Com semblante affligido; os tristes olhos Cuida no duro termo, a que seus gostos, O Poeta riunio aqui todas as circumstancias capazes de mover a compaixão: uma joven tão formosa como desgraçada, sem um tenue véo com que se cubra, expirando de fome, e cançaço abraçado aos filhos em um descampado de Africa, procurando com os olhos o esposo ausente, e quando elle chega, não tendo já forças para articular um adeos; e sem mais consolo que morrer com os olhos fictos nelle; os gritos, e lamentos, echoros das criadas, suas unicas exequias, repetidas pelos echos das rochas, e dos arvoredos dos desertos; a dôr muda do esposo, que se reclina ao lado do cadaver, e não podendo chorar medita nos seus gostos passados, nas vicicitudes dos seus amores, na ventura que lhe fugio, e na desgraça que lhe resta; tudo isto sam pinceladas de mestre, concepções de espirito altamente poetico; duvido que em alguma Tragedia se encontre uma Scena, em que o terror, a compaixão esteja levada a este auge! Até a versificação é, neste trecho, perfeita, harmoniosa, e inergica quanto póde ser! Mas o genio do Poeta ainda não cança, ainda acha novos rasgos que juntar a esta pintura tão terna, vėjamos. Depois que hum grande espaço está pasmado, Onde a praia se vê mais opportuna, Não fica Leonor só na casa infausta, O misero Sepulveda rodêa De seu mal lha darão em breve espaço. Aqui devia acabar o Poema; depois destas scenas, em que está esgotado todo o pathetico, que interesse póde achar o Leitor nas lamentações de Phebo, de Prótheo, e de Pan, que vem um depois do outro querelar-se sobre a sepultura de D. Leonor, e gravar sobre ella um Epithaphio, tudo isto é gracial, e inoportuno; nunca se fez um uso mais inutil, e absurdo da Mythologia Grega, não foi assim que della soube servir-se Camões, e a razão desta differença, (além da habilidade individual do Poeta) está, segundo penso, em que Camões applicou o meravilhoso mythologico a uma acção grande, publica, e de interesse geral, e cujos resultados eram mudar o estado da Europa, e talvez do Mundo inteiro; e Côrte Real a uma acção particular, e romantica, que não admittia os grandes meios, e as grandes machinas da Epopeia. O Naufragio de Sepulveda é uma verdadeira Tragedia narrativa, em que o grande ponto estava em excitar a compaixão, vibrando brandamente as cordas mais sensiveis do coração dos Leitores; e é tal a força de homogeniedade, e ligação das idéas, que as poucas vezes que o Poeta recorreo ao meravilhoso christão, o fez sempre com grande effeito, e para prova basta citar a apparição do espectro de seu filho natural a Manoel de Sousa de Sepulveda, o sangue de Luiz Falcão mandado assassinar por elle, apresentando-se diante do throno do Altissimo para pedir vingança, e a descida do Anjo, que por ordem do Senhor, vem deslumbrar, e amedrontar com seu folgor o espirito do culpado, e finalmente, a scena em que a Desesperação, e a Paciencia, dispertam a alma do viuvo de Leonor. Isto mostra que o Poeta teria feito melhor obra, se menos obediente aos preconceitos das escholas, unicamente se tivesse servido das machinas, que lhe fornecia a religião dos seus heroes, que era a sua propria. Os Cantos deste Poema, como os dos outros, sam precedidos de Prologos, mas estes pelas idéas, e pela expressão sam muito superiores aos outros. Contentar-me-hei de citar o do Canto IV., que muitas vezes se eleva á magestade, e força da Poesia Lyrica. Nada resiste ao Tempo; tudo vence, Leva-nos da memoria em pouco espaço Cesse já a Tempestade, e o duro Inverno Da fresca Aurora, e mostre lêdas cores Nos tristes corações alegre dia. Compare-se este Prologo com qualquer dos do Cerco de Dio, e facilmente se convencerá o Leitor da grande differença, que entre elles se dá. Resumindo, o Naufragio de Sepulveda é um Poema irregular, falto de ligação, e nexo de idéas, cheio de pedanteria, e mau gosto; mas entre esses defeitos ha bellezas de primeira ordem, que justificam os louvores, que por naturaes, e estrangeiros lhe tem sido prodigalisados. A inexgotavel fecundidade de Jeronymo Côrte Real, não se contentou só com a composição dos Poemas, de que havemos feito menção; elle compoz mais outro tambem em verso solto sobre os Novissimos do Homem, que foi publicado pela primeira vez em Lisboa, no anno de 1768, em formato de 4.0, e com vinte e trez paginas; nada direi a seu respeito, porque apezar de todas as diligencias nunca pude alcançar um exemplar delle. Consta tambem que havia composto outra Epopeia em muitos Cantos, e que tinha por titulo Perdicção d'El-Rei D. Sebastião em Africa, e das calamidades que se seguiram a este reino. Mas os Authores, que fazem mensão delle, não accrescentam que fôra impresso Tambem me não foi possivel encontra-lo, e é muito probavel que ficasse manuscripto, porque os seus parentes se não atreveriam a da-lo á luz durante o dominio dos Hespanhoes. Tenho para mim que o desapparecimento deste Poema foi grande perda para o Parnaso Portuguez, porque aquella grande catastrophe devia inspirar bem o estro de um Poeta de tamanha esphera. Na primeira parte da Monarchia Lusitana, Livro IV., Capitulo VIII., acha-se um trecho de uma Elegia deste Poeta á morte de uma Dama illustre, natural de Evora, que mostra bem o que o Poeta poderia fazer neste genero. Não temos as rhythmas de Jeronymo Côrte Real, que é natural que fossem numerosas, visto que nenhum Poela principia por compor um Poema Heroico; para tomar tão grande empreza é necessario que se tenha longo tempo exercitado na versificação, e aperfeiçoado o estylo nas composições lyricas: mas duas Cartas, em Tercetos, de Sepulveda a D. Leonor, e de D. Leonor a Sepulveda, que se lêem no Canto H. do Naufragio de Sepulveda; assim como as Canções de Pan nos Cantos IX., e X., me convencem de que si as suas composições deste genero chegassem a imprimir-se, Bernardes, Caminha, e talvez Fer |