisongeiro. Este bellissimo trecho de poesia, que tantos applausos tem recebido dos entendedores, prova o quanto a Lusitania Transformada perdeu em seu Author não haver collocado a scena da sua acção no meio dos Palmares do Oriente aproveitando os costumes, legendas, e tradições do paiz, que seriam fonte inexhausta de interesse, e de deleite para os Leitores: mas é tambem certo, que esta idéa difficilmente poderia occorrer a alguem no seculo do Author, em que a imitação dos Antigos, e dos Italianos parecia a todos o unico caminho de subir ao Parnaso. Fernão Alvares propoz-se a imitar Sannazzaro na sua Arcadia, consegui-o, e não terei dúvida em dizer, que o excedeo; e segundo as idéas, um pouco pedantescas do seculo, em que vivia, não tinha mais que fazer, nem os Leitores que exigir delle. Pela minha parte eu concordo com os seus admiradores sobre o merecimento poetico da Historia de Saladino, a pesar disso não hesito em declarar, que sem fallar em algumas pequenas negligencias do estylo, e de expressão, me não contenta a methaphisyca de amor platonico, e os alambicados sentimentos, que resombram em parte da falla de Saladino: elles não me parecem convir a um Mahometano: o amor dos Musulmanos é abrazador como o Sol dos seus paizes ardentes, o seu ciume é como o furor dos Leões, e dos Tygres, e nada mais estranho, e mais opposto á sua natureza, caracter, e opiniões, que esse culto exaggerado dado ás mulheres segundo o enthusiasmo da Cavallaria. Dizer, como Saladino, que não ousa vingar-se do seu rival, por não dar desgosto á sua bella Adultera, me pareceria demasiada devoção em D. Florisel de Niquea, Amadis da Gaula, ou D. Floridante de Hespanha; mas attribuir tal conceito a um Indio Musulmano, me parece transcender todos os raios de verosimilhança. Fernão Alvares do Oriente é um dos nossos melhores Classicos, e um alumno, que faz muita honra á Eschola Italiana; as suas Obras devem ser estudadas pelos que pertendem fallar a nossa lingua com elegancia, e pureza, porque nellas encontrarão muitos modos de dizer graciosos, muitas expressões energicas, e pictorescas, de que po dem aproveitar-se nas suas composições, tanto em verso, como em prosa. O Padre Antonio dos Reis no seu Enthusiasmo Poetico, lhe consagrou estes versos: Ferreira canorus, (*) Tuque colens, Fernande, plagas, quas roscido primum (*) Este Ferreira, de que aqui se falla, não é o Doutor Antonio Ferreira, o Author da Castro; mas outro Poeta mais moderno, cujo nome era Diogo Ferreira de Figueiroa, de que faz mensão D. Francisco Manoel de Mello nas suas Obras Familiares. |