Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

CAPITULO III.

Francisco de Andrade.

Este Poeta, que figura distinctamente entre os nossos

melhores Epicos de segunda ordem, nasceu na Cidade de Lisboa; não consta ao certo o anno do seu nascimento, pôsto que pareça verosimil que fosse pelos annos de 1540, pouco mais ou menos.

Foi filho de Francisco Alvares de Andrade, fidalgo da Casa d'El-Rei D. João III., e de Isabel de Paiva, sua mulher, e filha de Nuno Fernandes Moreira, Escrivão da Camara de Lisboa.

Francisco de Andrade frequentou, com muito aproveitamento, os estudos de humanidades, em que sahiu muito extremado, grangeando tal respeito por seu talento, e saber, que faltando da vida presente o Guarda Mór da Torre do Tombo Antonio de Castilho, grande Literato, e grande Poeta, foi, sem o requerer, escolhido para o substituir naquelle logar, cuja serventia, naquelles tempos, só era conferida a pessoas de consummada literatura.

Foi igualmente agraciado com a nomeação de Chronista Mór do Reino, que muitas vezes se annexava ao emprego de Guarda Mór da Torre do Tombo. No exercicio destes logares, tão lucrativos como honrosos, passou a vida tranquillamente até ao anno de 1614, em que fallesceu.

Francisco de Andrade desde os seus primeiros annos cultivou a poesia, que então andava mui valída na côrte, e estimada entre os particulares: porém de todas as suas Obras poeticas, que nos consta terem sido numerosas, apenas publicou as seguintes: Instituição d'El-Rei Nosso Senhor; esta Obra é uma traducção em verso solto, ás vezes elegante, de outra que o Doutor, e Lente da Universidade de Coimbra Diogo de Teive, havia compos

to com este titulo « Epodon, sive lambicorum carmen, Libri trez » e sahiu á luz com o original em Lisboa, anno de 1565. A traducção principia com estes versos

Doutas habitadoras do Parnaso,
Manifestai agora aos bons Poetas
O sagrado liquor das vossas fontes.

Apesar da loucania, e elegancia de linguagem desta traducção, força é confessar, que os versos peccam muitas vezes por falta de numero, e de nobreza; este defeito, The é commum com todos os Poetas coevos, que todos parecem fallar uma linguagem estranha, quando se desajudam da ryma: antes da epocha da Arcadia, não ha em Portuguez versos soltos, que possam dizer-se bons. Philomela de S. Boaventura. Lisboa 1566, em 12.o Esta Obra principia assim

Philomela suave, que cantando,

O fim do breve Inverno denuncias,
E a vinda do Verão alegre, e brando.

Esta poesia é muito superior á outra, pelos pensamentos, pela expressão, e pelo metro. Junte-se a isto o seguinte Soneto, em louvor da Elegiada de Luiz Pereira Brandão, impresso com o mesmo Poema, e teremos todos os Poemas de menor extenção, que restam de Francisco de Andrade.

SONETO.

De lagrimas, de mortes, de crueza,

De sangue, inda hoje fresco em Barberia,
Brandos versos fazer, doce harmonia,
Que dá gosto apesar da mór tristeza;

Major espanto foi, mór estranheza,
Que o que fingiu de Orpheo a Poesia,
Que si elle as cousas naturaes movia,
Estoutro move a mesma Natureza.

Esta estranheza tal, que em mór espanto
O que melhor a entende hoje tem pôsto,
A ti, Pereira, só foi concedida.

Ditoso aquelle, a quem chegar teu canto,
Que pois da sua dôr fizeste gosto,
Tambem de sua morte serás vida.

Mas que caminho levaram os seus outros Sonetos, as suas Poesias Lyricas, que não deviam ser em pequena quantidade, visto que estava então tanto em moda escrever neste genero? Ficaram sem dúvida em manuscripto sepultadas nas livrarias de alguns Conventos, e pela suppressão delles, sabe Deos o fim que tiveram.

Que elle devia, como os outros Poetas do seu tempo, ter composto Sonetos, Eclogas, Canções, Epistolas, e Elegias é cousa que não admitte dúvida. Nenhum homem enceta a carreira poetica com a composição de um Poema Epico para abalançar-se a tamanha empreza é necessario ensaiar muitas vezes o vôo, adquirir forças, e grangear com longo exercicio a perfeição de estylo, para poder remontar-se com segurança a região tão elevada; e com tudo nada mais trivial entre nós, que vêr Poetas, que se apresentam no Pindo só com uma Epopeia na mão! Que Poesias Lyricas nos deixaram Gabriel Pereira de Castro, Francisco de Sá, e Menezes, Antonio de Sousa Macedo, Braz Garcia Mascarenhas, e Vasco Mouzinho de Quevedo? Qual sería a causa disto? Pensariam acaso que a Poesia Lyrica era um jogo pueril, que lhe não dava honra? Sería por isso, que Francisco de Andrade, em tão longa, e prospera vida, não teve tempo de collegir, e publicar os seus Poemas deste genero? Mas quantos Poetas Heroicos não trocariam de boamente a sua gloria pela de Pindaro, Horacio, e Petrarcha? pela de Chiabrera, de Gray, de Antonio Diniz, e de Francisco Manoel? Um Poeta Lyrico de primeira ordem vale cem vezes mais do que um Epico mediano, ou um escriptor de Tragedias de segunda ordem: Rousseau, e Le Bron sempre serão mais estimados, e applaudidos que Campistron, e La Fosse. Embora Caliope, e Melpomene tenham no Pindo um throno mais elevado do que Clio, e Eu

[ocr errors]

therpe: as grandes reputações em poesia, não provém do genero, que se cultiva, mas da maneira superior por que se cultivam os generos. O genio sempre é grande em qualquer terreno, que se apresente..

Quanto não teria perdido a Literatura Italiana si Torquato Tasso, e Luduvico Ariosto, contentes da gloria, que lhes resultava de haverem publicado o Gofredo, e ó Amintas o primeiro, e o segundo o Orlando Furioso, tivessem queimado, ou deixado em manuscripto, as suas outras composições? Marini por haver publicado o Adonis, e Guarini o Pastor Fido regeitaram acaso o louvor, que podiam grangear-lhe as suas Poesias Lyricas?

Para affiançar immortalidade ao grande nome de Klopstock bastava sem dúvida a grande concepção da sua Messiada, a mais sublime, e a mais rica de todas as Epopeias sagradas: mas deixam por isso os Alemães de ler, e admirar as suas magnificas Odes, que todos os dias repetem, e cantam com enthusiasmo?

Si Luiz de Camões não tivesse dado á luz senão as suas rymas, nem por isso deixaria de ser considerado como o primeiro dos nossos Poetas antigos, o Patriarchal da nossa poesia, e o aperfeiçoador da versificação portugueza; tamanha é a pureza, e louçania de linguagem que nellas reinam, tão brilhantes as suas imagens, tão patheticos os seus affectos, e tão harmoniosos, e correc

tos os seus versos.

Foi, não se nega, grande brazão para a nossa patria, e para as nossas letras, que elle com os Lusiadas desse á Europa um genero novo de Epopeia, como o reconheceo Rochefort, no Prefacio da sua traducção de Homero, em verso francez; mas tambem não póde negar-se, que o Cantor das glorias nacionaes, para ser tido em conta de grande Poeta não precisava juntar os Louros Epicos, ao Diadema Lyrico, com que as Musas lhe haviam adornado a douta fronte.

É pois muito para sentir, que os nossos melhores Poetas Epicos tivessem o capricho de condemnar ao esquecimento as suas composições lyricas.

É nas poesias lyricas, que o grande Poeta, livre de regras, e fórmas convenciónaes, póde mais francamente abandonar-se ao impulso da inspiração, soltar os vôos

da phantasia, divagar como a Abelha de flor, em flor, sobre differentes objectos, tornar rapidamente ao assumpto, e revestir as suas idéas de toda a magia do estylo, de todos os encantos da linguagem, e da harmonia variada da versificação.

Outra vantagem da poesia lyrica, é que ella nasce or dinariamente das impressões fortuitas, que soffre a alma do Poeta, e por isso se torna a expressão natural dos seus affectos, da sua admiração, dos seus prazeres, que se harmonisam, e consonam com os sentimentos do Leitor, o que se torna uma fonte perene de interesse, e de sympathia; além disso a pequenez dos assumptos não dá logar ao cançasso, ás quebras de imaginação, que frequentes se encontram nas grandes composições como a Tragedia, e o Poema Epico, que sam verdadeiras tarefas, e não meros desafogos do engenho.

Si considerarmos a belleza de estyle, e da versificação de Francisco de Andrade, não podemos deixar de conhecer, que as suas composições lyricas seriam de merito muito relevante, e de muita gloria para o seu nome, mas • Poeta não se dignou de collegi-las, e contentou-se de apresentar-se no Templo da Memoria quasi sem mais recommendações do que o Primeiro Cerco de Dio.

Esta Epopeia consta de vinte Cantos, em Oitavas, e a Fabula, si póde dizer-se que tem Fabula, começa não ab ovo, mas a Gallina, segundo a expressão de Scaligero, em objecto semilhante, pois o Poeta abre a scena do seu Poema dando larga conta da vida, costumes, e caracter do Sultão Badur, Rei de Cambaia; passa logo a narrar a tomada da Ilha de Beth, pelo Governador Nuno da Cunha, com tamanho estrago, e matança dos naturaes, que por isso os Portuguezes lhe ficaram chamando a Ilha dos Mortos eis aqui o modo porque elle descreve esta graude facção.

O Lusitano Heitor á porta imiga
Chega, com ferrea luz resplandecendo,
Não ha nenhum dos seus, que não o siga,
E tambem não commetta ousadamente;
Trava-se ali cruel, e dura briga,
Porque a força maior da imiga Gente,

« VorigeDoorgaan »