tro, que casou com D. João de Menezes, Alferes Mór do Reino. Este acontecimento parece na verdade incrivel, mas é affirmado pelas memorias contemporaneas, e mostra, que a natureza interrompe ás vezes a sua marcha uniforme, operando em alguns individuos de uma manei ra excepcional.g anal sex D. Isabel de Castro e Andrade falleceu em Lisboa no anno de 1595, e foi sepultada com grande pompa, como convinha á posição, que gozava no mundo, na Capella mór do Convento da Annunciada, jazigo da sua familia. Este Mosteiro de Freiras, cujo local está hoje occupado por uma parte do Passeio Público, onde ha poucos annos se encontrou soterrada alguma cantaria delle, e algu mas Imagens de pedra, foi derrubado, e incendiado pelo espantoso, terremoto de 1755, que destruio a maior parte da antiga Lisboa, e lá ficaram envoltos no pó: das suas ruinas, os venerandos ossos de quem tanto havia honrado as possas Letras, mas o teu à pi D. Isabel de Castro não dava todo o tempo ao ergotismo da Theologia Escholastica, e as prelecções da Phylosophia Peripathetica, unica que então estava em uso nas nossas Aulas; havia nascido com grande aptidão, c talento para a poesia, e frequentava assiduamente a doce conversação e tracto das Musash b:mesmo nos ultimos annos da sua vida, que na verdade não foi das menos longas, a suave harmonia dos seus versos, a belleza, e sublimidade dos seus pensamentos, o seu estylo engenhoso, e a graça da sua expressão, fazia que os melhores Poetas daquelle tempo, não só nacionaes, mas estrangeiros, folgassem de frequentar a sua casa, e the tributassem grandes applausos como a Poetisa muito distincta. Consta que as suas composições poeticas foram numerosas, como era de esperar de uma Dama, que tanto amava as letras, que vivia no centro das riquezas, e das honras, livre de perseguições, desassombrada de desgostos, e por isso na posse daquelle oecio, e remanso, que as Musas demandam, e que raras vezes conseguein, Fosse porém falta de zelo pela sua reputação poetica, ou pouca conta, em que tivesse as suas composições deste genero, é certo que tantas, estão variadas poesias, de cujo merito bha innumeraveis testemunhos contempora 21 * neos, ficaram por sua morte em manuscripto; que os seus herdeiros, e parentes nunca tractaram de imprimilas; e que talvez estejam agora dormindo, ignoradas, si é que o tempo, e o desleixo dos homens as tem respeitado, na livraria da casa de Louriçal, sem que talvez te nham conhecimento dellas, os actuaes possuidores deste thesouro literario. Neste naufragio universal dos Poemas de D. Isabel de Castro, apenas dous Sonetos Aparent rari nantes in gurgite vasto. VIRG. O assumpto do primeiro foi o estar o forno, em que se cosera a cal para as obras do Convento do Varatojo, convertido em uma Capella, dedicada a Christo crucificado; e ainda no anno de 1590 existia gravado no frontespicio da mesma Capella, o seu theor é o seguinte: SONETO. Cheia de furiosa flamma ardente Outra transformação mais excellente Edificios na Terra então fázia, Edificios no Ceo levanta agora, odc. Vêde a transformação daquelle effeito! exo Passou de noite escura a claro dia, Com tão grande vantagem se melhora, to Que então abrandou pedras, hoje o peito! Este Soneto, que sahiu impresso na Parte III., Livro III., Capitulo XIV. da Historia Seraphica da Provincia de Portugal, d'onde o copiei, mostra que os contemporaneos tiveram razão em avaliar os versos de D. Isabel por igualmente sentenciosos, cadentes, e elegantes, porque todas estas circumstancias se acham nestes; mostra mais, que esta senhora seguia os bons principios da Eschola Italiana, pois em assumpto, que dava tão larga margem para os refinamentos conceituosos, e esquisitamente engenhosos do Gongorismo, se contentou de um estylo simples, e de idéas graves, e naturaes; com tal assumpto quantas anthiteses, equivocos, e jogos de palavras, e contrapostos não amontoariam um Frey Jeronymo Vahia, Soror Violante do Ceo, ou Manoel de Vasconcellos! 2 O segundo Soneto encontra-se no Commentario das Rhythmas de Luiz de Camões, por Manoel de Faria e Sousa, Tomo I, pag. 181, e tem por objecto louvar a Arau cana, Poema Epico do celebre Poeta Hespanhol D. Alonso de Ercilla y Zuniga, louvor na verdade bem merecido, em relação ao estylo poetico, boa verseficação, e lin guagem pura com que está escripto aquelle Poema, e que todos lhe reconhecem. O Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes, nos discursos preliminares da sua Henriqueida, diz, que este Soneto de D. Isabel de Castro fizera entre nós a reputação da Araucana; se assim é, póde dizer-se que recebeu o baptismo da fama com padrinho, e madrinha, pois foi o voto de Voltaire que o fez passar na Europa pela primeira Epopeia Hespanhola, e a authoridade deste voto arrastrou não só a opinião dos estrangeiros, mas a de alguns Criticos Hespanhoes; porém como a razão, e a verdade estam primeiro que qualquer authoridade por muito respeitavel, que seja, não porei dúvida nenhuma em dizer, que Voltaire era mui fraco conhecedor da literatura hespanhola, e que o haver elle no seu Ensaio sobre a Poesia Epica, dado á Araucana o primeiro logar entre as Epopeias Hespanholas, não quer dizer si não, que esta lhe parecera melhor entre as poucas, que havia lido mas estou certo de que si elle tivesse conhecimento da Invencion de la Cruz de D. Francisco Zarate; do Bernardo do Bispo de Porto Rico D. Bernardo de Balbuena, ou da Christiada do Padre Ojeda, o seu juizo sería muito differente. Não se pease porém que digo isto por ter em pouca consideração a Araucana. Faço justiça á poesia de esty+ lo, de que se adorna aquelle Poema, a sua excellente ver. sificação, viveza da pintura dos costumes dos Indios, e a originalidade das situações; mas um Poema minguado de invenção, e de meravilhoso, em que não ha um protogonista, em que falta uma fabula bem organisada, em que estam juntos diversos factos, que não se enlaçam em uma só acção, em que ha longos episodios, inteiramente estranhos ao assumpto, como a narração da morte de Dido contada por Ercilla, durante uma longa marcha, conforme a narram os Historiadores, para (diz elle) justificar aquella Rainha das calumnias de Virgilio, e a visão da batalha de Lepanto, talvez o trecho mais poetico de toda a Obra; um Poema que principia por uma descripcão geographica do Chili, e acaba com um manifesto dos direi tos de Filippe II. ao Reino de Portugal, um Poema que em rigor é uma chronica bem versificada, não pode estar ao par, e muito menos julgar-se superior aos Poemas supramencionados, que tem uma fabula bem tecida, e que especialmente o Bernardo, não cedem nem em metro, nem em poesia de estylo à Araucana de Ercilla. Araucana Nação, mais venturosa Mais, que quantas hoje ha, de gloria dina, 2.J Pois na prosperidade, e na ruina Sempre invejada estaes, nunca invejosa. Si enrista o illustre Affonso a temerosa 16 Lança; si arranca a espada, que fulmina, Creio que julgareis que determina Só conquistar a terra bellicosa. 12 Fará; mas não temais essa mão forte; CoQue si vos tira a liberdade, e a vida, J Ella vos pagará bem largamente. - Que a troco de huma breve, e honrada morte, Em seu divino estylo esclarecida, Deixará vossa terra eternamente. Este Soneto faz na verdade muita honra ao Author da Araucana, e por isso é mui de notar, que nunca se haja inpresso junto com a Obra elogiada, mesmo na edição de 1580, si bem me lembro, onde vem bastantes Sonetos laudatorios, de diversos Poetas Hespanhoes, com os nomes de seus Authores. CAPITULO V. aksi Antonio Gomes de Oliveira, .I Ha hi homens, que, escrevendo muito, tem a desgra ça de que poucas, ou nenhumas de suas Obras chegam á posteridade, e acontece muitas vezes que a perda dos seus escriptos não provenha da falta de merito destes, mas sim de circumstancias eventuaes, que os fizeram desaparecer depois de publicados, ou porque sua pobreza, ou descuido, ou o de seus herdeiros, os embaraçou de dá-los á luz.payroll,go mao „salov 10 í a Temos muitos exemplos desta fatalidade, tanto entre os modernos, como entre os antigos. Perdeu-se a maior parte das Obras de Pindaro, que pelas poucas que existem, é reconhecido pelo primeiro Lyrico da Grecia; fo ram grandes Lyricos Aleeo, Sthesychoro, e Sapho; e que conhece delles a posteridade? Os nomes, e alguns frag mentos. Poucos Hymnos, e alguns Epigrammas, eis, o que nos resta de Callimaco, o mais pulido, e elegante Poeta da Eschola Alexandrina, que tantos Poemas, e Obras de prosa havia dado á Literatura Hellenica. Que possuimos hoje de Minnermo, de Archiloco de Eupolis, de, Cratino, de Pisandro, do Author do Poema dos Ariomnaspes, e tantos outros Poetas tão admirados da antiguidade ? ** |