Posta em hum Esquadrão naquella parte, Huns por subir então no baixo muro, E, por romper a porta, outro trabalha, Faz isto não haver logar seguro, Mas perigosa em todos a batalha ; Mas quem ha hi, que não esteja preso Do que manda o que o Ceo alto governa? Desce hum raio de Marte, em fogo acceso, Lá da parte do muro mais superna, Não detem o forte aço o subtil peso, Ao valoroso Heitor passa uma perna, Cahe o corpo mortal, que a morte o chama, Mas triumpha da morte a eterna Fama. Mas antes no salgado Senhorio E feita mais feroz, e mais accesa Que tambem a honra mais que a vida estima, Porém depois de entrados não se rendem, Nem de fraqueza mostram apparencia, Em quanto dura a força, se defendem, A todo o que escapóu das mãos dos nossos, Os melhores dos seus já mortos vendo, Lá junto ao mais intrinsico dos ossos, Se foi hum tremor frio decorrendo, E para se salvar dos fortes, grossos, Esquadrões Lusitanos, recolhendo Se vai qual por cisterna humida, e fria, Qual por furna, ou por cova alta, e sombria. Hum a que entre humas pedras tinha dado De salvar-se o temor grande esperança, Por hum de seus imigos foi achado, Que o fez sahir á sanguinosa Dança; Acena logo o Mouro c'o terçado, Estende o Portuguez a teza lança; O ferro por diante nelle encobre, Que por de traz de novo se descobre. O Mouro, cuja Fama agora vôa, De meus versos cantado eternamente Fôras, valente Mouro, si meu canto, Não tivera outro objecto aqui presente, De que eu me ensoberbeço, e me honro tanto, Que com imaginar nelle sómente The ás claras Estrellas me levanto; Mas a falta da minha, ou de outra historia. Alguns, a quem o esforço inda não falta, Os Christãos a triste Ilha em fim tomaram, Este tão triste fim tão lastimoso Depois desta espantosa carnificina, Nuno da Cunha mauda uma frota infestar as costas de Cambaia, em virtude de cujas devastações o Sultão faz propozições de paz, que são acceitas. Entanto os Mogores rompem guerra com o Rei de Cam. baia, este vendo-se em grande apuro, implora o soccorro de Martim Affonso de Sousa, Capitão do Mar. Edifica-se a fortaleza de Dio; mas de preça se conhece que Badur, que só por força da necessidade, e pelo desejo de ser soccorrido concedera aos Portuguezes o assentarem fortaleza em Dio, agora livre de perigo, não só se arrepen dêra da mercê outhorgada, mas conspira para demoli-la, e exterminar todos os Portuguezes, que nella existem. As suspeitas tornam-se realidades, e o Governador da India Nuno da Cunha, informado desta perfidia, e conhecendo a importancia do negocio, apresentou-se em Dio com uma armada formidavel. O Sultão, vendo os seus projectos transtornados, e procurando illudir o Governador, á força de honrarias, resolve ir visita-lo a bordo da almiranta; Cunha o recebe com toda a distinção, mas na volta para terra, é por sua ordem assassinado a bordo de uma fusta. Narra depois o Poeta, como o Governador depois de confiscar os armazães, e thesouro de Badur, faz collocar no throno de Cambaia a Merizam Harard, que em breve é desthronado pelos Grandes do Reino, que tomam o partido do Principe Mahamoud, sobrinho de Badur, e por isso seu legitimo herdeiro. Todos estes acontecimentos, e alguns, em que não julguei necessario tocar, formam a materia dos primeiros nove Cantos, vindo por isso a acção a principiar no Canto decimo, o que na verdade é um pouco tarde. Neste decimo Canto o Renegado Italiano Coge Cofar, apresenta-se em Amadabat, côrte do Sultão Mahamoud, a quem persuade a vingança de Badur seu tio, a expugnação da fortaleza de Dio, e o exterminio dos Portuguezes, por quem aquelle Monarcha fôra morto. O Sultão The confere o commando de suas tropas, com que Cofar marcha para Dio, e dá um vigoroso assalto á Villa dos Rumes, é rechaçado, e se retira ferido para Nevanegaes. Antonio da Silveira, Capitão da fortaleza, vendo assim repetidas as hostilidades, toma a resolução de defender a Ilha, e o Renegado a ataca com todas as suas forças, ha diversos recontros, de que resulta ficar finalmente a Ilha em poder dos inimigos, que dahi concebem grandes esperanças do bom resultado da sua empreza. O Capitão assalta novamente os Mouros, e recolhe-se á fortaleza, onde se fortefica; Coge Cofar, e Alican, fazem sua entrada na Cidade, e passam logo a assentar seus arraiaes, e Lopo de Sousa Coutinho, ataca, e rompe os inimigos por differentes vezes. Uma armada de Turcos, vem lançar ferro diante de Dio; o Poeta dá conta dos motivos desta expedição, e do acontecido em sua viagem; o Chefe manda assaltar a fortaleza pelos Janizaros, e uma horrivel tempestade dispersa a frota Othomana, que vai acolher-se no porto de Madrafabal; continúa em tanto o cerco, dam-se diversos, e repetidos assaltos, em que a defesa é igual á vivacidade dos ataques. Lopo de Sousa chega ao baluarte de Francisco Pacheco, e salva a fortaleza. Tornam a surgir os Turcos diante de Dio, e dam morte a João Peres, e a seus companheiros; Antonio da Silveira recebe uma carta de Francisco Pacheco, a que responde. Os Turcos assestam sua artilharia, e com ella varejam impetuosamente o baluarte de Sousa, e os nossos melhoram o melhor, que podem as suas estancias. Entra Manoel de Vasconcellos duas vezes na cava, e João da Niva trabalha por persuadir a guarnição para que entregue a praça, recusa ella capitular, e os Turcos a acommettem por cinco partes, e sendo repellidos recorrem a uma mina, em que é morto Gaspar de Sousa, que hia reconhece-la. Entra na fortaleza o soccorro de Gôa, e Antonio da Silveira, ordena que os Catures vindos de Gôa se façam de véla ao despontar da manhãa; os inimigos atacam impetuosamente o baluarte, chamado do mar, mas sam rotos, e desbaratados na arremettida, ficando morto no campo o chefe, que os commandava. Os Musulmanos cessam por algum tempo os assaltos, e continuam com o assedio. Os Turcos, já menos confiados, appellam da força para a astucia, retiram-se para assim colherem os Christãos desprevenidos; porém Silveira aventando o projecto dos Infieis, toma todas as precauções, que lhe aconselha a sua prudencia, e pratica da guerra. Desembarcam de noite os Barbaros, e amparados das suas sombras dam vigoroso assalto á praça, e sam rechassados com grande mortecinio, e dicide-se finalmente o negocio em uma batalha geral, em que os inimigos desbaratados se embarcam. Por esta exposição da marcha do Poema, se vê que o Author em sua contextura não empregou artificio algum, nem soube dar-lhe a forma epica, sendo aliás mui facil |