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profundeza no latim, passando depois ás aulas militares. Como guarda-marinha partiu para a India, Damão, donde fugiu para a China e dahi para Macau.

Egual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrilego gigante!

No decurso da sua agitada vida, Bocage buscou sempre descobrir factos de contacto déla com a de Camões, ou por um esforço, ou deduzindo apenas a analogia da simples observação.

Como Camões partiu em pleno esplendor de mocidade, ridente de esperanças, pululando-lhe o éstro, para a India; como Camões foi ali guerreado, tambem em consequencia da virulencia dos seus versos. Aquêle escrevia os Disparates da India; Bocage sonetos como o da quadra seguinte:

Eu vim cruar em ti minhas desgraças,
Bem como Ovidio misero entre os gétas,
Terra sem lei, madrasta de poetas,
Estuporada mãe de gentes baças.

Ainda como Camões errou pelo Oriente, vi

sitando em piedosa contemplação a gruta de Macau, de comoventes recordações.

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penuria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Tambem carpindo estou, saudoso amante;

Apaixonada como a dum verdadeiro português, a alma de Bocage encobria a sua sentimentalidade vibratil sob um véu de aparente alegria chistosa, que só é explicavel pela sua origem francêsa.

De regresso a Lisboa, contando 24 anos, precocemente experimentado nas sensações mais profundas da vida, miseria, perseguições, abandono, saudades da patria, amores infelises, etc., Bocage atingiu essa despreocupação indiferentista, a que conduzem, umas vezes, as glorias e as honrarias; outras, a desgraça, por uma natural evolução do desespero.

Arrastou então uma vida desregrada pelos botequins das viélas mal iluminadas da Lisboa do seculo 18.o, em companhia dos espadachins abastados, que como recompensa do seu repentismo mordaz, o sustentavam. E assim viveu, admirando Camôes, admirado segundo o seu aspeto menos meritorio, pelos seus compa

nheiros de noitadas e caças aos frades, que odiava, refugiando-se nas intermitencias de des. alento no santo afeto duma irmã.

Até esse afeto, pensava êle, o aproximava de Camões, consolado no seu regresso pela velhice da mãe. Aos 39 anos, gasto pelos desregramentos que o consumiam, morreu, deixando o seu nome perduravelmente gravado na memoria do povo português.

Literariamente Bocage exerceu uma influencia decisiva na sociedade portuguêsa e póde dizer-se que foi o precursor da aurora do constitucionalismo e revoluções preparatorias.

A obra de Bocage póde dividir-se em 4 partes, segundo o seu espirito:

1.a - Composições arcadicas e liricas (sonetos, odes, cantatas, etc.)

2.- Traduções do francês (os Jardins de Delille, As plantas de Castel, a Agricultura de Rosset e o Consorcio das Flores de Lacroix.) 3.a-Glosas, epigramas; a parte mais conhe

cida.

4. Idéas francêsas ou voltaireanismo.

Da primeira podem apartar-se algumas belezas, devendo deixar-se no olvido muitissimas, duma manifesta imperfeição; a segunda esque

ceu completamente; a terceira conhece-a o povo. A quarta, a principal e mais pequena, é particularmente importante pela implantação, que se lhe deve, das chamadas idéas francêsas, idéas livres sobre o estado e a religião, e odio á infame,' a Igreja.

Chamaram-lhe no seu tempo papeis criticos, e é constituida pelas Verdades singelas ou Voz da Razão e Verdades duras ou Pavorosa ilusão da eternidade. Recentemente, no decurso da ultima edição das obras de Bocage,2 descobriu-se um preciôso manuscrito de epistolas criticas.

Quanto se vulgarisou de livre exame, de cristicismo, de jacobinismo politico na classe burguêsa proveiu da leitura. furtiva das mil copias d'estas Epistolas de Bocage; e tanto que as reflexões do liberalismo de alguns livres-pensadores, depois do cêrco do Porto, denominavam-se Verdades velhas.

(T. BRAGA).

Essas idéas, expendidas num tão restrito numero de composições, valeram-lhe dois proces

1 Epiteto usado por Voltaire.

2 Livraria Tavares Cardoso, 1902. Lisboa.

sos na Inquisição; a sentença do primeiro condenou-o a educação espiritual num convento de Oratorianos; e o segundo não proseguiu.

Tem-se dito que foram as condições do meio que retivéram os vôos do seu éstro e a demonstração do modernismo das suas idéas. Estudando porém a sua vida e a sua obra, associando-as para explicar uma com o recurso da outra, é de concluir, com muito mais probabilidades de certeza, que Bocage não tenha deixado uma obra por não poder deixá-la.

A volubilidade, quasi caprichosamente pueril, da sua vida, refletida na sua obra, nunca poderia deixar o seu espirito fixar-se em estudo aturado sobre um intuito. A idade em que morreu, trinta e nove anos, não é a idade em que o artista, de indole tão caprichosa e voluvel como a de Bocage, atinge a sua pujança.

Não deixou uma obra porque o seu talento era ligeiro, facil, superficial. Dahi a mutua aproximação dêle e do povo.

João de Deus não póde comparar-se a Guerra Junqueiro, todavia o primeiro vogou, e ainda hoje, entre o povo, e o segundo, cuja influencia fundamental a critica literária um dia estudará, está circumscrito aos intelectuaes.

O mesmo a dizer de Antero de Quental.

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