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Com semblante affligido; os tristes olhos
Com intrinsica pena os tinha promptos
Naquella já defuncta formosura.

Cuida no duro termo, a que seus gostos,
A que todos seus bens se reduziram,
Cuida em contentamentos já passados,
Que agora muito mais o intristeciam.
Ali, por maior dôr se lhe apresenta
O vario proceder dos seus amores,
O principio alterado, e o successo
Tão prospero, jucundo, e tão felice;
Cuida como passou em sombra o tempo
Ligeiro, e tão amigo de mudanças,
E quando imaginava estar mais alto
Vio da mudavel roda a volta dura.

O Poeta riunio aqui todas as circumstancias capazes de mover a compaixão: uma joven tão formosa como desgraçada, sem um tenue véo com que se cubra, expirando de fome, e cançaço abraçado aos filhos em um descampado de Africa, procurando com os olhos o esposo ausente, e quando elle chega, não tendo já forças para articular um adeos; e sem mais consolo que morrer com os olhos fictos nelle; os gritos, e lamentos, echoros das criadas, suas unicas exequias, repetidas pelos echos das rochas, e dos arvoredos dos desertos; a dôr muda do esposo, que se reclina ao lado do cadaver, e não podendo chorar medita nos seus gostos passados, nas vicicitudes dos seus amores, na ventura que lhe fugio, e na desgraça que lhe resta; tudo isto sam pinceladas de mestre, concepções de espirito altamente poetico; duvido que em alguma Tragedia se encontre uma Scena, em que o terror, a compaixão esteja levada a este auge! Até a versificação é, neste trecho, perfeita, harmoniosa, e inergica quanto póde ser! Mas o genio do Poeta ainda não cança, ainda acha novos rasgos que juntar a esta pintura tão terna, vėjamos.

Depois que hum grande espaço está pasmado,
Opprimido de dôr o peito enfermo,
Alevanta-se, e vai mudo, e choroso

Onde a praia se vê mais opportuna,
Apartando co'as mãos a branca areat
Abre nella huma estreita sepultura,
Torna-se atraz, alçando nos cansados
Braços aquelle corpo lasso, frio.
Ajudam as Criadas ás funestas
Derradeiras exequias com mil gritos:
Ai duro tempo! (dizem) como apartas
<< Para sempre de nós tal formosura ! »>
Na perpetua morada tenebrosa
A deixam, levantando alto alarido.
Com salgado liquor banhando a terra,
Aquelle ultimo, vale, todas dizem.

Não fica Leonor só na casa infausta,
Que de hum tenro filhinho se acompanha,
Que a luz vital gozou quatro perfeitos
Annos, ficando o quinto interrompido.
Ali co'a morta May o Filho morto,
Ambos com muito amor em terra jazem,
Ella lhe nega o branco amado peito,
E elle o doce, materno, amado gosto.
Ambos na solitaria praia ficam,
Junto das grossas ondas sepultados,
Deixando ao Mundo hum triste, raro exemplo,
Da perversa, cruel, impia fortuna.

O misero Sepulveda rodêa
Os olhos com effeito saudoso,
Em lagrimas desfaz o vulcão turvo,
De que assombrado tinha o triste esprito,
Com voz do triste choro embaraçada
Palavras diz de lastima, e piedosas.
Nos braços toma hum Filho, que ali tinha,
De tenra idade, e vista miseravel.
Por estreita vereda entra no mato
De bravos Leões, é Tygres povoado,
A morte vai buscando, elles doidos.

De seu mal lha darão em breve espaço.

Aqui devia acabar o Poema; depois destas scenas, em que está esgotado todo o pathetico, que interesse póde

achar o Leitor nas lamentações de Phebo, de Prótheo, e de Pan, que vem um depois do outro querelar-se sobre a sepultura de D. Leonor, e gravar sobre ella um Epithaphio, tudo isto é gracial, e inoportuno; nunca se fez um uso mais inutil, e absurdo da Mythologia Grega, não foi assim que della soube servir-se Camões, e a razão desta differença, (além da habilidade individual do Poeta) está, segundo penso, em que Camões applicou o meravilhoso mythologico a uma acção grande, publica, e de interesse geral, e cujos resultados eram mudar o estado da Europa, e talvez do Mundo inteiro; e Côrte Real a uma acção particular, e romantica, que não admittia os grandes meios, e as grandes machinas da Epopeia. O Naufragio de Sepulveda é uma verdadeira Tragedia narrativa, em que o grande ponto estava em excitar a compaixão, vibrando brandamente as cordas mais sensiveis do coração dos Leitores; e é tal a força de homogeniedade, e ligação das idéas, que as poucas vezes que o Poeta recorreo ao meravilhoso christão, o fez sempre com grande effeito, e para prova basta citar a apparição do espectro de seu filho natural a Manoel de Sousa de Sepulveda, o sangue de Luiz Falcão mandado assassinar por elle, apresentando-se diante do throno do Altissimo para pedir vingança, e a descida do Anjo, que por ordem do Senhor, vem deslumbrar, e amedrontar com seu folgor o espirito do culpado, e finalmente, a scena em que a Desesperação, e a Paciencia, dispertam a alma do viuvo de Leonor. Isto mostra que o Poeta teria feito melhor obra, se menos obediente aos preconceitos das escholas, unicamente se tivesse servido das machinas, que lhe fornecia a religião dos seus heroes, que era a sua propria.

Os Cantos deste Poema, como os dos outros, sam precedidos de Prologos, mas estes pelas idéas, e pela expressão sam muito superiores aos outros. Contentar-me-hei de citar o do Canto IV., que muitas vezes se eleva á magestade, e força da Poesia Lyrica.

Nada resiste ao Tempo; tudo vence,
Tudo desfaz, consume, e tudo gasta;
Grandes males, e perdas, grandes damnos,
Grandes desgostos dá a esquecimento.

Leva-nos da memoria em pouco espaço
Aquillo que antes hera espanto á Gente,
E o que nos assombrou hontem, já hoje
Leve o faz parecer brando, e tractavel.
Não ha tristeza grande, que não cure,
Não ha dôr, que com elle seja grave,
Todo o mal, e rigor, toda a aspereza
Este Velho cruel nos torna facil.
Aquelle caso atroz que a quem o ouvira
A grande indignação o provocava,
Tão esquecido fez, que quasi em sonho
Julgava a Gente ter accontecido.

Cesse já a Tempestade, e o duro Inverno
Passe, e leve comsigo as sombras negras,
Rompa-se o manto escuro, e tenebroso,
Que as amorosas almas tem sombrias;
Desfaça-se o Vulcão, e a nevoa espessa,
E infelice vapor molesto, e triste;
Venha já o resplendor do louro Apollo,
Aclare destes dous mal occulto.
O brando, suave Zephyro respire,
Nos brandos corações dos dous amantes,
Favoreça o gran mal, que o bravo, e fero
Vulturno tinha nelles supprimido;
Venha já, venha já a lucida estrella
Do Sepulveda já ditoso, e lêdo.
Brotem Lyrios os campos, que athegora
De Cardos espinhosos se cobriam,
Desappareça o rosto fusco, e negro
Da tristonha, sombria, e muda Noite,
Que em suspiros, e angustias occupados
Os dous ardentes peitos sempre tinha.
Appareça o risonho, lêdo rosto

Da fresca Aurora, e mostre lêdas cores
Nos tristes horisontes; resplandeca

Nos tristes corações alegre dia.

Compare-se este Prologo com qualquer dos do Cerco de Dio, e facilmente se convencerá o Leitor da grande differença, que entre elles se dá.

Resumindo, o Naufragio de Sepulveda é um Poema irregular, falto de ligação, e nexo de idéas, cheio de pedanteria, e mau gosto; mas entre esses defeitos ha bellezas de primeira ordem, que justificam os louvores, que por naturaes, e estrangeiros lhe tem sido prodigalisados.

A inexgotavel fecundidade de Jeronymo Côrte Real, não se contentou só com a composição dos Poemas, de que havemos feito menção; elle compoz mais outro tambem em verso solto sobre os Novissimos do Homem, que foi publicado pela primeira vez em Lisboa, no anno de 1768, em formato de 4.0, e com vinte e trez paginas; nada direi a seu respeito, porque apezar de todas as diligencias nunca pude alcançar um exemplar delle.

Consta tambem que havia composto outra Epopeia em muitos Cantos, e que tinha por titulo Perdicção d'El-Rei D. Sebastião em Africa, e das calamidades que se seguiram a este reino. Mas os Authores, que fazem mensão delle, não accrescentam que fôra impresso Tambem me não foi possivel encontra-lo, e é muito probavel que ficasse manuscripto, porque os seus parentes se não atreveriam a da-lo á luz durante o dominio dos Hespanhoes. Tenho para mim que o desapparecimento deste Poema foi grande perda para o Parnaso Portuguez, porque aquella grande catastrophe devia inspirar bem o estro de um Poeta de tamanha esphera.

Na primeira parte da Monarchia Lusitana, Livro IV., Capitulo VIII., acha-se um trecho de uma Elegia deste Poeta á morte de uma Dama illustre, natural de Evora, que mostra bem o que o Poeta poderia fazer neste genero.

Não temos as rhythmas de Jeronymo Côrte Real, que é natural que fossem numerosas, visto que nenhum Poela principia por compor um Poema Heroico; para tomar tão grande empreza é necessario que se tenha longo tempo exercitado na versificação, e aperfeiçoado o estylo nas composições lyricas: mas duas Cartas, em Tercetos, de Sepulveda a D. Leonor, e de D. Leonor a Sepulveda, que se lêem no Canto H. do Naufragio de Sepulveda; assim como as Canções de Pan nos Cantos IX., e X., me convencem de que si as suas composições deste genero chegassem a imprimir-se, Bernardes, Caminha, e talvez Fer

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