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e começamos a examinar o solo, quanta fonte encoberta ao lado do caminho! quanta delicadeza de côres! que vida em todos os entes! quantas flores a nossos pés ! e, ao deixarmos esse torrão ornado de tantos primores, enganamo-nos acreditando têl-os exhaurido: Cada vez que lá voltarmos seremos sorprendidos por novos prodigios: é um mundo, onde cada dia se vê mais um encanto que se ama ainda mais quando se o descobre com trabalho, assim como essas fontes escondidas, em cuja agua o viajante bebe com mais amor, quando elle proprio a encontrou ainda virgem na solidão da matta.

E' á mocidade que se deve dar a ler esse livro tão elevado e tão puro. Em suas paginas aprenderá ella a amar a gloria, em cada estancia terá um novo incentivo, e durante muitos annos lhe acudirá sempre á memoria um oraculo de Socrates escripto na linguagem divina do poeta, ou um feito de Vasco da Gama e de Egas Moniz immortalisado por um outro Homero.

A mocidade deve ler o poema, sobretudo porque, como dizia Horacio recommendando a leitura da Iliada,,, a mocidade é como a amphora, que exhala por muito tempo o aroma do primeiro vinho que conteve❝ (1).

E' preciso recomeçarmos com o divino Camões, porque hoje, é triste dizel-o, os Lusiadas são um livro pouco lido e pouco conhecido.

Uma outra litteratura tomou o lugar da forte

(1) Trad. Jules Janin.

poesia epica. Já não se falla ao coração nem ao espirito, falla-se ao systema nervoso, á sensibilidade doentia das mulheres hystericas e dos homens ociosos. Ler um canto opulento, rico, dos Lusiadas, ler o poema, direi melhor, parece á muitos uma coisa tão extraordinaria como levantar a pesada espada de nossos maiores e suas armas de combate.

Isso, porém, só falla contra nós. Ha tres seculos possue a litteratura portugueza um monumento como esse, e, em vez de estudal-o, de buscar nelle todos os prazeres que nos offerece, andamos á cata das borboletas que a França produz em uma estação para morrerem na outra. Assim mostramo-nos indignos da herança que o genio nos legou; e ainda somos felizes, porque basta-nos para voltarmos ao antigo vigor do coração e da intelligencia a leitura apaixonada dos Lusiadas.

Deve-o ler a mocidade. Disse alguem: „, uma grande vida é um sonho da mocidade realisado na idade madura;,, é preciso, pois, que o sonho, seja bello, para que, se se realisar, fique para o paiz mais uma gloria. E em que livro tem-se tantos elementos para crear um ideal de vida, como nesse? Todos os sentimentos estão nelle insculpidos em versos eternos: o amor puro, a ambição desinteressada, o desejo de gloria, o sacrificio, o valor, o desprezo da morte, e o amor da patria sem limites, todos os grandes sentimentos animam como o fogo sagrado a alma dos heróes do poeta. Que melhor lição para os que entram na vida do que que lhes

manda deixarem no limiar todo o egoismo, e dedicarem-se sempre pela pessoa a quem amam, pela idéa e pela patria?

E' preciso que a datar do terceiro centenario do poema preste-se-lhe mais alguma homenagem, ou antes um respeito universal como o de que gozaram durante a antiguidade os poemas homericos.

Qualquer que seja o actual eclypse, o astro se desprenderá da sombra e tomará ainda algum dia sua posição no horisonte. Não é só, porém, o poeta que se deve conhecer, é tambem o homem.

Camões, e isso ver-se-ha melhor ao ler as presentes notas, é a expressão genuina de seu paiz. Pessoalmente bom, amavel, dedicado, cheio de desinteresse, heroico, elle toma com suas desgraças um grande vulto e proporções lendarias. Cabe-lhe a missão de cantar a gloria portugueza na vespera de Alcacer, e a ventura de não sobreviver á patria! naufrago nas aguas do Mékong, o que trata de salvar das ondas é seu livro, e com elle a epopéa da navegação! Infeliz e pobre, mendiga depois de ter dotado o paiz com o maior monumento que elle possue!

De todos esses accidentes e esses infortunios formou-se a legenda do poeta. Respeitarei tanto quanto fôr possivel a figura historica e a tradição popular. Um Camões pobre, proscripto, mendigando nas pontes de Lisboa pela mão de uma escrava, seria um remorso para a geração de 1570; para a de hoje, porém, é um exemplo vivo que a fará honrar o genio infeliz. Não toucarei assim nas roupas de marmore em que a posteridade envolveu a estatua do poeta, nem tratarei de quebrar o prestigio seductor de suas desgraças. A tradição é a historia. Seria uma profanação mentir a ambas, só para seguir os passos de uma opinião que quer destruir todos os cultos da humanidade, decompôr

as lendas, mostrar os lados pequenos dos grandes homens. Como se um mytho não fosse a resultante de um longo trabalho de idealisação! e como se a humanidade não tivesse querido, formando-os, crear modelos inalteraveis para progresso de

todos!

Este livro não tem valor, como disse antes, senão como notas de minhas impressões, e esse valor é tambem pessoal. Tratei de deixar de lado o estudo bibliogphico, cuidadosamente feito pelo Sr. I. F. da Silva; o estudo litterario, fil-o unicamente com os Lusiadas, desconhecendo quasi tudo que sobre elles se tem publicado; é, como se vê, um livro escripto com minhas proprias impressões.

Como um mergulhador, que, no fundo do oceano, não precisa de ler o que sobre elle se escreveu para sentir-se deslumbrado por tantas riquezas e por tão novos quadros, assim não pensei que me fosse necessario o soccorro de outros para sentir e comprehender as innumeras bellezas do poema de Camões. Exprimir o que senti foi-me' possivel, porque, não precisei de fallar a linguagem do poeta.

Escolhendo os Lusiadas para objecto de meus estudos, acredito que tomei um assumpto nacional. Os Lusíadas são a obra prima da litteratura portugueza, que é a nossa.

Varios ensaios, e alguns de grande merecimento, fizeram-se entre nós com o intuito de dar-nos uma litteratura propria, mas ella ainda não existe. De duas sortes foram os trabalhos, que se conhecem, feitos com essa intenção. De uns o assumpto era a vida de nossos indigenas, de outros era o estado actual de nossa sociedade.

Uma litteratura, inspirada pela vida errante das tribus primitivas, que se servisse amplamente de seu rude vocabulario, que não nos descrevesse senão os seus costumes, seria bem uma litteratura tupy ou guarany, mas não a brazileira. A poesia póde idealisar o caracter, o coração, as guerras, a civilisação até d'esses ferozes habitantes de nossos sertões; mas a poesia, que se impuzer essa aliás bella missão, será uma poesia phantastica, sem direito a ser nacional.

sermos

A sociedade brazileira, da qual a litteratura deve ser a expressão, é exactamente aquella que substituiu no gozo d'este paiz os seus habitantes primitivos. Tornarmo-nos nós os cantores d'essa vida, que só tem poesia para aquelle que não acceita plenamente a theoria do progresso moral, é, já não digo, levantarmo-nos contra nossa propria existencia n'este lado do Atlantico, mas, os poetas de uma raça que não é a nossa. Póde isentar-se o poeta de qualquer servidão de sentimento, mesmo da do patriotismo, mas não póde querer ser o poeta natural de uma sociedade, que elle nega radicalmente. A vida do Brazil começou em 1500; antes existia o seu solo, mas com outro nome e povoado por outra raça. O dominio d'essa desappareceu, barbaramente perseguido, é certo, e refugiou-se no interior ainda virgem do paiz. Nada ficou sobre o sólo attestando a antiga existencia das tribus primitivas; nenhuma forma de sociedade estavel havia entre ellas, emquanto no Perú os Incas tinham o seu throno firmado no coração de uma raça, cujos monumentos e construcções maravilharam os conquistadores.

Aquelle que contasse da vida errante, que po

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