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A constancia do sabio superior aos infortunios

Em sordida masmorra aferrolhado,

De cadêas asperrimas cingido,
Por ferozes contrarios perseguido,
Por linguas impostoras criminado:

Os membros quasi nús, o aspecto honrado
Por vil bocca e vil mão, rôto e cuspido,
Sem vêr um só mortal compadecido,
De seu funesto, rigoroso estado:

O penetrante e barbaro instrumento
De atroz, violenta, inevitavel morte
Olhando já na mão do algoz cruento:

Inda assim não mal diz a iniqua sorte,
Inda assim tem prazer, socego, alento,
O sabio verdadeiro, o justo, o forte.

Preparando-se para morrer

Meu ser evaporei na lide insana

De tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! Cego eu cria, ah! misero eu sonhava
Em mim quasi immortal a essencia humana:

Do que innumeros soes a mente ufana
Existencia fallaz me não dourava!
Mas eis succumbe a Natureza escrava
Ao mal, que em sua origem damna.

Prazeres, socios meus e meus tyrannos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abysmo vos sumiu dos desenganos:

Deus, ó Deus!... Quando a morte á luz me roube
Ganhe um momento o que perderam annos,
Saiba morrer o que viver não soube. I

1 Um outro soneto, que dizem ser a sua ultima composição, só reproduzo em nota por haver duvidas sobre se seja realmente Bocage o seu autor e pela demasiada liberdade poetica do penultimo verso, em que a rima obriga a lêr impía:

Já Bocage não sou!... Á cova escura
Meu estro vae parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura:

Conheço agora quam vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento
Musa! Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura!

Eu me arrependo, a lingua quasi fria
Brade em alto pregão á mocidade.
Que atraz do som phantastico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me crêste, gente impia
Rasga meus versos, crê na eternidade!

CAMILO CASTELO BRANCO

(1825-1890)

A minha vida é uma elegia continuada.

CAMILO

Nostalgias.

[graphic]

ARA bem interpretar a obra vastissima de Camilo, é preciso conhecer bem de perto a sua vida horrorosa, duma violencia que só um espirito como O seu conseguiria suportar por sessenta e cinco anos.

Filho natural, desherdado, orfão de pai e mãe aos nove anos, precocemente desgraçado, sem aquéla graça ingénua e despreocupada que faz das creanças os anjos da terra, bem cedo começou a sentir os arremessos irresistiveis da

sorte.

Resolvida por conselho de familia a sua retirada para Vilarinho de Samardan, para casa duma irmã, partiu num navio que arribou desarvorado a Vigo. Então a viagem fazia-se pelo Porto, e por mar. Em Samardan viveu os primeiros anos, recebendo lições de latim em velhos in-folios do padre Antonio d'Azevedo, a quem dedicou O Bem e o Mal, e de moral e religião no seu convivio.

Ali, contemplando a natureza árida e severa, nas suas fugidas para a serra, á caça ou pascendo os rebanhos da casa, insinuou-se-lhe no espirito essa franqueza rude e desataviada que foi sempre o fundo do seu carater e o principio que regia todas as suas apreciações.

A sua alma amorosa e vibratil entretanto ia borboleteando por mil amoricos, para devaneio compensador da sua insulação e por exigencia da sua poderosa organização afetiva dos dezaseis anos, tomando a serio uma dessas afeições de infancia que passam rapidas como uma nuvem d'oiro num céu de primavera, casava com uma camponeza de S. Cosme de Gondomar, de quem houve uma filhinha.

A instancia dos sogros partiu para o Porto, afim de se preparar para entrar na Escola Medica que ainda chegou a frequentar.

Á magua duma vida de privações e maçu

dos estudos regrados, a que o seu espirito irrequieto foi sempre inadaptavel, acresceu a dôr da morte da filhinha e da esposa, mêses depois. Desde então a mocidade de Camilo é um rosario de amores passageiros.

Dentre as multiplas causas das suas infindas desgraças sobresáem, a dificuldade de meios, a doença e muito principalmente o amôr, que chegou, a requisição dum tio uma vez, e outra por adulterio, a lançá-lo na cadeia.

A ultima detenção seguiu processo regular e publico, de que resultou uma corrente de antipatias pelos dois incriminados, e a sua união até á morte.

Vivendo sempre na aldeia, ora no Minho, ora em Trás os-Montes, adquiriu um superior conhecimento da vida do campo e da selvatica psicologia dos seus habitantes. Dahi a inexcedivel perfeição dos seus romances de aldeia, como a Brasileira de Prazins, obra imorredoira, que veio denunciar que o Minho é ainda hoje o grande baluarte do clericalismo e conseguintemente da ignorancia. É gente que se ajoelha

ao ver um caminho de ferro!

No periodo, relativamente curto, que passou no Porto, misturou-se á turba-multa dos SaintsPreux ultra-romanticos, que então se reuniam no Café Guichard. E assim conheceu de perto a

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