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do exercito de Pernambuco que seria industria esta que realmente era debilidade, e que mostrarem querer só sustentar o que estavam possuindo seria para colherem a nossa gente descuidada com alguma invasão repentina, dobrava as guarnições e augmentava a cautela, trazendo os soldados mais vigilantes no descuido ou industria dos inimigos; porém como todas estas dilações eram em prejuizo do exercito e em descommodo dos moradores, que na duração do cerco tinham evidente perda, diminuindo-se a gente, faltando os bastimentos e não se tratando das lavouras, entenderam os Pernambucanos que na brevidade da empreza do Recife consistia o remedio de todos estes damnos.

117. Receavam que de Hollanda chegassem soccorros aos inimigos, não só para se defenderem, mas para intentarem novos progressos; e o tempo trouxe ás nossas armas occasião opportuna para o intento de expugnarem ao Recife, com a vinda da nossa armada da Junta do Commercio, de que era general Pedro Jacques de Magalhães, e conduzia as naus de carga ao Brazil para comboiar as que estivessem promptas a fazerem viagem para o reino.

118. Havendo já Pedro Jacques mettido nos portos de Pernambuco as que iam para aquellas provincias, lhe pediram o mestre de campo general Francisco Barreto e os mais cabos do exercito (fazendo as mesmas instancias ao seu almirante Francisco de Brito Freire) os quizessem ajudar na expugnação do Recife, empreza de tanto serviço a Deus, por ser contra hereges inimigos da nossa religião catholica, e tão util ao serviço del-rei, concorrendo a restaurar-lhe o dominio que lhe usurpavam os Hollandezes em tanto prejuizo dos seus naturaes vassallos e da grandeza da sua monarchia, em odio da de Castella, da qual já o ceo, o valor e a fortuna a tinham separado.

119. Ao general Pedro Jacques de Magalhães pareceu se não devia empenhar n'aquella empreza, por não faltar á observancia do seu regimento, que lhe não dava accesso a mais que conduzir as naus de Portugal e comboiar as do Brazil, segurando uns e outros interesses, que era o fim para o qual a Junta do Commercio sustentava com tão grande despeza aquella armada, além da culpa que commetteria contra a paz ajustada com os Estados de Hollanda, tendo ordem del-rei para a guardar, encaminhando-se a sua viagem só á defensa e segurança das referidas embarcações. Porém repetindo-se da parte dos cabos e moradores os rogos, intimando-lhe a causa de Deus, do rei e da patria, protestando-lhe o crime que lhe podia resultar de escusar-se de ser um dos instrumentos da restauração de Pernambuco, que com o seu auxilio podia facilmente conseguir-se. resolveu a todo o transe concorrer para esta empreza.

120. Dispostas todas as coisas ao fim que os Pernambucanos pretendiam, por conselho de uns e outros cabos ficou o almirante Francisco de Brito Freire em terra com a infanteria da armada; e o general Pedro Jacques de Magalhães com os soldados precisos para a guarnição das naus (tendo enviado para a Bahia e para o Rio de Janeiro os navios que vinham destinados para os seus portos) com as dezoito naus de guerra e algumas mercantis mais poderosas que demorou para lhe assistirem n'aquelle empenho, siliou por mar ao Recife com tal regularidade e militar acerto, que impediu n'aquelle porto entrar ou sair embarcação alguma.

121. Seguro o nosso exercito de que os inimigos não poderiam ser soccorridos das suas praças maritimas, foi atacando por terra as suas forças, sendo a primeira a fortaleza das Salinas, a qual, ainda que com grande trabalho, em o curso de um dia a rendeu; e com o mesmo valor e fortuna, posto que com a propria resistencia, tomou a de Altanar, desamparando os inimigos as da Barreta, Buraco de Santiago e a dos Afogados, que logo senhorearam os Pernambucanos, e marcharam a ganhar a fortaleza das Cinco Pontas, que era o maior propugnaculo ou antemural da praça do Recife.

122. Com tão grande trabalho e valor a combateram, que em poucos dias a pozeram em termos de capitular a entrega, de que resultou tal confusão no Recife que tudo era assombro; e Sigismundo, que com vigorosa diligencia e disposição militar tinha enviado soccorros ás referidas praças (com tão pouca fortuna sua que foram desbaratados pela nossa gente, e se algum entrou, não foi poderoso a resistir ao nosso valor nem a evitar a sua perda) agora totalmente desesperava de poder defender o Recife.

123. Confusos os do Supremo Conselho, os outros Hollandezes e os Judeus que residiam n'aquella praça, receosos todos de perderem os bens adquiridos, se esperassem o ultimo furor dos vencedores, tratavam de capitular a entrega, por conseguirem com tempo condições mais favoraveis, segurando assim a fazenda que a Companhia Occidental tinha n'aquellas capitanías, como a dos particulares, conhecendo que não podiam ter soccorros de Hollanda, donde havia quasi um anno lhes não chegara embarcação; porque aquelles Estados tendo contendas por interesses do negocio com a parlamentar republica de Inglaterra, juntando-se de uma e outra parte no canal as suas armadas, se combateram, alcançando victoria a do Parlamento com perda e destroço da hollandeza; causa por que apressaram as capitulações, as quaes lhes concederam os nossos cabos com as mais honestas condições que os inimigos podiam alcançar no presente estado em que se achavam.

124. Em virtude d'ellas entregaram os Hollandezes a praça do Recife com todas as suas defensas, as capitanías de Itamaracá, Rio Grande e Parahyba, assignando-se em vinte e seis de janeiro do anno de mil e seiscentos e cincoenta e quatro os capitulos, que de ambas as partes foram fielmente observados. Com o aviso d'esta feliz nova partiu o mestre de campo André Vidal de Negreiros para Lisboa, recebendo-a o senhor rei D. João IV e toda a côrte com as maiores demonstrações de applauso; e depois de se darem publicas graças a Deus por tão especial favor da sua grande misericordia, fez el-rei mercês a todos os cabos do exercito de Pernambuco proprias da sua real grandeza. Na Bahia e por todas as mais partes do Estado foi festejada esta noticia com muitas acções de graças e actos tão festivos quanto o pedia a gloria de se verem de todo livres de uma nação, com a qual no curso de trinta annos tivemos sanguinolenta guerra no Brazil.

125. Tinha chegado á Bahia com o posto de governador e capitão geral do Estado a succeder a João Rodrigues de Vasconcellos, conde de Castello-Melhor, o de Atouguia D. Jeronymo de Athaíde, que na côrte e nas campanhas do reino havia tido empregos dignos da sua grandeza, do seu esclarecido sangue e do seu valor, todos com venturosos successos, e com a mesma fortuna exercido o cargo superior das armas na provincia de Trazos-Montes. Foi na Bahia o seu governo tão applaudido como ficou memorado; resplandeceram no seu talento entre muitas prerogativas a rectidão e independencia, em tal equilibrio que se não distinguia qual d'estes dois attributos fazia n'elle mais pendor, porque eram no seu animo vigorosamente eguaes o desinteresse e a justiça; virtudes inseparaveis nos heroes, que enthesouram só merecimentos para viverem na fama e na eternidade.

126. Restaurado o reino pelo nosso grande monarcha o senhor D. João Iv, e já com infalliveis esperanças de ficar estabelecido e seguro na sua augusta descendencia, recuperadas as provincias que no Brazil tinha senhoreado o poder de Hollanda, tornava com novas luzes a manifestar-se o antigo esplendor da monarchia, quando contra tanta felicidade, posta em campo a morte, cortou com o mais cruel golpe o fio da mais importante vida, tirando-a intempestivamente a el-rei em seis de novembro do anno de mil e seiscentos e cincoenta e seis, com dezeseis de reino e cincoenta e dois de edade, mui curta, se a medirmos pelo tempo, se pelas acções, mui dilatada.

127. Foi duque segundo em nome, e oitavo em numero, da serenissima casa de Bragança. Nasceu rei por direito, vassallo por tyrannia; mas este descuido da natureza emendou a fortuna, então ministra da providencia divina, restituindo-lhe a corôa que estava violentada em outra cabeça, e separando o reino d'aquelle corpo que intentou reduzil-o a um pequeno

membro, fazendo-o provincia. Opulento e firme o deixou aos seus reaes successores, sendo tão amado dos vassallos naturaes o seu dominio, quanto appetecido dos estranhos; eternisando nos subditos de todas as porções da sua dilatada monarchia uma perpetua saudade, e por quantos orbes discorre a fama, uma eterna memoria.

HISTORIA

DA

AMERICA PORTUGUEZA

LIVRO SEXTO

Entra na regencia do reino a serenissima senhora rainha D. Luiza - Elege a Francisco Barreto de Menezes por governador e capitão geral do Estado do Brazil-Ajusta a paz com as Provincias Unidas, e o casamento da senhora infanta com el-rei da Gran Bretanha-Donativo no Brazil para o dote e paz-Toma posse do reino o serenissimo senhor rei D. Affonso vi- Inhabilidade e descuido que mostra no governo - Manda por governador do Brazil ao conde de Obidos - Fundação dos religiosos de Santa Theresa na Bahia e em Pernambuco-Contagio das bexigas por todo o Estado - Cede el-rei o governo e o reino ao serenissimo senhor infante D. Pedro-Entra na posse d'elle com o titulo de principe governador - Prisão de Jeronymo de Mendoça Furtado, governador de Pernambuco, executada por aquella nobreza e povo-Succede ao conde de Obidos no cargo Alexandre de Sousa Freire - Naufragio da nau capitânia, e morte do general da armada da Bahia João Correia da Silva na costa do Rio Vermelho-Desce o gentio bravo sobre a villa do Cairú com grande estrago - Succede no governo a Alexandre de Sousa Freire Affonso Furtado de Mendoça - Descobrimento e povoação das terras do Piauhy-Guerra que faz aos gentios-Sua morte e elogio-Fundação das religiosas de Santa Clara-Voltam as fundadoras para Portugal depois de nove annos de assistencia na Bahia.

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icou pelo testamento del-rei nomeada a serenissima senhora D. Luiza sua esposa por tutora dos senhores infantes seus filhos, e regente do reino na menoridade do principe seu successor. Dezeseis annos que contava de rainha em uma monarchia contrastada de tão poderosos contrarios e tão varios accidentes, lhe deram experiencias com que na absoluta regencia do reino pôde com grandes acertos encarregar-se de todo aquelle peso de que já sustentava tanta parte, assistindo com animo varonil e real a

todos os conselhos e arbitrios sobre a defensa e regimen do reino e das conquistas, a que se applicava agora com tanto mais empenho quanto era maior a obrigação, sendo as suas resoluções

admiradas e applaudidas em todas as côrtes de Europa, e até n'aquellas menos interessadas na restauração de Portugal.

2. Tanto se desvelava no augmento da nossa America, que na maior oppressão de Portugal, e na precisa occasião que tinha o conde de Canta

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