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Á NAÇÃO PORTUGUEZA

Adspicite o cives.

Hic vostrum panxit maxima facta patrum

ENNIUS.

Nunca escriptor algum portuguez se apresentou com tanto direito ao reconhecimento e amor nacional como aquelle que na fórma a mais sublime enfeixou todos os trophéus da gloria portugueza, para lhe levantar o mais colossal monumento. Inspirado por esse livro divino, electrisado por esse evangelho de patriotismo que dimanou d'aquella alma tão portugueza, eu aprendi a amar a minha patria; e aqui protesto com toda a energia que póde prestar a verdade a uma asserção, que não me accusa a consciencia de me ter jámais desviado de um desinteressado culto. E que rasões não temos sobre todos os outros povos da terra para amarmos esté nosso querido Portugal? Alimenta-nos uma terra feracissima e vecejante, cobre-nos um céu risonho, um sol vivificante nos aquece e agita a nossa imaginação, e um passado glorioso, que, por excessivamente sublime, quer transpor os limites. da verosimilhança, satisfaz o nosso orgulho nacional. Predilectos da Providencia Divina, quantas graças lhe deveriamos

sempre dar por tão multiplicados dons e beneficios, e qual deveria ter sido o nosso empenho em nos amarmos como irmãos os filhos da mesma terra!

No meio das rajadas politicas que têem requeimado as esperanças da patria e lhe têem exhaurido a seiva, separado inteiramente da vida publica, mas devorando-me ao mesmo tempo o desejo de me não tornar inteiramente um cidadão inutil e esteril na sociedade onde nasci, procurei como allivio, ou antes emprego muito agradavel, fazer a autopsia d'esse coração tão portuguez, que ahi exponho ao publico tão palpitante ainda de patriotismo. Possa sempre aquelle fogo sagrado do amor da patria que o abrasou em vida, inflammar os meus prezados conterraneos a acções tão nobres e generosas como aquellas das quaes elle foi tão elevado pregoeiro.

Emquanto a mim, entrado já no outono da vida, alquebrado por affecções physicas e moraes, tenho visto caír uma a uma todas as folhas da esperança: bate-me á porta o inverno, que sepulta em seus regelos todas as illusões da vida; mas no curto horisonte que já se antolha no occaso da existencia, ainda um raio consolador e luminoso vem visitar e esclarecer as trevas que enlutam o coração que ainda bate pela patria, e trazer ahi o derradeiro e suave goso de poder baixar á sepultura com a consciencia de haver consagrado ao meu paiz, com este trabalho tão nacional, o sincero tributo do meu affectuoso amor e dedicação, e poder, guardadas as proporções devidas, repetir com o nosso Poeta:

Eu d'esta gloria só fico contente

Que a minha terra amei e a minha gente.

ADVERTENCIA PRELIMINAR

Entre o copioso numero de nomes historicos e esclarecidos que illustraram Portugal sobresae, com particular brilho e esplendor, o de Luiz de Camões. Como soldado serviu a patria com a espada, apresentando em seu rosto honrosas cicatrizes que abonam o seu valor; como poeta, em cantos inimitaveis, inspirados de ardente patriotismo, e de magestosa, arrebatada e grandiloqua poesia, legou á posteridade as heroicas e gloriosas façanhas dos nossos antepassados, fazendo reflectir sobre a terra que lhe deu o nascimento uma aureola de gloria que eclipsou tudo quanto a historia dos povos apresentava de mais grandioso, e que os seculos futuros nunca poderão extinguir. E na verdade, a quem, se um pouco de sangue portuguez lhe gira pelas veias, deixará de lhe bater o coração com um nobre amor de patria á leitura do seu poema? Quem, ao ler em suas poesias o seu amor mallogrado e infortunios, não dará sequer uma lagrima ao vate infeliz? Quem deixará pois, até onde chegarem as suas forças, de concorrer para illustrar o nome do Poeta extraordinario que. no meio dos maiores revezes e contratempos da vida, emprehendeu e levou ao cabo levantar o monumento da nossa gloria

nacional? É divida sagrada que cabe a todo o portuguez solver, a todo aquelle a quem não é indifferente a honra da patria; paguemos pois nós tambem o nosso feudo de gratidão, e junte-se este nosso pequeno brado ao pregão universal.

Desde os mais verdes annos que as suas poesias foram para nós a mais suave e deleitosa leitura; e este gosto se avivou com a idade, quando nos reputámos mais aptos para poder avaliar as innumeraveis bellezas que as adornam. Cousa alguma reputámos desde logo alheia que podesse ter relação com o grande Poeta, e dobrámos a nossa solicitude e cuidado em inquirir e estudar o maior numero de escriptos que sobre a sua vida e composições se têem emprehendido. Sentindo porém ver quão poucas memorias se tinham offerecido áquelles que se haviam empregado n'estes trabalhos, a nós mesmo fizemos esta interrogativa: E não será possivel alcançar mais?-a resposta foi mui simples: experimenfructo que haviam co

te-se.

Acobardava-nos entretanto o pouco lhido os escriptores que nos tinham precedido, e a esterilidade de noticias que haviam encontrado por culpa d'aquelles a quem em tempo opportuno cabia o transmitti-las. Embaraçava-nos ainda mais o trabalho litterario e critico, executado pelo fallecido Bispo de Vizeu, digno ornamento da Igreja Lusitana, do illustre prelado, que, tambem foragido em terra alheia, quiz que o sol da sua patria lhe aquecesse os regelos dos ultimos dias da velhice, e, a exemplo do Poeta, de cuja vida foi historiador, se não contentou sem vir morrer n'ella. Dava-nos não obstante alento, no meio d'estas difficuldades que se nos apresentavam, o empenho e boa vontade de que nos sentiamos animados; incitava-nos um vehemente enthusiasmo, e mais que tudo o desejo de acertar despido de toda a vaidade. E tão isentos d'ella nos sentiamos, que, se fosse vivo o illustre prelado biographo do Poeta, era tenção nossa não só submetter á sua censura este Ensaio, porém, se os seus annos e fadigas lhe permittissem refundir o seu antigo trabalho, e elle o quizesse, de boa vontade fariamos sacrificio de qualquer pequena gloria que nos cabe d'estas indagações, para que o publico fosse melhor servido, e o Poeta tivesse

melhor obreiro para lhe levantar mais perduravel e acabado

monumento.

A certeza porém de que este nosso trabalho poderia offerecer algum interesse pela novidade de alguns documentos até hoje occultos, e a lembrança de que fariamos algum serviço á litteratura portugueza se com elles aclarassemos algumas particularidades da vida do Poeta, nos deu afouteza para o publicar, aproveitando ao mesmo tempo este ensejo para darmos tambem o nosso contingente de conjecturas, de que tem de compor-se em parte as biographias do Poeta.

E na verdade muito para lastimar que a maior parte dos seus contemporaneos, e entre estes especialmente Manuel Correia e Diogo do Couto, guardem um tão reprehensivel e ingrato silencio sobre o illustre Poeta seu contemporaneo. Os Commentarios do primeiro nem preenchem litterariamente a expectação do que se esperava do correspondente de Justo Lipsio, nem satisfazem a curiosidade publica pelas noticias que havia direito a exigir de um homem que tratou de tão perto o nosso Poeta, e a quem elle mesmo havia instigado a imprimir o seu Commentario. O Tasso foi mais feliz com o seu Manso, pois não se pode ser mais laconico com as noticias que o commentador portuguez deixou do seu amigo, podendo-as subministrar interessantissimas, especialmente da publicação dos seus Lusiadas e dos ultimos tempos da sua vida, pois era Cura na mesma freguezia onde residiam seus paes. Ainda assim aquellas poucas que nos deixou as reputámos interessantes, e as aproveitámos para desembrulhar as confusas asserções sobre a perseguição que dizem que o Poeta experimentou na India, e que tão confusamente têem tratado quasi todos os biographos.

Diogo do Couto foi, como elle diz, o companheiro1, mata

1 Não posso explicar o laconismo de Diogo do Couto relativamente a Camões, senão porque se dispunha a dar-nos a biographia completa do Poeta nos Commentarios que escreveu aos Lusiadas; eis tudo quanto nos diz na Decada vi sobre o Poeta:

Em Moçambique achamos aquelle Principe dos Poetas do seu tempo, meo matalote e amigo Luis de Camões, tão pobre que comia de amigos, e para se embarcar para o Reino lhe ajuntamos os amigos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe desse de comer, e aquelle inverno que esteve em Moçambique acabou de aperfeiçoar as suas Lusiadas para as imprimir, e foy

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