beijo de Jupiter em Venus, do qual o poeta mantuana diz ligeiramente: « Oscula libavit nato, >> da fórma seguinte: «As lagrymas lhe alimpa, e accendido Por mais que se queira interpretar favoravelmente o pensamento do poeta, dizendo que elle se referia a uma concepção unica, e que a formação de um mytho não tinha nada de material, a expressão se só se achára deixa-nos sempre em frente de um erro imperdoavel da parte do poeta. A resposta de Jupiter á Venus é a apothéose dos portuguezes. Esses elogios em uma bocca divina são a mais elevada fórma da gloria! Depois de ter lembrado os grandes feitos dos antigos heróes, e fallando de Antenor, como se respondesse, ao que lhe dissera Venus na Eneida, Jupiter em uma palavra resume os fastos lusitanos: « Os vossos, mores cousas attentando, Novos mundos ao mundo irão mostrando. »> Lembrando-se de um facto, que narra Castanheda, de ter tremido o mar mui rijo e por bom espaço o poeta arranca ao deus essa exclamação : 66 دو << Oh gente forte e de altos pensamentos, Que tambem d'ella hão medo os elementos! >> Os cercos de Diu, a sujeição de Ormuz, a conquista de Gôa, Cananor e Calecut, tudo isso mostra Jupiter á filha já consolada e tambem a gente por tugueza dominando em todo o oceano, e entre tantos heróes o vulto de Duarte Pacheco : « E vereis em Cochim assinalar-se Que assi mereça eterno nome e gloria ! » Tal é a soberba falla de Jupiter que nos lembra a da Eneida, e as promessas da gloria troyana. Essa intercessão de Venus pelos portuguezes, feita como se viu com grande originalidade pelo nosso poeta, é uma das mais populares ficções dos Lusiadas. As prophecias de Jupiter, por assim dizermos no prologo do poema, dão-nos coragem, se nos esquecemos da historia, para seguirmos as náos portuguezas, e, quando ouvimos os duros casos de Adamastor, lembramo-nos d'ellas como de uma promessa divina que nos faz olhar os perigos como um sonho máo que deve desvanecer-se. Quanto á essa loura e alva figura, de uma pura e inalteravel belleza, symbolo do amor, ella será sempre para nós que lemos os Lusiadas a Venus de Camões. II No canto VI ainda Venus apparece salvando os portuguezes o canto VI é o mais igual, o mais dramatico, o mais opulento do poema. N'elle o poeta mostrou de que elevação e ao mesmo tempo de que extensão era o seu genio. Iam já os portuguezes tocando á terra da India e enxergando « Os thalamos do sol, que nasce ardente, » quando Baccho tentou um ultimo esforço para afastal-os do futuro theatro de suas glorias. A sorte da raça lusitana mostrava-se clara á seus olhos invejosos e elle adevinhara que no céo só havia um pensamento: « De fazer de Lisboa nova Roma. » Estavam as náos portuguezas nos mares longiquos e desconhecidos do Oriente e n'ellas estava tudo que a civilisação occidental tinha podido mandar á busca de um novo mundo; uma vez perdidas, atiradas por uma tempestade sobre as costas, cu sumidas no fundo do oceano, o que restaria nas terras da India d'esse poder que as ia invadir e conquistar? Só destroços de um naufragio, e signáes da existencia de um povo que por muitos seculos não ousaria transpôr o cabo das Tormentas. Ao mar pois dirigiu-se Baccho, ao mar, á que o poeta grego tinha dado uma alma, que se chamava -Poseidon-ou Neptuno. O palacio desta divindade maritima é descripto com esmero pelo nosso poeta. São cidades phantasticas que acredita mos ver No mais interno fundo das profundas As aguas formam a transparente abobada d'esse mundo encantado; todos os edificios são feitos de uma massa chrystalina e diaphana: dir-se-hiam os castellos que as nuvens desenham no céo e que o sol penetra com as cores prismaticas. E' uma phantasia, que recorda as descripções que a sciencia faz do fundo do mar. Ha uma luz muito viva em toda essa marinha ideal, que o poeta não sabe se é formada de chrystal se de diamante-; esse palacio assim feito de uma substancia diaphana e luminosa, tendo por soalho as areias de prata fina, as portas de ouro marchetadas de rico aljofar e por zimborio o grande oceano, atravessado sempre pelos raios do sol, de que elle é o berço e o leito, lembra-nos o pincel e a imaginação de Ovidio. Não ha quem desconheça a pintura do palacio do sol; o poeta fel-a em alguns traços que são eternos. Esse edificio sem proporções terrestes, levantado sobre innumeras columnas, brilhando com a luz do ouro e das pedras, que lançam chammas, é para a imaginação de todos uma morada digna de Apollo; ao ler essa descripção, ninguem se recorda do templo de Cusco, onde os Incas tinham amontoado o ouro de muitos seculos: o que nos lembra logo é o sol, o sol de cuja luz o poeta parece fallar. Regia Solis erat sublimibus alta columnis, Clara micante auro, flammasque imitante pyropo. Que brilho é o d'essa atmosphera, que cerca Phebo, senão o do sol, que ninguem pode fixar, mesmo sendo dotado de uma natureza quasi divina, como Phaetonte? Com tanto mais razão citamos o poeta de Sulmona quanto é certo que Camões lembrou-se d'elle e quiz emular com elle n'essa descripção do palacio de Neptuno. Prova-nos isso a pintura dos quatro elementos feita pelo poeta á maneira dos antigos, que se deleitavam em descrever os lavrados da esculptura, como se pode ver em Homero, em Virgilio, em Ovidio e na bella descripção dos amores de Ariadne, em Catullo. O que havia esculpido nas portas de ouro e aljofar do palacio de Neptuno eram os quatro elementos; nas portas do palacio do sol havia outros quadros, mas a descripção do nosso poeta lembra-nos a cosmogonia de Ovidio e sua pintura do Cháos. Estes dois versos: Alli sublime o Fogo estava em cima não fazem pensar nos hexametros: Ignea convexi vis et sine pondere cœli Emicuit, summaque locum sibi legit in arce? "O fogo arde, e sem pezo occupa a mais elevada região." Logo após elle leve se sublima O invisibil ar, que mais asinha é a traducção do verso latino : Proximus est aer illi levitate, locoque. Não citamos estes versos para denunciar um plagio, seria pueril; elle não existe. Queremos tão sómente mostrar que o poeta n'essa descripção emulou de industria com Ovidio. Se a crea |