Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

ECLOGA VI.

INTERLOCUTORES.

AGRARIO, Pastor. ALICUTO, Pescador.

A rustica contenda desusada
Entr'as Musas dos bosques, das areias,
De seus rudos cultores modulada;
A cujo som attonitas e alheias
Do monte as brancas vaccas estiverão,
E do rio as saxatiles lampreias;

Desejo de cantar. Que se movêrão
Os troncos ás avenas dos pastores,
E ja sylvestres brutos suspendêrão.
Não menos o cantar dos pescadores
As ondas amansou do fundo pégo,
E fez ouvir os mudos nadadores.

E se por sustentar-se o moço cego
Nos trabalhos agrestes a alma inflama,
O que he mais proprio no ocio e no socêgo;
Mais maravilhas dando á voz da fama,

No mesmo mar undoso e vento frio

Brazas roxas accende a roxa flama.

Vós, ó ramo d'hum Tronco alto e sombrio,

Cuja frondente coma ja cobrio

De Luso todo o gado e senhorio;

E cujo são madeiro ja sahio

A lançar a forçosa e larga rede

No mais remoto mar que o mundo vio;

E vós, cujo valor tão alto excede, Que, a cantá-lo com voz alta e divina, A fonte do Parnaso move a sêde;

Ouvi da minha humilde çanfonina
A harmonia, que vós ja levantais
Tanto, que de vós mesmo a fazeis dina.
Mas se agora que affabil m'escutais,
Não ouvirdes cantar com alta tuba
O que vos deve o mundo, que dourais;
E se os Reis avós vossos, que de Juba
Os Reinos debellárão, não ouvis

Que nas azas do excelso verso suba;
Se não sabem as frautas pastoris
Pintar de Toro os campos semeados
D'armas e corpos fortes e gentis;

Por hum Moço animoso sustentados,
Contra o indomito Rei de toda Hespanha,
Contra a fortuna vaa e injustos fados:
Hum Moço, cujo esforço, brio e manha,
Do Olympo fez descer o duro Marte,
E dar-lhe a quinta esphera, que acompanha;
Se não sabem cantar a menor parte
Do sapiente peito e grão conselho,
Que pôde, ó Reino illustre, descansar-te;
Peito, que ao douto Apollo faz, vermelho,
Deixar o sacro Monte e as nove Irmãas,
Porque a elle se affeitem como a espelho;
Saberão bem cantar, em nada vãas,
D'Alicuto as contendas e d'Agrario;
Hum d'escamas coberto, outro de lãas.

Vereis, Duque sereno, o estylo vário,

A nós novo, mas n'outro mar cantado
De hum, que só foi das Musas secretario:
O pescador Sincero, que amansado
Tee o pégo de Prochyta co'o canto
Por as sonoras ondas compassado.
Deste seguindo o som, que póde tanto,
E misturando o antigo Mantuano,
Façamos novo estylo, novo espanto.
Partira-se do monte Agrario insano
Para onde a força só do pensamento
Lh'encaminhava o lasso pêzo humano.
Embebido em hum longo esquecimento
De si, e do seu gado e pobre fato,
Apos hum doce sonho e fingimento,
Rompendo as sylvas horridas do mato,
Vai por cima d'outeiros e penedos,
Fugindo, emfim, de todo humano trato.
Ante os seus olhos leva os olhos ledos
Da branca Dinamene, qu'enverdece
Só co'o meneo valles e rochedos.

Ora se ri comsigo, quando tece
Na phantasia algum prazer fingido;
Ora falla; ora mudo s'entristece.

Qual a tenra novilha, que corrido Tée montanhas fragosas e espessuras, Por buscar o cornigero marido;

E cansada nas humidas verduras Cahir se deixa ao longo d'hum ribeiro, Ja quando as sombras vem cahindo escuras; E nem co'a noite ao valle seu primeiro Se lembra de tornar, como sohia,

Perdida por o bruto companheiro:
Tal Agrario chegado, emfim, se via
Onde o grão pego horrisono suspira
N'huma praia arenosa, humida e fria.

Tanto que ao mar estranho os olhos vira,
Tornando em si, de longe ouvio tocar-se
De douta mão não vista e nova lira.
Fez-lhe o som desusado desviar-se
Para onde mais soava, desejando
D'ouvir e conversar, e de provar-se.
Muito não tinha proseguido, quando
Em a concavidade d'hum penedo,
Que pouco a pouco fora o mar cavando,

Topou hum pescador, que prompto e quedo, N'huma pedra assentado, brandamente Tangendo, faz o mar sereno e ledo.

Mancebo era d'idade florecente, Pescador grande do alto, conhecido Por o nome de toda humida gente: Alicuto se chama: que perdido Era por a formosa Lemnoria; Nympha que tee o mar ennobrecido.

Por ella as redes lança noite e dia; Por ella as ondas tumidas despreza; Por ella soffre o sol e a chuva fria.

Co'o seu nome mil vezes a braveza D'irados ventos amansou co'o verso, Que remove das rochas a dureza.

E agora em som de voz, suave e terso, Está seu nome aos ecos ensinando

Por estylo do agreste som diverso.

Ouvindo Agrario, attonito, affroxando
Da phantasia hum pouco seu cuidado,
Suspenso esteve os numeros notando.
Mas Alicuto, vendo-se estorvado
Por hum pastor da musica divina,
O rosto levantou bem socegado,

E disse assi: Vaqueiro da campina,
Que vens buscar ás arenosas praias,
Onde a bella Amphitrite só domina?

Que razão ha, pastor, para que saias
A este nosso escamoso e vil terreno
Dos teus floridos myrtos e altas faias?
Pois s'agora o mar vês brando e sereno,
E estender-se estas ondas por a areia,
Amansadas das mágoas, com que peno,
Logo verás o como desenfreia
Eolo o vento por o mar undoso,
De sorte que Neptuno se receia.

Responde Agrario: Oh musico e amoroso
Pescador! eu não venho a ver o lago
Bravo e quieto, ou vento brando e iroso;
Mas o meu pensamento, com que apago

As flammas ao desejo, me trazia

Sem ouvir e sem ver, suspenso e vago:
Até que a tua angelica harmonia
M'acordou, vendo o som, com que aqui cantas
A tua perigosa Lemnoria.

Mas se de ver-me cá no mar t'espantas,
Eu m'espanto tambem do estylo novo
Com que as ondas horrisonas quebrantas.
Porém se com verdade o louvo e approvo,

« VorigeDoorgaan »