Mouros parciaes do Xarife apenas algumas duzias de ho mens vieram reunir-se com elle. Moley Moluco congregava em roda de si um numeroso exercito, e os seus emissarios giravam appellidando a terra para a guerra Santa, e os povos se levantavam em massa para defenderem os seus lares, e a religião de Mahomet ameaçada pelos Giaoures. Ainda houve alguns homens prudentes, e sinceros, zelosos do bem da patria, e do bom serviço d'El-Rei, que ousaram propôr no concelho de guerra, que vista a notavel diminuição das forças Portuguezas, e a fallencia das promessas do Xarife, cujos partidistas nem appareciam, nem tomavam armas, o exercito devia reembarcar-se, e guardar-se a empreza para occasião mais opportuna. Era na verdade este o unico passo, que devia dar-se, e nada tinha de deshonroso, porque o engano das promessas do Xarife o cohonestavam bastante. D. Sebastião allucinado com as suas idéas de heroismo cavalheiresco, e com as sugestões, e Prophecias Jesuiticas, regeitou este voto com indignação, e com grande applauso dos fidalgos mancebos mandou levar tendas, e que o exercito se internasse no paiz. : A marcha se verificou com bastante desordem, e grandes fadigas, e privações, debaixo de um sol ardente, e pisando areas escaldadas, cahindo alguns soldados exhauridos de forças pelo cançaço, e a sêde. Chegados em fim a uma vasta planice bordada pelos rios Lucco, e Mocazim; ali souberam pelos corredores, e espiões, que o Imperador de Marrocos, em uma liteira, porque se achava gravemente enfermo, dizem que de vepeno, á frente de uma multidão de Mouros, pela maior parte cavallaria, vinha ao seu encontro, resoluto a dicidir a contenda em uma só batalha. D. Sebastião, mandou, que o seu exercito fizesse alto, e tomasse posições. Distribuio toda a gente em trez batalhas, collocando em logar, que lhe pareceo opportuno, um corpo de reforço, ordenando ao seu commandante que, pena de incorrer na sua indignação, ali permanecesse, e não fizesse movimento algum sem que elle em pessoa Tho ordenasse. Não é facil hoje atinar com o motivo daquella disposição singular. Desconfiaria elle da victoria, e disti naria aquelle corpo fresco para cobrir a rectaguarda da sua gente desbaratada, até que cobrando animo, podesse refazer-se, e effectuar a retirada em ordem, e sem grande perda? Destinaria aquella tropa para perseguir os Mouros na fugida, em quanto descançavam os que tivessem combatido? Não sei, mas é evidente, que aquella ordem foi uma das principaes causas da sua ruina. Raiou em fim o fatal dia 4 de Agosto de 1578, e começaram a apparecer as primeiras bandeiras Mouriscas, e pouco depois o immenso exercito de Muley Moluco estendendo-se em fórma de meia lua, segundo o costume daquelles barbaros. D. Sebastião deu signal, e travou-se a batalha com uma alacridade de ambas as partes, poucas vezes vista, e foi peleijada com um encarniçamento mais proprio de leões, que de homens: El-Rei fez prodigios de valor, e teve alguns cavallos mortos debaixo de si, e o seu exemplo poude tanto no animo dos seus soldados, e da nobreza, que os commandava, que os Mouros foram rotos, e desbaratados, fugindo por toda a parte, e hindo alguns dar ás portas de Fez, e de Marrocos, onde levaram o desalento e o terror. Os Portuguezes, bradando victoria, seguiram o alcance, matando, ferindo nelles desa piedadamente, quando de diversos pontos se ouviram vozes gritando «ter! ter! » A estas vozes pararam todos, attonitos, e perturbados, espalhou-se um terror panico, e os Mouros, vendo que cessava a perseguição, e o pequeno numero dos, que os perseguiam, tomando animo, se voltaram sobre o inimigo incerto, e desordenado: o mesmo Muley Moluco, moribundo, faz um esforço para montar a cavallo, a fim de anima-los com o seu exemplo, e as suas vozes; porém breve cahio desfallecido, e recolhendo-se á sua liteira ali espirou. Um Elche, seu valido, conhecendo a importancia de que a sua morte se não divulgasse, passou a dar as ordens, que lhe pareceram opportunas, como emanadas do Imperador, a cuja liteira se dirigia como para recebê-las. D. Sebastião, desesperado por vêr que assim se lhe arrancava a victoria das mãos, julgou, e com razão, que poderia remediar tude fazendo entrar na acção o corpo * de reserva, mas não podendo hir collocar-se á testa delle, mandou repetidas ordens para que elle avançasse, mas o commandante, em virtude das primeiras, que havia recebido do proprio Rei, recusou tenazmente cumpri-las. Esta circumstancia acabou de perder tudo; os Portuguezes não poderam tornar a reunir-se, nem combater com a mesma energia, pois além de haverem exhaurido as forças no primeiro combate, achavam-se debilitados pelas feridas, pelo ardor de um sol intenso, e pela sede, além disso cercados por uma alluvião de Mouros, que augmentava de momento em momento, e o resultado foi como todos sabem, a morte de dous Reis o Moluco, e D. Sebastião, e do Xarife, que se intitulava como tal, e a perda da lustrosa nobreza, que havia acompanhado o Monarcha, parte da qual morreu combatendo, e parte foi reduzida á escravidão com muitos outros homens de menos conta, que os Mouros pouparam, não por humanidade, mas por avareza. Demanda foi está em que todos os litigantes perderam o objecto desputado, e ainda em cima a vida. Mas quem soltou as vozes, que fizeram deter o impeto das tropas, e esfriar o seu ardor? Quem soltou essas vozes, que nos roubaram a victoria, e deram logar aos Mouros para reconhecer-se, e animar-se fazendo retroceder a fortuna, que lhe hia voltando as costas? Ninguem o soube; ninguem póde explicar o motivo dellas, pôsto que todos, que escaparam, referissem o facto, e o confirmas sem como verdadeiro! Em minha opinião foi isto o effeito de planos premeditados pelos traidores, que trabalhavam para que esta expedição fosse a ruina dos, que foram a ella, e da independencia nacional. Nem posso igualmente persuadir-me de que a inacção absoluta, em que o commandante da reserva se obstinou em conservar aquelle corpo, apesar das repetidas ordens, que recebeo para entrar com elle no combate, nascesse sómente da céga obediencia ás primeiras ordens d'El-Rei ; na campanha tudo sam calculos de probabelidade, que podem falhar, e que é preciso remediar de prompto. Ninguem póde antever com exactidão mathematica todas as providencias, que devem tomar-se para assegurar o exito da batalha, que vai dar-se a habilidade dos Generaes está em accodir, e providenciar segundo as occorrencias. É claro que no estado, em que estava a batalha de 4 de Agosto, a victoria só poderia conseguir-se, sé o corpo de reserva, fresco, e ainda não tocado de terror panico dos outros corpos, fizessé uma carga vigorosa, e verdadeiramente Portugueza, sobre os Mouros, quebrando-lhe assim o ardor, e dando logar aos terços para respirar, reunir-se, e voltar ao combate; o General da reserva, ou não vio isto, ou não o quiz vêr, no primeiro caso é reo de notoria incapacidade para commandar; no segundo é reo de cumplicidade na traição, de cuja existencia hoje. ninguem duvida. As ordens d'El-Rei não o desculpam, porque obedeceo antes ás primeiras do que ás segnndas? Não eram ellas as unicas, que podiam ser uteis no estado das cousas? Não está primeiro que tudo a salvação commum, e restaurada a victoria não sería El-Rei o primeiro, que louvasse a sua prudencia, e valentia? Mas para que nos demoramos nestas reflexões? Deos o havia assim destinado; os crimes, as atrocidades comettidas pelos Portuguezes nas Indias Orientaes haviam accendido a sua justa indignação sobre este Reino; tinha chegado o tempo do castigo: a justiça divina levantou neste dia o seu braço irresistivel; e como os grandes haviam sido os mais culpados, foi sobre elles que elle cahio mais pesadamente. No meio da multidão immensa de captivos de todas as classes, que eram conduzidos ás masmorras de Fez, e de Marrocos, viam-se os dous Poetas Diogo Bernardes, e Luiz Pereira Brandão, que ali haviam hido para observar as proezas dos nossos, e celebrar a victoria, que se contava como infalivel. Póde suppôr-se os trabalhos, os insultos, e vexames porque passariam os infelizes prisioneiros em podêr de barbaros exaltados pelo triumpho, lembrados do perigo que haviam corrido, e estimulados pelo fanatismo religioso homens pela maior parte creados na riqueza, e nas dilicias da côrte, seminus, famintos, sobrecarregados de fadigas, arrastrando ferros, soffrendo injurias, e pancadas, que vezes não amaldiçoariam o seu destino! Que vezes não verteriam lagrimas amargas! E quantos não perderam a vida á força do mau tratamento, ou envenenados pelo desconsolo, e pela desesperação. Eis aqui como Luiz Pereira nos transmittio uma parte da condição des graçada dos seus companheiros, e de que lhe coube não pequena porção. Hiam os tristes, que hera magoa vê-los,' Os mais captivos, que em varias manadas Forças tiram das forças já acabadas, Vam quaes aquelles tristes, e saudosos Era natural, que os dous Poetas no meio daquella calamidade procurassem o desafogo de suas penas empregan、 do as poucas horas, que de dia lhe ficavam livres, e parte das noites no cultivo da poesia; as letras foram sempre a consolação dos homens instruidos; mas o diverso caracter de um, de outro transflora no modo, porque se aproveitaram de tal lenitivo. Diogo Bernardes compunha Elegias lamentando as suas desventuras pessoaes, ou seus peccados, e Jaculatorias a Nossa Senhora, muito devotas, e muito prosaicas: Luiz |