II. Eu cantarei de amor tão docemente, A composição alta e milagrosa, III. Com grandes esperanças ja cantei, Se cuido nas passadas que ja dei, Pois logo, se está claro que hum tormento Dá causa que outro na alma se accrescente, Ja nunca posso ter contentamento. Mas esta phantasia se me me mente? Oh ocioso e cego pensamento! Ainda eu imagino em ser contente? IV. Despois que qniz Amor que eu só passasse Entregou-me á Fortuna, porque vio Que não tinha mais mal que em mi mostrasse. Na pena a que elle só me reduzio, Para mim consentio que se inventasse. Que destes dous tyrannos he sujeita; Triste quem seu descanso tanto estreita, V. Em prisões baixas fui hum tempo atado; Inda agora arrojando levo os ferros, Que a morte, a meu pezar, tõe ja quebrado. Que Amor não quer cordeiros nem bezerros ; Contentei-me com pouco, conhecendo Mas minha Estrella, que eu ja agora entendo, A Morte cega, e o Caso duvidoso Me fizerão de gostos haver medo. VI. Illustre e digno ramo dos Menezes, Dai nova causa á côr do Arabo Estreito; • VII. No tempo que de amor viver sohia, Em várias flammas variamente ardia. Que ardesse n'hum só fogo não queria O Ceo porque tivesse exprimentado E se algum pouco tempo andava isento, Foi como quem co'o pêzo descansou Louvado seja Amor em meu tormento, Pois para passatempo seu tomou Este meu tão cansado soffrimento! VIII. Amor, que o gesto humano na alma escreve, Por entre vivas rosas e alva neve. A vista, que em si mesma não se atreve, Foi convertida em fonte, que fazia Jura Amor, que brandura de vontade Olhai como Amor gera, em hum momento, De lagrimas de honesta piedade Lagrimas de immortal contentamento. IX. Tanto de meu estado me acho incerto, O mundo todo abarco, e nada apérto. He tudo quanto sinto hum desconcerto: Da alma hum fogo me sahe, da vista hum rio; Agora espero, agora desconfio; Agora desvarío, agora acérto. Estando em terra, chego ao ceo voando; N'hum' hora acho mil annos, e he de geito Que em mil annos não posso achar hum' hora. Se me pergunta alguem, porque assi ando, Respondo, que não sei: porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora. X. Transforma-se o amador na cousa amada, Por virtude do muito imaginar: Não tenho logo mais que desejar, Se nella está minha alma transformada, Está no pensamento como idea; E o vivo e puro amor de que sou feito, XI. Passo por meus trabalhos tão isento Mas vai-me Amor matando tanto a tento, Mas se me vê co' os males tão contente, Faz-se avaro da pena, porque entende Que quanto mais me paga, mais me deve. |