JOÃO DE DEUS (1830-1896) OÃO DE DEUS é a mais completa encarnação do lirico ideal e apaixonado, sem entraves positivos, sem preocupações estilisticas visando á erudição. Sentimento singelo, o amor esse amor portuguesissimo, que Julio Dantas com tanta felicidade surpreëndeu para recordações do personagem português da sua Ceia dos Cardeaes-em palavras singelas, versos de medida simples e estilo simples. Não foi portanto um sonetista, não podia sê-lo. Dir-se-á: Camões cingindo-se aos cambiantes infinitos do amor, foi um sonetista admi ravel. É que Camões, sendo Portugal nos Lusiadas, não o é subjetivamente nos Sonetos de Amor. Esse sentimento idealissimo, silencioso, mas culto, aristocratico quasi não é o amor português, é o da Renascença; era uma poetica abstração que lhe vinha da antiguidade pelo resurgimento de Platão. O lirico mais português é sem duvida João de Deus. Todos o perceberam, todos o amaram porque nos seus versos transparecia um bocadinho da alma de cada um. A facilidade do verso, a harmonia ritmica consagraram João de Deus, que na nossa historia literaria marca o regresso ao lirismo nacional, esquecido quasi desde Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão. Os poetas do seculo 17.° e 18.o cortaram completamente as raizes da poesia, interdizendo toda a comunicação com o genio nacional, com o povo. Os versos eram para salas, para uma restrita roda. Garrett esteve a ponto de consumar esse regresso á poesia lirica nacional, para o que contribuiram varias causas: os seus estudos de poesia popular, o momento historico do Romantismo e a sua individualidade psicologica. Outras correntes o desviaram. E só com João de Deus toma alento o lirismo nacional (V. Introdução á Edição do Campo de Flores, Ne Varietur, por Teofilo Braga). A vida Foi-se-me pouco a pouco amortecendo Ir os degraus do tumulo descendo. Em se ella annuveando, em a não vendo, Logo em minha alma a luz que ia perdendo. Alma gemea da minha, e ingenua e pura Não sei se me voou, se m'a levaram; Cantar aos que inda em vida não choraram... (Da elegia da Vida). |