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Posta em hum Esquadrão naquella parte,
Seu forte Capitão segue o estandarte.

Huns por subir então no baixo muro,

E, por romper a porta, outro trabalha,

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Faz isto não haver logar seguro,

Mas perigosa em todos a batalha ;
Oh fortuna cruel! oh fado duro,
Quem ha que contra ti resista, ou valha?
Guarda-te, forte Heitor, muda esse pôsto,
Porque em mortal perigo ahi estás pôsto.

Mas quem ha hi, que não esteja preso Do que manda o que o Ceo alto governa? Desce hum raio de Marte, em fogo acceso, Lá da parte do muro mais superna, Não detem o forte aço o subtil peso, Ao valoroso Heitor passa uma perna, Cahe o corpo mortal, que a morte o chama, Mas triumpha da morte a eterna Fama.

Mas antes no salgado Senhorio
Trez vezes accendeo o Sol séu lume,
Que cortasse o subtil delgado fio
A Parca, que as mortaes vidas consume;
Aposentam na Terra o corpo frio,
A alma sobe ao claro ethereo cume,
Com gran perda da Gente Lusitana,
De que o salgado humor de carpir mana.

E feita mais feroz, e mais accesa
Co'a grave dôr, que lá n'alma a lastima,
Rompe a porta, dá fim á dura empreza,
Por mais que lho defendem lá de cima;
Porém acha no Mouro gran defesa,

Que tambem a honra mais que a vida estima,
Porque qualquer parece hum novo Marte
Em quanto os não entraram d'outra parte.

Porém depois de entrados não se rendem, Nem de fraqueza mostram apparencia,

Em quanto dura a força, se defendem,
E vam buscar a morte á competencia,
Os mais delles em fim mortos se estendem,
Que não lhes val nenhuma resistencia,
E o mesmo logar mortos occuparam,
Que para defender vivos tomaram.

A todo o que escapóu das mãos dos nossos, Os melhores dos seus já mortos vendo, Lá junto ao mais intrinsico dos ossos, Se foi hum tremor frio decorrendo, E para se salvar dos fortes, grossos, Esquadrões Lusitanos, recolhendo Se vai qual por cisterna humida, e fria, Qual por furna, ou por cova alta, e sombria.

Hum a que entre humas pedras tinha dado De salvar-se o temor grande esperança, Por hum de seus imigos foi achado, Que o fez sahir á sanguinosa Dança; Acena logo o Mouro c'o terçado, Estende o Portuguez a teza lança; O ferro por diante nelle encobre, Que por de traz de novo se descobre.

O Mouro, cuja Fama agora vôa,
Lá pela região clara, e superna,
E c'o metal sereno o Mundo atrôa,
Pola fazer ao Mundo sempiterna,
Pola lança passada assi si côa,
Ao imigo cruel corta uma perna,
Juntamente na terra ambos se estendem,
E juntamente o Espirito ambos rendem.

De meus versos cantado eternamente Fôras, valente Mouro, si meu canto, Não tivera outro objecto aqui presente, De que eu me ensoberbeço, e me honro tanto, Que com imaginar nelle sómente

The ás claras Estrellas me levanto;

Mas a falta da minha, ou de outra historia.
Não poderá tirar-te a tua gloria.

Alguns, a quem o esforço inda não falta,
Por fugirem do jugo Lusitano,
Qual o ferido Cervo corre, e salta,
A buscar o remedio do seu damno,
Sobem logo na rocha, que he mais alta,
E se vam abraçar com largo Oceano,
Onde chegando já despedaçados
Entre os Peixes ficaram sepultados.

Os Christãos a triste Ilha em fim tomaram,
Cessa logo o furor, mitiga-se a ira,
Só dous, ou trez captivos nella acharam,
E as cinzas de que o fogo consumira,
O seu primeiro nome lhe mandaram,
Os mortos, que ella em vão chora, e suspira,
E de si lhe pozeram o segundo
C'o qual he conhecida hoje no Mundo.

Este tão triste fim tão lastimoso
Do que tão facil hoje se cuidava,
Mostrou quanto então hera proveitoso,
O conselho que o Turco antes lhe dava,
Porque o Povo de si pouco animoso
O alvoroço perdeo, que antes levava,
E do animoso Heitor, que tanto estima,
O entristece a grâa falta, e desanima.

Depois desta espantosa carnificina, Nuno da Cunha mauda uma frota infestar as costas de Cambaia, em virtude de cujas devastações o Sultão faz propozições de paz, que são acceitas.

Entanto os Mogores rompem guerra com o Rei de Cam. baia, este vendo-se em grande apuro, implora o soccorro de Martim Affonso de Sousa, Capitão do Mar. Edifica-se a fortaleza de Dio; mas de preça se conhece que Badur, que só por força da necessidade, e pelo desejo de ser soccorrido concedera aos Portuguezes o assentarem fortaleza em Dio, agora livre de perigo, não só se arrepen

dêra da mercê outhorgada, mas conspira para demoli-la, e exterminar todos os Portuguezes, que nella existem.

As suspeitas tornam-se realidades, e o Governador da India Nuno da Cunha, informado desta perfidia, e conhecendo a importancia do negocio, apresentou-se em Dio com uma armada formidavel.

O Sultão, vendo os seus projectos transtornados, e procurando illudir o Governador, á força de honrarias, resolve ir visita-lo a bordo da almiranta; Cunha o recebe com toda a distinção, mas na volta para terra, é por sua ordem assassinado a bordo de uma fusta.

Narra depois o Poeta, como o Governador depois de confiscar os armazães, e thesouro de Badur, faz collocar no throno de Cambaia a Merizam Harard, que em breve é desthronado pelos Grandes do Reino, que tomam o partido do Principe Mahamoud, sobrinho de Badur, e por isso seu legitimo herdeiro.

Todos estes acontecimentos, e alguns, em que não julguei necessario tocar, formam a materia dos primeiros nove Cantos, vindo por isso a acção a principiar no Canto decimo, o que na verdade é um pouco tarde.

Neste decimo Canto o Renegado Italiano Coge Cofar, apresenta-se em Amadabat, côrte do Sultão Mahamoud, a quem persuade a vingança de Badur seu tio, a expugnação da fortaleza de Dio, e o exterminio dos Portuguezes, por quem aquelle Monarcha fôra morto. O Sultão The confere o commando de suas tropas, com que Cofar marcha para Dio, e dá um vigoroso assalto á Villa dos Rumes, é rechaçado, e se retira ferido para Nevanegaes.

Antonio da Silveira, Capitão da fortaleza, vendo assim repetidas as hostilidades, toma a resolução de defender a Ilha, e o Renegado a ataca com todas as suas forças, ha diversos recontros, de que resulta ficar finalmente a Ilha em poder dos inimigos, que dahi concebem grandes esperanças do bom resultado da sua empreza.

O Capitão assalta novamente os Mouros, e recolhe-se á fortaleza, onde se fortefica; Coge Cofar, e Alican, fazem sua entrada na Cidade, e passam logo a assentar seus arraiaes, e Lopo de Sousa Coutinho, ataca, e rompe os inimigos por differentes vezes.

Uma armada de Turcos, vem lançar ferro diante de

Dio; o Poeta dá conta dos motivos desta expedição, e do acontecido em sua viagem; o Chefe manda assaltar a fortaleza pelos Janizaros, e uma horrivel tempestade dispersa a frota Othomana, que vai acolher-se no porto de Madrafabal; continúa em tanto o cerco, dam-se diversos, e repetidos assaltos, em que a defesa é igual á vivacidade dos ataques. Lopo de Sousa chega ao baluarte de Francisco Pacheco, e salva a fortaleza.

Tornam a surgir os Turcos diante de Dio, e dam morte a João Peres, e a seus companheiros; Antonio da Silveira recebe uma carta de Francisco Pacheco, a que responde. Os Turcos assestam sua artilharia, e com ella varejam impetuosamente o baluarte de Sousa, e os nossos melhoram o melhor, que podem as suas estancias.

Entra Manoel de Vasconcellos duas vezes na cava, e João da Niva trabalha por persuadir a guarnição para que entregue a praça, recusa ella capitular, e os Turcos a acommettem por cinco partes, e sendo repellidos recorrem a uma mina, em que é morto Gaspar de Sousa, que hia reconhece-la.

Entra na fortaleza o soccorro de Gôa, e Antonio da Silveira, ordena que os Catures vindos de Gôa se façam de véla ao despontar da manhãa; os inimigos atacam impetuosamente o baluarte, chamado do mar, mas sam rotos, e desbaratados na arremettida, ficando morto no campo o chefe, que os commandava.

Os Musulmanos cessam por algum tempo os assaltos, e continuam com o assedio. Os Turcos, já menos confiados, appellam da força para a astucia, retiram-se para assim colherem os Christãos desprevenidos; porém Silveira aventando o projecto dos Infieis, toma todas as precauções, que lhe aconselha a sua prudencia, e pratica da guerra.

Desembarcam de noite os Barbaros, e amparados das suas sombras dam vigoroso assalto á praça, e sam rechassados com grande mortecinio, e dicide-se finalmente o negocio em uma batalha geral, em que os inimigos desbaratados se embarcam.

Por esta exposição da marcha do Poema, se vê que o Author em sua contextura não empregou artificio algum, nem soube dar-lhe a forma epica, sendo aliás mui facil

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